Durante entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, Jungmann afirmou em maio deste ano:
"Corremos esse risco, sim, é real [a eleição de uma bancada formada por milicianos]. O que você pode fazer é um filtro antes. Já há um grupo de trabalho no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral [TSE] formado por nós, pela Defesa, pela Polícia Federal e pela Abin para identificar esses lugares e procurar atuar antes."
A Sputnik Brasil procurou o Ministério da Defesa, o Ministério da Segurança Pública e o TSE para buscar mais informações sobre o suposto grupo de trabalho. A reportagem obteve respostas contraditórias e confusas sobre o projeto.
"Segundo apurações internas, não há no TSE nenhuma ação no sentido da sua demanda [sobre o grupo de trabalho das milícias]."
A Sputnik Brasil, então, voltou a entrar em contato com o Ministério da Segurança Pública, que não respondeu ao pedido da reportagem feito por e-mail e reiterado em ligações telefônicas. O que o Ministério de Jungmann respondeu foi um pedido de Lei de Acesso à Informação sobre o grupo de trabalho. Foram solicitadas informações sobre os órgãos envolvidos, as atividades realizadas, data de início e fim do grupo de trabalho e quantos servidores estão envolvidos.
O Ministério da Segurança Pública respondeu no dia 7 de setembro, portanto um mês antes da realização das eleições, que ainda será criado "um centro de cooperação de inteligência para as Eleições 2018". Ele será coordenado pela Polícia Federal com "integrantes de outros órgãos e entidades com o objetivo de monitorar candidatos apoiados pelo crime organizado". Ainda de acordo com a resposta, os casos de possíveis candidatos suspeitos serão encaminhados à Justiça Eleitoral e que "ainda não é possível informar o número de servidores envolvidos".
A Sputnik Brasil também buscou o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro para saber de possíveis iniciativas contra a eleição de milicianos. Foi encaminhado um pedido de esclarecimentos e de uma entrevista no dia 3 de agosto. Após repetidos e-mails e ligações, o TRE aceitou apenas conceder uma entrevista por e-mail. Ainda assim, o órgão descumpriu o prazo acordado e até o momento da publicação desta reportagem não encaminhou sua resposta.
"É uma promessa que já nasce descumprida. Essas bancadas já existem"
O sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Cláudio Souza Alves estuda grupos milicianos e o crime há mais de duas décadas. Ele acredita que a promessa de Jungmann já nasceu morta.
"É uma promessa que já nasce descumprida. Essas bancadas já existem. Você tem milicianos que são fortes candidatos e até agora não vi nenhuma ação significativa para impedir essas candidaturas ou sua atuação."
Ainda assim, aconteceram episódios que ele considerou estranhos. Bezerra afirma que um grupo de homens suspeitos encontrou funcionários de sua campanha e pediu pelo "candidato a prefeito". Quando não o encontraram, os homens saíram cantando pneu. Ele também diz que recebeu uma ligação pouco usual:
"Na véspera do dia da eleição, eu recebi dois telefonemas. Um inclusive de uma pessoa muito influente na cidade de Belford Roxo, pedindo para eu não circular [pela cidade]. Essa empresária me ligou e falou 'professor, eu gosto muito de você. Eu estou te ligando para pedir para você não ficar pela rua hoje e nem amanhã no dia da votação'. Perguntei a razão e ela disse 'ah, ouvi uma conversa estranha aqui no centro da cidade envolvendo seu nome e achei melhor te prevenir'".
Receoso, Bezerra conta que ficou em casa na véspera da eleição e foi votar acompanhado pela imprensa, para garantir sua segurança.
"Têm bairros inteiros aqui em que você não pode fazer campanha. A milícia ou o tráfico define que é aquele o candidato que pode fazer campanha e só ele vai poder entrar. Isso é comum na Baixada Fluminense."
Ele estudou em sua tese de doutorado pela Universidade Federal Fluminense a escravidão nos séculos XVIII e XIX na Baixada Fluminense e acredita que existem continuidades entre o passado e o presente:
"A população negra é a que mais sofre com essa realidade violenta na Baixada Fluminense. Primeiro porque demograficamente é superior. Mas também porque muito da criminalidade e da ação do Estado que repercute em violência é voltada para a pobreza — onde está concentrada a população negra. Essa população negra é descendente dos africanos escravizados. Essa lógica se reproduz ainda hoje."
"Você é livre, mas se o tiro estiver comendo na rua da sua casa, como você vai sair? Eu vivi isso. Eu fiquei uma semana sem poder ir para casa por causa de tiroteios, até que uma facção cortou a cabeça do chefe da outra facção e aí as coisas acalmaram."
O Ministério Público do Rio de Janeiro já estimou em entrevista à Sputnik Brasil que 2 milhões de pessoas vivem em áreas dominadas por grupos milicianos no Estado e que o faturamento estimado anual de todas as milícias cariocas é de R$ 1,5 bilhão ao ano.
Baixada Fluminense já teve prefeito e vereadores presos por associação ao crime
Para investigar um homicídio que aconteceu por uma disputa entre o Comando Vermelho (CV) e os Amigos dos Amigos (ADA) em 2016, as autoridades grampearam o principal líder da facção ADA em Japeri — e terminaram gravando conversas entre ele, o prefeito e um vereador da cidade.
As escutas de Breno da Silva de Souza, conhecido como BR, resultaram na prisão preventiva do prefeito Carlos Moraes (PP), do presidente da Câmara dos Deputados da cidade e do vereador mais votado, Wesley George de Oliveira, e do vereador Cláudio José da Silva, o Cacau, no final de julho deste ano.
Segundo relato da escuta feito pelo Ministério Público (MP), Breno ligou para o prefeito quando a polícia ameaçou acabar com uma festa que promovia. No grampo feito com autorização judicial, o prefeito chama Breno de "amigo", prontifica-se a resolver o "problema" e pede desculpas. Ainda de acordo com o MP, a perícia indicou que as gravações realmente são de Carlos Moraes e Cacau. Já Wesley George de Oliveira, conhecido como Miga, não foi gravado.
O prefeito Carlos Moraes também promete ao traficante que irá buscar o comandante do 24.º Batalhão da Polícia Militar (24.º BPM), junto com o vereador Miga, para "alinhar". "O pessoal dele é para proteger dos adversários políticos" e "eles estão juntos e que se precisar de alguma coisa é só falar com eles", afirma Moraes, segundo transcrição do MP.
"Na mesma oportunidade os denunciados articulam a aproximação entre Breno e um deputado estadual que estaria em busca de ‘apoio' em ano eleitoral", afirma o MP em sua denúncia, sem esclarecer quem seria este deputado estadual.
"Conclui-se com facilidade, portanto, que se, de um lado, os ora denunciados usam seus cargos públicos para atender aos interesses da organização criminosa, de outra banda eles se beneficiam politicamente na medida em que constroem um verdadeiro ‘curral eleitoral', absolutamente imune à ação de adversários políticos", diz o MP.
Existem indícios de ligação do prefeito Carlos Moraes a grupos de extermínio desde, pelo menos, a década de 1980. Na época, ele ainda era vereador em Nova Iguaçu.
Em 1989, um assessor de Moraes foi ouvido como suspeito de um caso que ficou conhecido como "Chacina de Japeri" — quando 3 pessoas da mesma família foram mortas em uma possível tentativa de roubar o prêmio da Loteria. O jornal O Globo de 2 de setembro de 1990 publicou que Moraes não visitou seu assessor, mas enviou um advogado.
Em 25 de setembro de 1993, Moraes afirmou ao jornal O Globo que existia um complô para matá-lo e que circulava pela Baixada com uma pistola.380 e uma submetralhadora 9mm. Disse estar "pronto para a guerra".
Já o jornal O Estado de São Paulo publicou em 17 de maio de 1992 que Moraes foi citado como mandante do assassinato do vereador Luiz Henrique Novaes.
A Spunik Brasil não conseguiu localizar o desfecho judicial destes casos.
Japeri é a 6° cidade mais violenta do Brasil. São 95,5 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência de 2018. Caso o município fosse um país, seria o segundo mais violento do mundo, atrás apenas de El Salvador (com uma taxa de homicídios de 109 casos para 100 mil habitantes).
Já o bairro de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, registrou uma taxa de 4,2 homicídios por 100 mil habitantes entre fevereiro e junho deste ano, conforme indica levantamento do Observatório da Intervenção com dados do Instituto de Segurança Pública.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que taxas superiores a 10 homicídios para 100 mil habitantes são de violência epidêmica.