- Sputnik Brasil
Notícias do Brasil
Notícias sobre política, economia e sociedade do Brasil. Entrevistas e análises de especialistas sobre assuntos que importam ao país.

Gestão x dessalinização: qual é o futuro do fornecimento de água no Brasil?

© Agência Senado / Pedro FrançaDesperdício de água.
Desperdício de água. - Sputnik Brasil
Nos siga no
Apontada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma saída para o abastecimento de água, a dessalinização foi um dos temas debatidos nesta semana em Salvador, palco do 3º Seminário da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reutilização da Água (Aladyr). Mas seria este o futuro? A Sputnik Brasil ouviu um especialista sobre o assunto.

Recentes crises hídricas em grandes centros brasileiros nos últimos anos acenderam a luz amarela de alerta aos governantes e à sociedade. No centro das preocupações está o fornecimento de água e alternativas, tanto para áreas mais áridas do país quanto para as principais regiões metropolitanas do Brasil.

Dados da Aladyr apontam que o Brasil tem uma média de desperdício de 38% de água, um índice menor do que o de toda América Latina, que beira os 50%. Ainda assim, tal percentual é considerado preocupante por especialistas, que debateram quais seriam os melhores caminhos para o curto, médio e longo prazo.

Presente ao evento na capital baiana, o presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Adilson Pinheiro, avalia que que o tema é "muito importante para o Brasil, sobretudo por conta das crises hídricas que tivemos nos últimos anos". Mas nem só aspectos negativos trouxeram tais agravamentos.

"Digamos que algumas dessas crises hídricas permitiram um grande aprendizado técnico também para os gestores de recursos hídricos. Nós temos situações para as quais estão sendo buscadas soluções, mas também temos outras que demandam ações de planejamento para modificar o quadro geral que existe", disse Pinheiro em entrevista à Sputnik Brasil.

Plantação de soja - Sputnik Brasil
Notícias do Brasil
'É inadmissível': 1 a cada 4 cidades brasileiras tem água contaminada por agrotóxicos

Na avaliação do especialista, tais aprendizados, quer seja em bacias nacionais ou estaduais, podem ser replicados em outras regiões do país. E tudo passa por uma palavra bastante comum nessas discussões: gestão. Para Pinheiro, ela é hoje a chave-mestra na condução de políticas públicas envolvendo recursos hídricos. Para o bem e para o mal.

"A gente tem a política nacional de recursos hídricos que já está fazendo 22 anos que foi promulgada e temos ainda muitos aspectos da gestão de recursos hídricos que precisam ser implementados. O que se observa de forma geral é que nas bacias que são geridas pela Agência Nacional de Águas, o problema está sendo melhor resolvido, enquanto nas bacias estaduais essa solução está bastante precária e bastante deficiente em vários locais", pontuou.

"Ou seja, a questão da gestão de água em vários locais é um problema ainda nosso. Temos muito o que aprimorar. Nós temos instrumentos quer permitem fazer um bom uso da água e eles não são implementados em todas as bacias. Entre esses instrumentos um deles diz respeito à outorga pelo uso da água, ou seja, a distribuição da água entre os usuários, isso ainda tem gerado alguns conflitos em algumas regiões. Com um processo de gestão mais aprimorado, nós conseguiríamos fazer uma alocação de forma a melhorar o atendimento aos diferentes usuários nessas condições mais críticas que tem aparecido em grades bacias, sobretudo próximo a regiões metropolitanas, no Distrito Federal e São Paulo mais recentemente", acrescentou.

Só gestão não basta

Durante as discussões em Salvador, foi reforçado um dado expressivo para corroborar a ideia de que a gestão de recursos é peça central no tema: a garantia de água no Brasil hoje demandaria investimentos de R$ 22 bilhões pelos próximos 15 anos. Qualquer número abaixo disso, ao que tudo indica, significa dependem dos céus – e das chuvas advindas dele.

Assim, conforme explicou o presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, uma gestão correta não passa somente pela presença dos recursos considerados necessários, mas também a sua aplicação na íntegra, com o devido planejamento e implementação. É o que se prevê no Plano Nacional de Segurança Hídrica, porém há muito a ser otimizado.

Além de gestão, outro gargalo apontado pelo analista ouvido pela Sputnik Brasil envolve o combate ao desperdício de água. E não é só.

Visita a uma sonda de perfuração de dessalinização (imagem referencial) - Sputnik Brasil
Dessalinização, o mal dos oceanos: produção de água doce está nos enchendo de zonas mortas

"O desperdício de água potável é um dos grandes problemas e está associado ao fato de que a infraestrutura é antiga, que não tido reposição de instalações, e que faz com que as perdas físicas sejam bastante significativas. Outra questão são os desvios de água não medidas no sistema, e seria preciso a colocação de hidrômetros para o controle desses desvios irregulares. Estes seriam os dois grandes gargalos hoje", comentou.

Pinheiro ressaltou que, embora o desperdício de água no Brasil seja o menor da América do Sul, isso não deve ser considerado positivo, uma vez que, segundo ele, há municípios do país com desperdícios acima de 50%, algo que ele considera "inaceitável". Aqui a tecnologia não pode ser menosprezada. Muito pelo contrário.

"Melhorar a gestão dos sistemas de abastecimento é um primeiro ponto a ser abordado em todas as companhias de abastecimento do Brasil. Isto envolve um pouco de tecnologia, mas também envolve uma boa gestão e manutenção dos equipamentos e estruturas utilizadas no abastecimento de água. Uma vez que não se consiga mais produzir água em alguns lugares específicos, é possível que tenhamos em alguns lugares de demanda muito alta e uma produção muito baixa, e nestes casos a dessalinização poderia ser uma alternativa", disse.

Dessalinização no Brasil é o futuro?

Mencionada pelo especialista e alvo de debates no evento na capital baiana, a dessalinização da água já possui projetos de pequena escala em andamento no Nordeste brasileiro. Entretanto, diante das mais recentes crises hídricas vividas no país, sobretudo no Centro-sul do país, o uso da água do mar como alternativa ganhou força.

Israel é um dos países com expertise na dessalinização de água no mundo, e este foi um dos argumentos usados pelo então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, para defender uma maior aproximação com o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Contudo, as realidades dos dois países são distintas e, para o especialista ouvido pela Sputnik Brasil, o método não deve ser considerado viável em larga escala.

"A questão da dessalinização pode ajudar, mas não é o ponto prioritário. A nossa prioridade é melhorar os processos de uso da água, nós temos ainda uma taxa de desperdício muito grande, nossas tecnologias podem ser aprimoradas. Por exemplo, no setor agropecuário nós podemos ter melhorias no processo de irrigação, nós podemos ter nas cidades o reuso das águas que desperdiçamos muito. A água, a partir do momento em que é utilizada com uma determinada ação, ela gera esgoto e não colocamos depois dentro do processo produtivo. Essas melhorias podem ser usadas para aprimorar a valorização no fornecimento de água nos últimos tempos nas regiões metropolitanas", declarou Pinheiro.

Água da torneira - Sputnik Brasil
Especialistas: parceria com Israel para dessalinização de água no Brasil não é má ideia

O presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos revelou ainda que um projeto de dessalinização para Fortaleza foi apresentado em Salvador, com um custo estimado em R$ 480 milhões – um valor bastante expressivo. Por isso, uma situação presente de falta de recursos e/ou uma gestão aquém do necessário não deve popularizar o processo por aqui.

"O custo estimado para a produção do metro cúbico, das instalações e equipamentos, do projeto completo para levar água para o sistema de abastecimento está na ordem de R$ 480 milhões, um valor expressivo para um volume relativamente pequeno. Mas para o caso do Ceará quem sabe a dessalinização possa ser uma alternativa para o curto e o médio prazo. Mas para as demais cidades é preciso melhorar a alocação de recursos", ponderou.

Pensando de maneira otimista, Pinheiro opinou que "esse processo de alocação negociada da água vai evoluir e essa evolução vai permitir que utilizemos melhor esses recursos escassos que estarão disponíveis".

"Acredito fortemente que utilizaremos a ciência, a tecnologia, o conhecimento e as experiências passadas para minimizar os danos nos eventos futuros", concluiu.

Feed de notícias
0
Para participar da discussão
inicie sessão ou cadastre-se
loader
Bate-papos
Заголовок открываемого материала