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Narcosul, o cartel do PCC que cresce na Amazônia e pode ser o 1° transnacional do mundo

© AP Photo / Arnulfo FrancoPacote de cocaína
Pacote de cocaína - Sputnik Brasil
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Sem enfrentar resistências das autoridades, o Primeiro Comando da Capital (PCC) avança na Amazônia. Tida como o "pulmão" do mundo, a maior floresta tropical do planeta é hoje palco de uma guerra aberta e declarada pelo controle das rotas de cocaína e maconha que abastecem o Brasil e o exterior.

Principal facção criminosa do país, o PCC já detém as rotas mais lucrativas do tráfico de drogas, trazendo maconha do Paraguai e cocaína da Bolívia. Figuras importantes da organização inclusive operam nesses dois países, diminuindo cada vez mais a distância entre a produção e o transporte, aumentando as margens de lucro a cada entreposto.

A situação de disputa das rotas do tráfico na Amazônia – majoritariamente pelos rios Solimões e Japurá – leva autoridades brasileiras ouvidas pela Sputnik Brasil a temer que o futuro possa trazer algo que nem Pablo Escobar conseguiu produzir: um cartel de tráfico de drogas transnacional – informalmente já chamado de "Narcosul".

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"O PCC pretendia na verdade, e ainda pretende, o monopólio do tráfico de drogas dentro do Brasil", afirmou o procurador Márcio Sérgio Christino, do Ministério Público do Estado de São Paulo, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil. Presente desde o início das investigações acerca da facção criminosa, nascida em 1993 no interior paulista, ele vê o avanço do PCC no Norte do país como um passo natural.

"Cortando o fornecimento da droga que vem do Peru através de diversas formas, incluindo o envio de emissários ao Peru para conter esse fluxo de droga. Qual é o objetivo? Se você contiver esse fluxo, você vai asfixiar as outras facções e, inclusive, o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro. E uma vez que essas outras facções sendo enfraquecidas, vai abrir espaço para o PCC avançar e conseguir o domínio do tráfico dentro do território brasileiro", acrescentou.

Drogas, o vetor que financia o crime

O principal adversário para a consolidação do plano internacional e ousado do PCC atende por outras três letras: FDN, abreviação da Família do Norte, ainda presente como grupo majoritário na região Norte do Brasil, responsável por grande parte dos carregamentos de maconha peruana e cocaína colombiana que chegam a Manaus, para depois seguir para os portos de Belém e Fortaleza e ser embarcada para o exterior.

Segundo as autoridades, o PCC parece não ter pressa em tomar o controle da FDN na região. Contudo, a articulação já está em andamento e a primeira prova disso foi a rebelião que resultou na morte de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, em janeiro de 2017. A polícia concluiu que foi resultado da disputa entre FDN e PCC pelo controle da unidade.

"O que aconteceu? O Estado isolou determinados presos que ele dizia que era de uma facção e isolou os de outra [facção]. Só que esses presos tinham contato uns com os outros e no dia a dia era um xingando o outro. Mais de seis meses um ameaçando o outro. Quando um grupo conseguiu sair, fez uma chacina. Foi simplesmente o que aconteceu", relembrou o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). 

Contrário à supervalorização dada às facções criminosas no Brasil, o magistrado atuou na linha de frente de negociações com os amotinados do Compaj e acredita que é de se esperar que o tráfico de drogas, diante da ausência do Estado, acabe buscando a violência como forma de legitimação – o que desemboca em confrontos, dentro e fora das prisões.

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Na capital do Amazonas, Manaus, foram registrados 530 homicídios no primeiro semestre deste ano, grande parte deles com características de execução. A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) divulgou que houve uma redução de 11,2% em relação ao mesmo período do ano passado, mas não considerou o massacre do Compaj nesse dado.

A reportagem da Sputnik Brasil esteve em Manaus tentou ouvir o secretário de Segurança do Amazonas, Anézio Paiva, mas não obteve retorno da assessoria de imprensa da pasta. De acordo com o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) e a Polícia Civil, a briga pelo tráfico de drogas é a principal causa de tantos assassinatos em Manaus.

"O tráfico de drogas é hoje o vetor de todos os crimes que acontecem na cidade [de Manaus]. Você pode ter certeza que a moeda de troca, a riqueza das facções criminosas, elas vêm do tráfico de drogas. Nós estamos aqui em uma posição estratégica, onde temos acesso à fronteira do Peru e à fronteira da Colômbia, com as rotas fluviais da maconha skunk e da cocaína, da pasta base de cocaína com alto grau de pureza", contou o delegado do Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc), Paulo Mavignier.

Piratas do PCC

Longe da cadeia e em meio à amplitude geográfica da Amazônia, o PCC é apontado como um dos financiadores da pirataria no rio Solimões. Um dos alicerces para isso é a associação da organização criminosa paulista com a Família de Coari (FDC), grupo local que recruta piratas na cidade que fica a 363 km da capital amazonense e é conhecida como a "Capital dos Piratas".

A Sputnik Brasil esteve em Coari e apurou que a aproximação entre o PCC e a FDC é recente. Até 2017, os "ratos d’água" – nome que a população dá aos piratas, que são mais odiados até mesmo do que os próprios traficantes – costumavam atacar qualquer carga de entorpecentes que passasse pela "zona de guerrilha", como se define um trecho do Médio Solimões entre os municípios de Tefé e Codajás e que tem Coari como ponto central.

© SputnikRotas do tráfico na Amazônia
Rotas do tráfico na Amazônia - Sputnik Brasil
Rotas do tráfico na Amazônia

O principal braço do PCC em Coari seria Gerlan Souza Ferreira, um líder conhecido das autoridades locais e que está foragido. Sobrevivente de pelo menos dois atentados, ele não seria o único elo da principal facção criminosa brasileira com os piratas do Solimões. Raimundo Araújo de Souza, o "Nego do Catara", e José Gerson Mota da Silva, o "Mata Porco", hoje estão presos em Manaus – foram transferidos de Coari após uma rebelião.

"Do PCC temos inclusive relatos de mortes dentro do presídio, que foram possivelmente uma espécie de batismo da facção aqui, na entrada de criminosos daqui no presídio de Coari. Então como eles não são benquistos da FDN, porque são piratas de rio, e grande parte da droga que passa é dessa facção, eles se aliaram ao PCC", afirmou Pedro Moreira, comandante do 5° batalhão da Polícia Militar em Coari.

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A estratégia do PCC de financiar a pirataria no centro da rota do narcotráfico dominada pela FDN parece estar surtindo resultado. Em troca de proteção nas cadeias, os piratas causam sérios prejuízos à FDN e ao CV – principal facção criminosa do Rio de Janeiro e que rompeu com o PCC em 2016, após a morte do traficante paraguaio Jorge Rafaat. A rota do Solimões abastece, dentre outros mercados, o do Rio dominado pelo CV.

Contudo, o efeito colateral é o aumento da violência também no Médio Solimões. É comum que os confrontos entre piratas e traficantes que descem o rio em direção à Manaus tenham armas de grosso calibre como protagonistas, e muitas vezes terminem com esquartejamentos e decapitações na Floresta Amazônica.

A reação da FDN não tardou. As autoridades ouvidas pela Sputnik Brasil confirmaram que dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) estão participando do transporte das drogas vindas principalmente da Colômbia. Munidos de treinamento militar e armamento pesado, eles têm a responsabilidade de garantir a chegada da droga na capital do Amazonas.

"Temos a efetiva notícia de que parte dessas pessoas que saíram das FARC atuam na proteção das embarcações que descem com drogas […]. Tivemos o ingresso de armamento pesado no Brasil, com a venda inclusive, negociações de armamento pesado com preços muito baixos, popularizando a utilização ainda mais desse tipo de armamento de grosso calibre no âmbito da região Norte", ressaltou o promotor do MP-AM em Coari, Weslei Machado.

© Sputnik / Thiago de AraújoCoari, a 363 km de Manaus, é conhecida como a "Capital do Piratas" no rio Solimões
Coari, a 363 km de Manaus, é conhecida como a Capital do Piratas no rio Solimões - Sputnik Brasil
Coari, a 363 km de Manaus, é conhecida como a "Capital do Piratas" no rio Solimões

Reféns do crime organizado

Em outra frente, o PCC segue a sua trajetória de fincar as suas estruturas fora do Brasil. Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, é apontado como o principal elo da facção criminosa com os traficantes bolivianos e, de acordo com o MP-SP, estaria hoje foragido e escondido no país sul-americano.

A cocaína produzida na Bolívia entra no Brasil pelo Paraguai – deste país o PCC traz a maconha –, e o transporte rodoviário é o principal caminho até os principais portos no Sul e Sudeste do país.

A morte de Rafaat, em 2016, foi necessária para o PCC não só para sobrepor um "entrave" na rota pelo Paraguai, mas também para conter os negócios que o traficante paraguaio fazia com o CV. Foi o que motivou o rompimento entre as duas principais organizações criminosas do país, e foi o que fez o grupo do Rio buscar a FDN e uma nova rota, trazendo cocaína peruana e maconha da Colômbia.

A entrada na Amazônia é algo que sempre esteve no radar do PCC, de acordo com as autoridades ouvidas pela Sputnik Brasil. Comuns até mesmo em São Paulo na década de 1990, as disputas por pontos de comércio de drogas ao longo das rotas do tráfico que resultam em muitos homicídios – tanto em Manaus como em outros estados do Norte e Nordeste, como Belém (Pará) e Fortaleza (Ceará) – integram o processo.

Para o procurador Márcio Sérgio Christino, o PCC não tem pressa para se tornar o dono das rotas do tráfico na Amazônia. Com maior organização, expertise, recursos e "soldados", a facção criminosa que tem no topo o traficante Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola (que está preso), tende a absorver ou se aliar às demais facções nos próximos anos.

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Além disso, o MP-SP já tem informações de que o PCC vem tentando estreitar suas relações com traficantes no Peru e Colômbia, contrapondo uma relação mais antiga que a FDN possui com carteis de produtores de drogas desses dois países vizinhos. O estrangulamento e absorção das operações na Amazônia é o passo seguinte, e já está em andamento. A complexidade causa temor do que está por vir, caso o Brasil não reaja.

"Temos a frente um desafio que é novo. Até esse momento nós não tínhamos uma organização que tinha chegado ao nível de um cartel, isso aconteceu recentemente. Então eu vejo a necessidade de ser reformulada a área de atuação, a área de enfrentamento desse cartel em uma escala nacional. Só um estado, só uma instituição sozinha não tem condições de enfrentar um cartel dessa proporção, dada a multiplicidade de ações que uma organização dessas é capaz de fazer e das necessidades de uma investigação desse tipo. Então nós temos uma necessidade sim de termos uma reorganização para enfrentar uma ameaça desse tipo que pode trazer consequências de uma magnitude indefinida para o Brasil", avaliou Christino.

Os objetivos do PCC ao monopolizar o tráfico de drogas no Brasil e avançar pela América do Sul seria a consolidação do Narcosul. Algo que nem mesmo o mais notório traficante sul-americano, o colombiano Pablo Escobar, teve o interesse ou audácia de tentar. A violência rumo ao futuro, porém, está mais próxima ao que se vê em 2018 no México do que aquela que se via na Colômbia no século passado.

"A organização, se você não a combater, ela vai crescer, vai começar a se capitalizar de uma maneira tão grande que você não terá como se opor a ela. Nós vamos chegar em uma situação [na qual] você tem uma influência tão grande da vida criminosa na pessoa, que a sociedade se torna refém do crime organizado. Então nós temos que pensar se nós vamos aplicar os recursos e assumir a responsabilidade de combater seriamente essa organização, sob pena de depois nós não termos uma sociedade servil ou uma administração que não é capaz de enfrentar um desafio desse tipo. O momento de fazer essa escolha é agora", concluiu o procurador do MP-SP.

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