Em 28 de outubro o Brasil conhecerá quem governará o país até 2022. Enquanto vão se firmando as principais candidaturas para a presidência, se acirra o debate sobre os projetos de governo, bem como a incerteza sobre o futuro do país. Mas onde fica a política externa neste debate e qual será o papel do Brasil no mundo nos próximos anos?
À margem das eleições
Mergulhado em uma crise política e econômica, o Brasil se arrasta na instabilidade desde que Michel Temer assumiu a presidência. Nesse processo, é bastante consensual que a política externa ficou marginalizada nos últimos anos, sendo quase inexistente, com atuações bastante pontuais. Com a proximidades das eleições, é notável o silêncio dos principais candidatos sobre a política internacional.
O professor de Relações Internacionais da UFRJ, Fernando Brancoli, conversou com a Sputnik Brasil sobre a relação das eleições presidenciais no Brasil e o trato que os assuntos internacionais tem recebido pelos candidatos e pela população.
"A gente diz tradicionalmente que política externa não entra na eleição, independente do momento. Ela vinha aparecendo, mesmo que de maneira mais tímida […], com investimentos em países da região, com o papel do BNDES, e alianças feitas pelo PT que foram vistas como positivas, como o BRICS, que foi capitaneado pelo Lula. Mas no presente momento a política externa está completamente ignorada pela opinião pública", disse o especialista.
"A gente pode imaginar que ela vai aparecer um pouco mais reforçada no caso dos imigrantes refugiados venezuelanos no norte do país, mas isso vai ser muito localizado. A política externa está bem deixada de lado. Eu acho que isso também é um sinal de um certo desinteresse da população, desinteresse que está ligado a uma projeção cada vez menor do Brasil dentro do cenário internacional", acrescentou o acadêmico, destacando que com a saída do PT do poder, "a pauta da Venezuela foi internalizada para a política brasileira", criando
Política externa X política interna
O mestre em Relações Internacionais e coordenador pedagógico do curso Clio Internacional, Tanguy Baghdadi, em entrevista à Sputnik Brasil, segue a mesma linha de raciocínio, observando que em períodos eleitorais a política internacional é tratada sob o prisma da preocupação interna. Para ele, mesmo quando assuntos internacionais são abordados, é o modelo de Brasil que está sendo discutido pelos candidatos.
"Sempre em períodos eleitorais, a política externa perde um pouco de força e relevância. Se a gente pegar os últimos debates eleitorais, você pode perceber que a gente só fala em assuntos internacionais para falar sobre assuntos como Venezuela, Cuba. E no final das contas a gente não está falando nem sobre Venezuela, nem sobre Cuba, a gente está falando sobre o Brasil, sobre o modelo de Brasil. Quando se fala 'vai pra Cuba!', ninguém está falando sobre Cuba, mas sobre o modelo político e econômico brasileiro", argumentou.
Já Fernando Brancoli lamentou o distanciamento entre a política interna e a política externa na opinião pública, argumentando que o sistema político brasileiro sairia mais fortalecido se houvesse uma maior compreensão da sociedade sobre os impactos das relações internacionais nas nossas vidas.
"O Brasil exporta muita commoditie, para China principalmente. A variação no preço dessas commodities tem impacto nas nossas vidas. Então eu acho que cabe também à comunidade política, nós acadêmicos, conseguir divulgar melhor como é que uma mudança de política na China tem impacto no nosso preço do combustível, como que uma guerra na Síria vai ter uma variação do Estado do Rio de Janeiro de pagar os seus salários", exemplifica.
O combate à corrupção como possível elo entre política interna e externa
A Sputnik Brasil também conversou com o pretendente à diplomacia brasileira, bacharel em Relações Internacionais pela PUC-Rio, Pedro Braga Soares, que se prepara para o concurso Rio Branco este ano. Ele comentou alguns pontos da política externa que considera importantes para o desenvolvimento do país, mencionando temas de grande interesse da sociedade brasileira que têm o potencial de transbordar para uma atuação mais pró-ativa do Brasil na esfera internacional.
Além disso, ele acrescenta que temas novos e muito próximos às preocupações políticas dos brasileiros poderiam ser uma plataforma para a política internacional ser mais presente no processo eleitoral, como o combate à corrupção.
"O combate à corrupção é possivelmente uma frente de política externa na qual o Brasil poderia se empenhar mais, poderia ter mais protagonismo, seja celebrando acordos multilaterais, acordos bilaterais, e isso repercutir internamente", observa.
"Até porque é um assunto muito atual na política interna brasileira e de muito interesse do público atualmente. Inclusive essa proposta de instrumentalização da política externa para o combate à corrupção já foi levantada, proposta pelo professor da FGV, Matias Spektor. Ele levantou essa questão de que o combate à corrupção poderia ser um tema interessante de interface entre a política interna e a política externa, mas que infelizmente ainda é pouco explorada", acrescentou Pedro Braga.
Os projetos de política internacional na disputa eleitoral
De acordo com especialistas, é difícil pensar no cenário da política internacional traçada pelo futuro governo brasileiro, mas é possível identificar três cenários a partir da trajetória dos candidatos e algumas declarações pontuais das principais candidaturas.
"É curioso, porque se a gente for pegar as eleições desse ano, não se tem ideia de quem vai ganhar, tudo pode mudar daqui para frente, e a gente tem 3 modelos absolutamente diferentes. A gente tem um governo que seria o do Ciro Gomes (PDT), que seria um governo mais de centro-esquerda, que talvez se aproximasse de uma política externa do Lula, muito provavelmente com uma proximidade a países latino-americanos, países periféricos, sem negligenciar de forma alguma os países centrais", comenta.
De acordo com ele, os projetos de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) possuem semelhanças pela tendência a se aproximarem da política externa adotada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por conta de "uma aproximação a países centrais". Baghdadi ressalta que este modelo pode indicar "uma certa revitalização da política brasileira, um reforço da credibilidade brasileira com organismos internacionais".
"Então, se a Marina vence certamente vai ter uma política ambiental não sei se mais positiva, mas certamente mas midiatizada. A presidente vai tentar de alguma maneira lidar com isso. Se a gente tiver o Alckmin eleito, certamente a pauta de liberalização econômica, de aproximação com a Europa e os EUA, vai aparecer como algo que o Brasil possa oferecer ao mundo", completa.
Apesar dos presidenciáveis não se manifestarem claramente sobre um plano de política externa até então, é possível identificar dois cenários que seriam uma espécie de continuidade de governos anteriores. Por um lado, um governo de centro-direita, seja na presidência de Marina Silva ou Geraldo Alkmin, buscando uma liberalização econômica e promovendo uma aproximação com EUA e União Europeia. E, por outro, um governo de Ciro Gomes ou do PT (Lula ou Haddad) teria uma tendência de continuidade da política externa petista, promovendo um maior multilateralismo e relação internacionais não hierárquicas.
'Trump brasileiro'?
Já o deputado Jair Bolsonaro (PSL), que aparece como um dos favoritos para chegar ao segundo turno das eleições, fez algumas declarações mais contundentes ligadas à política internacional, ora afirmando que queria refletir as posições nacionalistas do presidente norte-americano, Donald Trump, no Brasil, ora manifestando forte apoio a Israel — também invocando os passos do líder dos EUA ao dizer que transferiria a embaixada brasileira de Tel Aviv pra Jerusalém na primeira semana de governo.
Conheci hj Steve Banoon @SteveKBannon,estrategista da campanha d Trump @realDonaldTrump.Conversamos e concluímos ter a mesma visão de mundo.Ele afirmou ser entusiasta da campanha d Bolsonaro e certamente estamos em contato p somar forças,principalmente contra marxismo cultural. pic.twitter.com/hdxM5njn8D
— Eduardo Bolsonaro (@BolsonaroSP) 3 de agosto de 2018
Esse desejo de espelhar a trajetória de Trump ficou mais evidente na última semana, quando o filho de Jair Bolsonaro (PSL), Eduardo, publicou no Twitter uma foto com Steve Bannon, ex-braço-direito de Trump, e afirmou que Bannon é um entusiasta da campanha do pai. "Conversamos e concluímos ter a mesma visão de mundo", escreveu o filho de Jair Bolsonaro.
Tal relação entre Bolsonaro e Trump, no entanto, soa contraditória para Brancoli, que identifica como paradoxal o caráter protecionista da política de Trump e a vontade de Bolsonaro de se aproximar dos EUA com um discurso liberal.
"Os investimentos seriam mais difíceis de serem feitos, já que o governo americano do ponto de vista econômico se fechou mais e, inclusive, tranca crianças brasileiras em centros de detenção de imigrantes. Não vi grandes manifestações do Bolsonaro a respeito disso. Mas o argumento dele é de que nós deveríamos nos aproximar desses países", completa.
Já em relação aos comentários de Jair Bolsonaro sobre Israel e a contundente declaração de querer transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém na primeira semana de governo, o especialista afirma que trata-se mais de uma forma de angariar um eleitorado evangélico do que uma compreensão sobre os conflitos no Oriente Médio, destacando que parte de comunidade evangélica no Brasil tem esse vínculo com o país de maioria judia.
Diplomacia do encolhimento
Ao comentar o processo histórico recente da política externa brasileira, Fernando Brancoli identificou uma ruptura do governo Temer em relação à gestão da política externa do PT, no sentido de aumentar o tom contra países de esquerda, principalmente a Venezuela, mas destaca que essa hostilidade foi discreta e "de uma maneira geral, muito discursiva", deixando a diplomacia brasileira muito apagada nos últimos anos.
Brancoli lembra que em nenhum momento o Brasil esteve envolvido ou chamado como mediador nas principais crises da região, como no caso do acordo de paz entre o governo colombiano e as FARC, ou numa tentativa de mediação na Venezuela. "Isso tem a ver um pouco com o Brasil perder esse posto como alguém reconhecido para diálogo, o que tem a ver com o caos político que o país vem vivendo", argumenta.
A visão de uma política externa apagada nos últimos anos é compartilhada pelo mestre em Relações Internacionais e coordenador pedagógico do curso Clio, Tanguy Baghdadi, segundo o qual, "o Brasil suspendeu, de uma certa forma, a sua política externa desde que o Temer assumiu a presidência".
O coordenador do Clio, curso que prepara os alunos para o concurso Rio Branco, disse à Sputnik Brasil que, no contexto da crise política e econômica do Brasil, "a política externa acabou sendo a última das prioridades, o que já tinha começado no governo da Dilma, que já negligenciou bastante a política externa, mas vinha numa toada, numa certa tendência do governo Lula, que foi muito ativo na política externa".
"Mas o Temer de fato não conseguiu dar nenhuma atenção a temas relacionados à agenda exterior do Brasil. Então já é um tema que normalmente não tem muita importância, não influencia muito o voto de ninguém, talvez até por um traço histórico, o Brasil nunca foi um país que teve um grande protagonismo internacional", destacou.
Ruptura ou continuidade?
No que diz respeito à projeção para o futuro da diplomacia brasileira, o candidato a futuro membro do corpo diplomático brasileiro Pedro Braga comenta que, apesar da incógnita do processo eleitoral, os últimos anos indicaram uma ruptura na diplomacia brasileira após os governos do PT por ter ministros que não são diplomatas de carreira. Ele destacou, no entanto, a força institucional do Itamaraty como um fator de estabilidade para a condução da política externa brasileira, que pode ficar imune a certas posições mais extremadas, se referindo às declarações mais enfáticas de Bolsonaro e sua relação com Trump.
"Certamente a ausência da política externa no debate público e eleitoral favorece uma certa continuidade, porque o tema acaba não sendo tão polarizado, e isso faz com que este tipo de extremismo que é muitas vezes não só eleitoral, mas que quer apelar para uma base de apoio do candidato acabe ficando mais isolado da condução da política externa. Certamente o Itamaraty desempenha um papel importante nessa continuidade dado que ele tem um corpo funcional que é de excelência conhecidamente, que conduz a política externa, e pela continuidade da instituição dá certamente alguma inércia em um sentido da condução da política externa, ou seja, evita rupturas muito grandes", destacou.
Já Tanguy Baghdadi afirmou que "é muito difícil falar de ruptura ou continuidade, porque não tem política externa, o Brasil realmente não faz nenhuma política externa, absolutamente nada".
"A palavra que eu diria é que vai ter uma retomada da política externa. As iniciativas de política externa que a gente têm tido são absolutamente pontuais. O próximo governo vai ter política externa, vai ser eleito, um governo mais legítimo. Se tudo se mantiver da maneira que estamos esperando, vai ter uma retomada de algum caminho de política externa", concluiu o coordenador do Curso Clio.
Destino de potência média: 'Brasil não precisa ser superpotência'
Apesar da discreta atuação e limitada relevância nas grandes decisões da política internacional, sobretudo com a crise política e econômica que tomou conta do país nos últimos anos, é consenso entre os especialistas que o Brasil é uma potência média, que, por um lado, não tem peso para competir com superpotências na arena internacional, como EUA e China, mas, tem mais importância que países regionais menores, como Venezuela e Argentina.
Já o professor Fernando Brancoli reforça a tese de que o Brasil não precisa aspirar a ser uma superpotência na arena internacional, mas que é importante voltar a ter uma participação ativa, dado o "encolhimento" de sua presença nas relações internacionais.
"Então o que eu reforçaria é que o Brasil não precisa virar uma superpotência, mas a gente pode ser relevante para a mediação de conflito, mandar tropas para operações de paz, a gente pode mandar diplomatas experientes para OMC para discutir liberalização econômica […] Se a gente fosse escutado nesses tópicos, e fazer o mundo escutar o Brasil nesses temas, já seria bastante relevante. O que acontece hoje em dia é que a gente não está sendo escutado em tópico nenhum", destacou o professor de Relações Internacionais da UFRJ.