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Adeus aos sacoleiros: o Brasil virou o Paraguai dos paraguaios?

© Folhapress / Christian RizziSacoleiros atravessam a Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai, em 12 de maio de 2004
Sacoleiros atravessam a Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai, em 12 de maio de 2004 - Sputnik Brasil, 1920, 17.08.2022
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A desvalorização de 8,5% do real ante o guarani em um ano fez paraguaios atravessarem a fronteira para fazer compras no Brasil, em um fluxo inverso ao que era de costume há alguns anos. Com foco em gasolina e alimentos, paraguaios já se tornaram clientes em Foz do Iguaçu.
A Sputnik Brasil conversou com um especialista para entender o impacto desse movimento entre as cidades.
Esqueça da foto acima. O registro, feito em 2004, ficou para trás. Agora, com a desvalorização do real, quem cruza a fronteira em busca de preços melhores são os paraguaios.
Isso se deve à estabilidade do guarani em relação ao dólar, segundo explica o economista Wagner Enis, diretor-presidente do Centro Empresarial Brasil–Paraguai (Braspar), localizado no país vizinho.

"Consequentemente, [houve] a valorização do guarani em relação ao real nos últimos dois anos. No Paraguai há uma inflação anual de 11%, então produtos alimentícios e diversos tipos de itens também aumentaram bastante por causa do aumento do combustível, principalmente do óleo diesel. O diesel é mais caro aqui do que no Brasil", apontou.

Ele acrescenta que o fenômeno dos sacoleiros acabou em meados de 2009. Isso porque esse tipo de comerciante migrou para polos econômicos paulistanos, como a rua 25 de Março, um verdadeiro shopping a céu aberto, ou o Brás, bairro tradicional de venda de roupas.
© Folhapress / Paulo GueretaEm São Paulo, consumidores movimentam o comércio popular na rua 25 de Março, em 21 de dezembro de 2021
Em São Paulo, consumidores movimentam o comércio popular na rua 25 de Março, em 21 de dezembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 17.08.2022
Em São Paulo, consumidores movimentam o comércio popular na rua 25 de Março, em 21 de dezembro de 2021

"Já naquela época, os sacoleiros haviam se deslocado daqui para a 25 de Março e para o Brás exatamente porque lá eles não têm problemas com Receita Federal, com polícia. Os mezeteiros [sacoleiros] do Paraguai, ao menos até antes da pandemia, iam até o Brás comprar essas camisas polo [de marcas falsificadas] para trazer para revender para brasileiros que vinham aqui", pontuou o economista.

Segundo ele, o que se viu nos últimos anos foi uma modificação do perfil do turista consumidor, uma vez que itens mais caros — como perfumes e smartphones — ainda são mais vantajosos de se comprar no Paraguai do que no Brasil.

"Houve, nos últimos anos, uma reconversão no Paraguai do turista sacoleiro para o turista que vem até Foz do Iguaçu fazer turismo e levar [esses itens mais caros da fronteira] para si. Ainda existem alguns sacoleiros de determinados produtos, por exemplo, de perfumaria, de bebidas ou de celulares, mas esses sacoleiros são bastante pontuais. Já não se levam confecções há muitos anos do Paraguai para o Brasil, isso acabou há mais de dez anos", continuou o diretor-presidente do Braspar.

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Impactos na economia da fronteira

O hábito paraguaio de se cruzar a fronteira para se comprar itens por um preço mais barato não é de hoje, disse Enis. Os preços de produtos de limpeza e de higiene, por exemplo, sempre foram mais altos no Paraguai quando comparados com os brasileiros.
Segundo ele, isso se explica pela indústria interna fortalecida: são 21 fábricas locais de produtos de limpeza e de higiene, que cobram uma margem de lucro bastante alta. "Eles são incapazes de dar um desconto que há no Brasil para grandes fabricantes", apontou.
Embora ele não considere mais vantajoso abastecer no Brasil, ele aponta motivos pelos quais os paraguaios vêm cruzando a fronteira para comprar gasolina.

"O que leva os paraguaios a abastecer no Brasil é que eles desconhecem que no Brasil nós só temos um tipo de combustível na maioria dos postos. Há no Brasil a gasolina comum, de 88, 89 octanagens, até a aditivada, e no Paraguai você tem a comum, de 88, também até a de 97. No Brasil você só tem a Petrobras, que é de 92, e a de 97. Comparando o preço desses dois tipos de gasolina entre Brasil e Paraguai, é uma vantagem de mais de R$ 1 aqui no Paraguai em relação ao Brasil. Como no Brasil usam termos como 'supra' ou 'grand prix', com octanagem diferente daqui, eles acham que é a mesma gasolina, mas não é", indicou.

O que vem ocorrendo, de acordo com ele, é uma transformação em uma das cidades fronteiriças: Ciudad del Este, que caminha para uma forte industrialização.

"Há a migração de indústrias brasileiras para o Paraguai. Estou assessorando cinco empresas, não só do Brasil mas de outros dois países, para se instalarem no Paraguai, mais especificamente na região metropolitana de Ciudad del Este. São empresas que geram 200, 300 empregos diretos [cada uma]. Hoje, na área metropolitana de Ciudad del Este, temos quase 20 mil pessoas empregadas em indústrias nos últimos dez, 15 anos, principalmente para exportar para o Brasil", observou o economista.

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No lado paraguaio, prosseguiu, houve uma migração de boa parte dos que trabalhavam em fazendas, principalmente em Foz do Iguaçu, para as indústrias.
O comércio mais importante em Ciudad del Este atualmente é o do agronegócio: são agricultores, suas famílias de brasileiros, que imigraram para o Paraguai e que vão para Ciudad del Este comprar desde aparatos agrícolas até agroquímicos em shoppings.

"Hoje, em Ciudad del Este, a maior parte do comércio está em grandes shoppings. As lojas pequenas, que eram exploradas por sacoleiros, fecharam", prosseguiu.

Há, no entanto, os "sacoleiros paraguaios", isto é, quem vem ao Brasil para levar ao Paraguai frutas, verduras e tecidos, o que movimenta o comércio de Foz do Iguaçu.

"Existe uma região chamada Vila Portes, que é logo depois passando a ponte no lado brasileiro, onde se compram tecidos, aviamentos e uma série de outros produtos no atacado para trazer ao Paraguai", contou Enis. "Há muito tempo existe um impacto forte na fronteira com relação ao [cidadão do] Paraguai fazer compra no Brasil. Na verdade o paraguaio atravessa mais para colocar combustível na Argentina do que no Brasil. Mas, na volta, ele faz as compras dele de artigos mais acessíveis no Brasil. O impacto é positivo no comércio. Hoje Foz do Iguaçu, segundo conversas com empresários, está com falta de mão de obra. A economia se recuperou bastante, o comércio está bastante forte, então nós chegamos a um ponto onde tem muitas empresas do setor de serviços com o problema de encontrar empregados em Foz do Iguaçu."

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Todas essas mudanças geoeconômicas, inclusive o fim do ciclo dos sacoleiros, são bem vistas por ele em relação à região.

"O impacto na fronteira em relação a essas mudanças foi muito positivo porque tem feito com que Ciudad del Este melhore sua imagem, organize melhor seus espaços, fazendo com que se torne mais agradável para o visitante, que, por sua vez, acaba conhecendo outros lugares que sempre foram muito bonitos ali. Visitantes têm descoberto grandes shoppings, lugares para passear, restaurantes. A estadia de turistas em Foz do Iguaçu tem aumentado também por isso", concluiu.

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