Vladimir Tararov, embaixador da Federação da Rússia na República de Angola, comenta em entrevista à Sputnik Brasil as relações russo-angolanas em várias áreas e fala da perspectiva do desenvolvimento desta cooperação bilateral.
A parceria que nunca acabou
Nos fóruns internacionais, organizados inclusive pela Rússia, são cada vez mais frequentes as discussões sobre o assim chamado "grande retorno da Rússia a África". Para o embaixador, a atual situação no mundo, em que está acontecendo uma redistribuição dos polos de influência, faz com que cada país procure aliados.
"Nós não apenas ajudávamos na luta armada, não apenas fornecíamos armamentos, mas quando eles conseguiram a libertação nacional e liberdade, nós ajudávamos a construir os próprios Estados, pois não havia estruturas de Estado nestes países", lembrou o embaixador, acrescentando que os consultores soviéticos estiveram sempre ao lado do presidente, do premiê e dos ministros e ajudaram na formação das estruturas estatais e na definição do conceito e da política do Estado.
Este trabalho, que primeiro foi feito pela União Soviética, e posteriormente pela Rússia, de ajuda aos países africanos torna estes países nos aliados mais fiéis e confiáveis, ressaltou Vladimir Tararov. E com a situação complicada em que o mundo se encontra hoje, a Rússia presta atenção justamente à África.
Mas não se trata de uma cooperação reiniciada, pois o processo de parceria nunca acabou, ele poderia, sim, às vezes ter abrandado, mas só apenas devido ao fato de ter havido menos confrontação no mundo e os países africanos não terem que buscar meios de defesa contra vários tipos de ameaça.
Relações mutuamente vantajosas
Já agora, com uma estrutura estatal e econômica já formada e com um número reduzido de conflitos e atritos nestes próprios países, se pode falar não sobre necessidade de ajuda, mas sobre cooperação mutuamente vantajosa entre a Rússia e estes países a todos os níveis: político, econômico, social, cultural e humanitário.
Segundo ele, Angola tem importância e prestígio regionais muito elevados em organizações como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês) e a União Africana, e assim isso pode virar para a Rússia uma espécie de degrau para alargar a cooperação a outros países no sul da África.
"Eles precisam de proteção e entendem que, durante a construção de um mundo multipolar, eles terão que buscar garantias de países mais fortes, para que as relações internacionais desequilibradas encontrem um equilíbrio que possa garantir uma ordem mundial justa", disse.
No que diz respeito ao desenvolvimento dos laços econômicos e intercâmbio de experiência, Vladimir Tararov mencionou que a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral está criando uma zona de comércio livre e que a Rússia, que já teve essa experiência com a criação da Comunidade Econômica Eurasiática, poderia compartilhá-la e mostrar como é que isso pode ser realizado.
Aliado atraente em termos de segurança
A Copa do Mundo mostrou a todos quanto os russos são abertos, quanto são amáveis e, sobretudo, quanto são seguros, destacou o embaixador, lembrando o maior evento esportivo que teve lugar na Rússia há alguns dias.
"O mais importante que devemos sublinhar: a Rússia atrai [os angolanos] do ponto de vista da segurança, porque a Rússia nunca teve guerras coloniais, nunca demonstrou agressão contra qualquer país e, uma vez estabelecida a cooperação, ela nunca usou suas alavancas econômicas para mudar o regime político em qualquer país", explicou Vladimir Tararov à Sputnik Brasil.
A cooperação militar e no ramo da segurança era tradicionalmente a mais desenvolvida, e continua sendo assim. Ela se realizava através do envio de armamentos e especialistas militares que ajudavam os angolanos. Atualmente, de acordo com o embaixador, está sendo realizada uma importante cooperação para o desenvolvimento das Forças Armadas.
"Estamos observando uma aspiração dos angolanos de seguir o exemplo das nossas Forças Armadas, pois estas se deram a conhecer de forma positiva, demonstraram sua eficácia, em primeiro lugar na Síria. Estamos apoiando este rumo e tentamos desenvolver ainda mais as nossas relações na área militar", disse.
O embaixador adicionou que hoje em dia em Angola está presente um grupo de consultores militares e que o principal deles é um general que consulta o Comandante Supremo de Angola, o presidente João Lourenço. Recentemente, pela parte russa foram propostas alterações aos regulamentos militares, inclusive ao sistema de condecorações local, que estava pouco desenvolvido.
Outros assuntos de segurança
Conforme o embaixador, um grande trabalho está sendo realizado na área do fornecimento de armamentos, o que não é um processo fácil dada a interferência dos países ocidentais, primeiramente dos EUA, que pretendem redistribuir os mercados de armamentos e obstaculizar essa cooperação através das sanções.
"Apesar de todas essas dificuldades, os angolanos ainda assim acreditam que a Rússia, neste caso, é o país menos perigoso para eles em termos de dominação e influência na política interna. Repito, é uma confiança que parte do fato de a Rússia nunca ter sido agressiva", frisou.
Como exemplo, embaixador falou de um experimento que está sendo realizado agora. Através da cooperação entre serviços fronteiriços, foi criada a guarda das fronteiras com equipamentos de alta tecnologia. Os angolanos ficaram surpreendidos com o que resultou, mas outros países agora também estão interessados em visitar e ver o resultado deste esforço.
"Não se trata de uma simples transferência de experiência, mas de uma perspectiva de cooperação com a Rússia na mesma área. Acredito que aqui temos boas perspectivas, acho que seguiremos este caminho e ultrapassaremos quaisquer dificuldades que apareçam", resumiu.
Angola e o BRICS
Os países do grupo BRICS vêm apelando à criação do assim chamado BRICS+, para ampliar o bloco com o objetivo de aumentar sua influência e atratividade.
"O formato BRICS+ está sendo considerado de forma ativa. Do evento [X Cúpula do BRICS] participarão outros países da África, inclusive Angola […] As autoridades angolanas, levando em consideração a importância desta organização, elas entendem a vantagem e claro que põem a questão sobre a sua adesão à organização", frisou o embaixador da Rússia em Angola.
Esta reunião pode dar um impulso ao desenvolvimento bilateral entre os dois países. O encontro, que pode virar o primeiro antes da visita oficial do presidente angolano à Rússia, dará certos vetores na interação entre ambos os países, e esse vetores podem indicar a trajetória de um trabalho conjunto rápido e eficaz, acredita Vladimir Tararov.