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Especialistas consideram 'pegadinha' e 'retrocesso' projeto para extinguir diploma de 106 profissões

© Folhapress / Cadu Rolim/FotoarenaVista do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis
Vista do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis - Sputnik Brasil, 1920, 09.02.2023
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No apagar das luzes de seu mandato na Câmara dos Deputados, o então parlamentar Tiago Mitraud (Novo-MG) levou uma demanda inusitada na forma de projeto de lei (PL) para tramitar: a extinção da exigência de diploma para 106 profissões no Brasil. O podcast Jabuticaba Sem Caroço ouviu dois especialistas que discordam do texto apresentado.
O PL 3081/2022 pretende desregulamentar a exigência de formação acadêmica para mais de uma centena de atividades, entre elas as de engenheiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, geólogos e museólogos.

"Ao impor inúmeras barreiras de entrada, o exercício profissional fica limitado a condições que, muitas vezes, não refletem critérios que, de fato, tornam a prática mais segura. O que ocorre é que grupos de interesse almejam uma fatia do mercado para seu exclusivo usufruto", diz a justificativa do projeto.

Neste episódio do podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, Bárbara Pereira e Francini Augusto entrevistaram dois analistas.
Eles explicam que a questão proposta não é bem assim como está descrita.
Jabuticaba Sem Caroço #212 - Sputnik Brasil, 1920, 08.02.2023
Jabuticaba Sem Caroço
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Jeferson Navolar, coordenador da Comissão de Relações Institucionais do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), comentou a proposta legislativa que almeja desregulamentar profissões que, supostamente, não oferecem "risco à segurança".

"Os dois últimos mandatos no Congresso [do período compreendido entre 2014 e 2022] têm essa tendência super liberal. No caso do ensino, a palavra mais forte que tem sido usada é desregulamentação. Em tese, substitui-se o ensino superior por uma especialização ou por uma certificação. Mas há uma pegadinha proposital no sentido de facilitar essa movimentação: em vez de você formar arquiteto e urbanista em um curso regulamentado de cinco anos, você dá um certificado a um leigo que faça um curso de três meses sobre arquitetura mineira, por exemplo. Então você não forma arquiteto, você 'forma' um interessado em arquitetura. Essa foi a pegadinha, essa foi a alternativa que se encontrou no sentido de facilitar e diminuir o custo da formação e colocar esses 'profissionais' no mercado. É uma falácia. Como conselho, temos tentado convencer a sociedade de que uma coisa não substitui a outra", argumenta.

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O especialista lembra que a arquitetura como cidadania e responsabilidade social não pode ser deixada de lado.
"Sobretudo diante dos acontecimentos de 8 de janeiro, [quando] ficaram muito claras a importância e a simbologia da arquitetura na formação do Estado. [Ou seja,] a profissão do arquiteto está colocada com muito mais profundidade", prossegue.
Ele acrescenta que o ex-deputado federal Tiago Mitraud, além de ser filiado a um partido com tendências neoliberais, foi membro da Fundação Estudar, que atua desde 1991 na formação de jovens tidos como "promissores".
A organização é do bilionário Jorge Paulo Lemann, que recentemente está no noticiário brasileiro devido à crise em uma das empresas das quais é sócio, as Lojas Americanas, engolfada por um escândalo contábil e dívida de R$ 47 bilhões.

"O ex-deputado foi membro ativo, ou ainda é, da Fundação Estudar. Então isso é bem dirigido", aponta.

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'Algo muito grave', diz analista

Fernando Poziomczyk, sócio da Wide, empresa de recrutamento e seleção, não discorda do grau de polêmica que envolve esse tema.
Ele lembra que a questão da formação não necessariamente tem vínculo direto com o sucesso, com o êxito na profissão.
Por outro lado, reflete, as formações têm um papel que determinam uma linha de corte pela formação.
"Quer dizer, a pessoa que passa pelo processo de formação, independentemente da área que ela segue, tem uma série de barreiras mínimas que ela vai atingir para alcançar uma coeficiência para atuar dentro do mercado", aponta.
Na percepção de Poziomczyk, conseguir o diploma tem relação também com a qualificação e a segurança para desempenhar determinadas tarefas.

"Quando olhamos as profissões ali, vemos médico-veterinário, uma profissão da área da saúde. Imagine se um animal com algum sintoma passa por um teste e passa [...] [pelo atendimento de uma] pessoa que não sabe o que ele de fato tem? O Brasil tem, por natureza, aquela possibilidade de as pessoas sempre 'darem um jeitinho'. Vamos estar cada vez mais expostos à possibilidade de mentir em tudo. Que garantia vamos ter, nesse caso, de que nosso cachorro vai ser atendido por alguém que tem o mínimo de conhecimento para isso? Realmente, vejo isso com bastante perplexidade", avalia.

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Existe a necessidade, até mesmo para evitar um problema futuro, de uma linha de corte — e a formação, na visão dele, "é fundamental" para essa limitação.
Nessa toada, ele diz que uma eventual aprovação do projeto de lei "não seriam dois passos para trás, seriam quilômetros".

"Fiquei muito surpreso com algumas profissões que eu vi listadas. Um exemplo muito extremo, para contextualizar, é a engenharia de segurança do trabalho, que não precisaria ter formação. Essa é uma questão que envolve o cuidado com a vida das pessoas. Independentemente da situação, existe uma área nessa questão chamada RT, que é a responsabilidade técnica, com o nome e o número no Conselho de Engenharia [CREA, sigla para Conselho Regional de Engenharia e Agronomia] como responsável. E ele é, realmente, um responsável por qualquer coisa que venha a [...] acontecer dentro daquele ambiente que ele certificou. Imagine se deixamos de ter essa necessidade [...] e as coisas mais estapafúrdias começam a acontecer? Como fica isso? Na minha visão, realmente é algo muito grave para algumas profissões. Estamos falando de um retrocesso bastante relevante, inclusive de educação mesmo, porque ela é uma base do conhecimento, de uma série de outras coisas que regem a nossa sociedade", critica.

O projeto de lei não tem relatoria designada, o que é o primeiro passo para o trâmite na Câmara dos Deputados.
Tiago Mitraud não concorreu à reeleição para o cargo legislativo, e o Partido Novo só elegeu dois deputados federais, número que por si só não tem força para tocar adiante um projeto que afeta mais de 100 profissões.
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