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Pacto trilateral da OTAN marca ruptura de onde começa a Europa e onde começa a Rússia, diz analista

© AP Photo / Johanna GeronBandeiras da Finlândia (à esquerda), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, no centro) e da Suécia durante cerimônia de comemoração de inscrição à adesão à aliança militar em Bruxelas, Bélgica, 18 de maio de 2022
Bandeiras da Finlândia (à esquerda), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, no centro) e da Suécia durante cerimônia de comemoração de inscrição à adesão à aliança militar em Bruxelas, Bélgica, 18 de maio de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 30.06.2022
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Ao assegurar dois novos membros próximos à fronteira com a Rússia, o espaço de segurança europeu que a OTAN representa marca uma ruptura "de onde começa a Europa e onde começa a Rússia como sendo duas coisas diferentes efetivamente", afirma especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
Finlândia, Suécia e Turquia assinaram na última terça-feira (28) um acordo trilateral no qual o governo turco se compromete a não vetar a adesão dos outros dois países à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O acordo formal para adesão dos dois países à aliança militar foi feito na última quarta-feira (29).
O pacto foi considerado uma vitória para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tanto no que diz respeito à política externa quanto ao cenário interno turco. Ciente de que qualquer decisão tomada pela OTAN deve ser por unanimidade, Erdogan usou a posição turca como membro da organização como moeda de troca para obter de Finlândia e Suécia duas reivindicações que há anos vinha fazendo: a suspensão do embargo à compra de armas por parte da Turquia e o compromisso de que os dois países passarão a classificar o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla em curdo) e suas ramificações, como a milícia curda YPG (sigla em curdo para Unidades de Proteção Popular), como organizações terroristas.
A princípio, pode parecer que o pacto consolida o fim da histórica neutralidade da Finlândia e da Suécia. Porém, em entrevista à Sputnik Brasil, Danilo Bragança, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Externa Brasileira (LEPEB) da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que não é bem assim.
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Bragança destaca que a ideia de que Suécia e Finlândia são países neutros é algo recente, que não condiz com o histórico dos dois países.
"A Finlândia sempre teve um papel beligerante muito importante ali na relação com a Rússia. E a Suécia sempre foi uma potência beligerante, inclusive durante os anos da Santa Aliança, da reorganização do sistema europeu de Estados durante os séculos XVIII e XIX. Ao fim das Guerras Napoleônicas, a Suécia teve um papel muito importante na manutenção do absolutismo. Tanto é que a gente ainda fala do país como uma monarquia", diz Bragança.
Segundo o especialista, a neutralidade dos dois países se consolidou após a Segunda Guerra Mundial.
"Depois das décadas de 40 e 50, por conta das duas guerras, Suécia e Finlândia optaram por caminhos diferentes. Até porque a política do Estado de bem-estar social nesses dois países sempre foi muito forte. Isso deu a sensação de que eram países pacíficos", diz Bragança.
Além de não serem países historicamente pacíficos, como se pensava, Suécia e Finlândia também não são neutros do ponto de vista político. Segundo Bragança, ambos os países são associados "ao elemento central europeu, com muita influência da Alemanha, do Reino Unido, mas também da França, em menor escala. Há a indicação de que Suécia e Finlândia fazem parte da Europa, portanto poderiam estar enquadradas na ideia de que poderiam também integrar a OTAN".
Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN (no centro), fala em coletiva de imprensa com Pekka Haavisto (à esquerda) e Ann Linde (à direita), ministros das Relações Exteriores da Suécia e da Finlândia, respetivamente, na sede do bloco militar em Bruxelas, Bélgica, 24 de janeiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 08.05.2022
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Mas se os dois países sempre foram associados a esse elemento central europeu, por que somente agora decidiram ingressar na OTAN? Para o professor, primeiro por conta do histórico de conflito entre a Finlândia e a União Soviética. Segundo porque a expansão da OTAN sempre foi um objetivo de Washington, uma vez que a organização é seu braço armado e estratégico na Europa desde o fim da Guerra Fria. Ao assegurar dois novos membros próximos à fronteira com a Rússia, esse espaço de segurança europeu que a OTAN representa marca uma ruptura "de onde começa a Europa e onde começa a Rússia como sendo duas coisas diferentes efetivamente".
Bragança afirma que o pacto trilateral não deve causar mudanças na operação militar especial da Rússia na Ucrânia, uma vez que os objetivos militares, de assegurar a região de Donbass, já estavam bem traçados. Mas ele destaca que haverá impactos políticos nas relações bilaterais de Moscou com os dois países.
"Vladimir Putin já tinha avisado anteriormente que a associação da Finlândia e da Suécia à OTAN não era algo desejado por ele", diz Bragança.
Por fim, o especialista analisa os impactos que o pacto trilateral pode ter na guerra da Síria, que não apenas segue em andamento como já causou a morte de mais de 300 mil civis, segundo um relatório da ONU divulgado recentemente. No conflito, soldados da YPG foram aliados dos EUA, mas essa aliança sempre foi rechaçada pela Turquia. Ainda não se pode dizer como o acordo vai afetar o conflito, mas a assinatura do pacto evidencia como a Turquia tem um maior poder de barganha sobre os curdos.
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"A OTAN é uma colcha de retalhos, formada por países de diversos matizes políticos, com democracias avançadas e países na beira da autocracia. Por isso, ela acaba trazendo consigo problemas que talvez pudessem ficar externos à aliança militar. O Curdistão é fornecedor de recursos minerais, petróleo e outros hidrocarbonetos para o Ocidente e tem uma relação amistosa com alguns países ocidentais. Mas por conta da relação com a Turquia, que é um parceiro estratégico dos EUA na região, Erdogan consegue barganhar melhor com o Ocidente."
Ele destaca que o pacto é mais um passo turco para minimizar a causa curda no Ocidente. Já em relação ao conflito sírio, classificado por Bragança de "um enorme vespeiro", é possível que tenha sido um ponto inicial do que se vê agora na Ucrânia.
"O que é pouco explorado, que talvez tenha alguma relação, mas aí é hipotético, é que esse primeiro enfrentamento na Síria não direto entre EUA e Rússia pode ter precipitado Putin a tomar uma decisão de abrir campanha na Ucrânia. Geograficamente, Ucrânia e Síria representam dois espaços muito próximos à Rússia", finaliza Bragança.
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