Durante cerca de uma hora, Bolton e Bolsonaro discutiram as relações diplomáticas entre os dois países e debateram pontos-chave da política externa norte-americana de Donald Trump, como a pressão à Venezuela e à Cuba, a mudança dos EUA para uma postura mais combativa com a China e a possível transferência da embaixada brasileira a Jerusalém.
"Antes de tomar posse, receber um assessor importante do presidente [dos EUA] é algo inédito. [Receber Bolton] é uma escolha clara, um alinhamento estratégico, o símbolo do que Bolsonaro prometeu na campanha. Trata-se de um rompimento com a política externa dos governos Lula e Dilma, no aspecto da Cooperação Sul-Sul, mais diversificada, altiva, o alinhamento com os BRICS, Unasul, etc. Agora há uma proposta de se voltar para o Norte, o que naturalmente, inclui os Estados Unidos e a Europa Ocidental", avalia o acadêmico.
A opinião é ecoada pelo professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Casarões. Especialista em política externa brasileira, Casarões pontua que a opção pelo alinhamento com os EUA tem também fortes raízes ideológicas e políticas.
"Foi um desejo manifestado pelo então candidato e agora presidente eleito Jair Bolsonaro desde o princípio, tanto em termos de relacionamento econômico quanto no de reproduzir o que o presidente Trump vem fazendo na política externa. É uma visão de mundo do que poderíamos chamar de 'anti-globalismo', um entendimento de que o Ocidente que está sendo corrompido por aquilo que se chama de 'marxismo cultural', colocando os Estados Unidos como crucial para que possamos nos resgatar", pensa o professor.
Interesses distintos
"Nós vivemos um clima de estabilidade e pacifismo que é regra na América do Sul. Nossa última conflagração militar foi a Guerra do Paraguai, há 150 anos. O Brasil tem papel primordial nisso, como é natural devido ao nosso tamanho, população, poder econômico. É nossa responsabilidade atuar quando há problemas com nossos vizinhos no sentido de promover a pacificação", afirma.
Casarões acrescenta, dizendo que os contextos regionais e históricos são diferentes entre Brasília e Washington e mimetizar a política externa de Trump pode ser um jogo delicado para o Brasil.
"O Brasil compartilha fronteiras e está sofrendo os impactos da crise de refugiados venezuelanos. Nós também temos um histórico de integração regional que vem se desenvolvendo nos últimos 30 anos e no qual a Venezuela sempre foi um elemento muito importante. Essa postura de hostilização aberta à Venezuela, pessoalmente não acho que seja o melhor caminho. Com isso não quero dizer de forma alguma que devamos ser coniventes com as barbaridades perpretadas pelo governo de Maduro, mas ao assumir a possibilidade de apoiar os EUA em uma intervenção militar como aventou o filho do presidente eleito recentemente, isso nos colocaria em uma posição desconfortável porque não temos vocação de projeção militar na região", alerta.
Críticas a continência
Além dos tópicos debatidos por Bolsonaro e Bolton, o simbolismo de um pequeno gesto chamou a atenção da imprensa durante o encontro. Ao receber o conselheiro, o presidente eleito bateu continência ao americano, simbolismo visto como inapropriado por analistas que se debruçaram sobre a questão. Paulo destacou o caráter "a priori, condenável" do capitão.
"A diplomacia é feita de símbolos e o Bolsonaro recebeu ele [Bolton] em casa, o que dá uma ideia de proximidade muito grande. Parece ser uma coisa para além de uma relação comum entre Estados. Acho que pode ser um símbolo bastante preocupante, pode dar uma linha do que vai ser a nossa política externa do Bolsonaro", concluiu o professor.