Há três dias, uma casa na qual viviam 13 venezuelanos pegou fogo na zona oeste de Boa Vista, deixando uma criança de 3 anos e os seus pais feridos. O caso foi denunciado por quem estava na residência como um atentado criminoso, e que estaria ligado à xenofobia que já vem sendo registrada há meses na cidade.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o advogado, ativista e coordenador do Serviço Jesuíta aos Migrantes e Refugiados, Cleyton Abreu, garantiu que outros casos já foram registrados anteriormente, do que seriam atentados contra os migrantes venezuelanos. Segundo ele, tudo está vinculado ao medo, à desinformação e à ausência do Estado para a solução do tema.
"[A violência] era algo que eu e a sociedade civil já víamos com preocupação e prevíamos. Quando se vê a ausência do poder público, os mitos crescem assim como a violência, é algo que atinge qualquer cidade com fluxo migratório. A falta de articulação entre os entes públicos agravou um quadro de vulnerabilidade, de pessoas que fogem da fome e são tratadas com ojeriza", avaliou Abreu.
Coordenando uma entidade que promove assistência aos venezuelanos que chegam diariamente à Boa Vista, com ajuda na obtenção de documentos, remédios e acolhimento, o ativista explicou que a negligência das autoridades brasileiras ajuda a explicar o caos em Roraima, e que sugestões como o fechamento da fronteira estão fadadas ao fracasso.
"Fechar a fronteira é impossível. Ela é aberta por muitos quilômetros e o fechamento só levaria ao aumento da vulnerabilidade. Falta informação, isso gera tensão e violência. Alertamos o poder público e não obtivemos resposta. Pedimos coordenação entre os entes públicos e nunca fomos atendidos. Há uma solução despontando e vemos com felicidade", disse.
'Drama humanitário'
Na visita que fez à capital de Roraima na última quinta-feira, ao lado dos ministros Torquato Jardim (Justiça) e Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), o ministro Raul Jungmann (Defesa) chamou de "drama humanitário" a situação dos refugiados venezuelanos e prometeu apoio do governo federal para uma solução da crise.
Uma das soluções ventiladas é a possibilidade de levar grupos de venezuelanos para outros Estados do país. Após uma reunião com a governadora Suely Campos (PP), Jardim prometeu entregar em 90 dias um projeto para integrar os migrantes ao mercado de trabalho brasileiro, já que são alfabetizados e qualificados.
Cleyton Abreu concordou com a visão do ministro da Justiça, afirmando que "diversos migrantes são academicamente capazes de entrar para os quadros de trabalho em cidades do país, melhorando a condição" destes municípios. Contudo, o ativista pontuou que as movimentações de refugiados devem respeitar princípios básicos.
"Não existe ainda um plano de ação. Há essa sugestão nossa de se criar um gabinete para resolver a crise, e nós também vemos a interiorização como uma solução, mas não chegou nada concreto ainda. É importante respeitar a vontade do migrante. No geral eles querem ir para regiões mais industrializadas do Brasil, mas é preciso ouvi-los", analisou.
Se os planos das autoridades brasileiras não parecem tão claros para uma solução da crise em Roraima, os motivos que fazem venezuelanos deixarem o seu país são bem mais cristalinos, de acordo com Abreu.
"Os motivos para a migração são geralmente a fome e a falta de emprego. Mas quando fazemos mais perguntas, as razões para terem passado fome ou perdido o emprego, geralmente envolve alguma retaliação do governo [de Nicolás Maduro], como um tio que falou mal e houve retaliação. Houve uma generalizada violação de direitos humanos e, com a super inflação na qual um salário mensal só dá para comprar dois sacos de arroz de 5 quilos, a migração passa a ser vista como um fator natural", contou.