'Não é um museu de gelo': Rússia quer parceria com Brasil para desenvolvimento sustentável no Ártico
© Sputnik / Alexei Danichev Trabalhador da empresa Gazprom em plataforma de petróleo offshore na região do Ártico, na Rússia
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A região do Ártico deixou de ser um "deserto gelado" para se transformar em uma zona "quente" da disputa geopolítica entre grandes potências. Saiba como o Brasil e o BRICS querem contribuir para aliviar as tensões e desenvolver a economia da região.
Neste início de ano, a Noruega aprovou leis para se tornar o primeiro país do mundo a aprovar a mineração comercial do seu fundo marinho. A decisão, criticada por ambientalistas, poderá ter consequências graves para a vida marinha da região do Ártico.
Aprovada com 80 votos a favor e 20 contra no parlamento norueguês, a nova regulamentação permitirá a exploração de minerais como cobalto, cobre e zinco, em alta demanda no mercado mundial.
A exploração mineral norueguesa demonstra a entrada da região do Ártico na agenda internacional. Com o aumento da presença militar dos EUA e a retomada do desenvolvimento russo na região, o "deserto de gelo" se torna cada vez mais uma região "quente" econômica e politicamente.
Nesta quinta-feira (18), especialistas do Clube de Discussão Valdai se reuniram em Moscou para debater a conclusão da presidência russa do Conselho do Ártico, principal organização internacional da região.
"Os últimos anos mostraram que a Rússia deve cooperar com parceiros internacionais a partir da posição de principal potência ártica do mundo", disse a decana da Faculdade de Economia Mundial e Política Internacional da Escola Superior de Economia, Anastasia Likhacheva. "Antes tínhamos uma posição mais contida, insistindo na paridade entre todos os atores da região e na consolidação de interesses comuns."
No entanto, a posição geográfica e experiência russa no Ártico garante ao país o protagonismo natural na região e a possibilidade de liderar projetos como o da Rota Marítima do Norte, também conhecida como "Rota da Seda Polar".
© Foto / Clube ValdaiA decana da Faculdade de Economia Mundial e Política Internacional da Escola Superior de Economia, Anastasia Likhacheva, durante evento do Clube de Discussão Valdai, em Moscou, Rússia, 18 de janeiro de 2024.
A decana da Faculdade de Economia Mundial e Política Internacional da Escola Superior de Economia, Anastasia Likhacheva, durante evento do Clube de Discussão Valdai, em Moscou, Rússia, 18 de janeiro de 2024.
© Foto / Clube Valdai
"A Rússia e a plataforma continental russa contêm a maior parte dos recursos naturais do Ártico, temos a maioria da população da região e a maior parte da sua linha costeira", notou Likhacheva. "Por outro lado, a Rússia ártica é região na qual as mudanças climáticas estão acontecendo de forma mais acelerada, e por isso funcionará como um laboratório para o resto do mundo."
A Rússia também detém a maior frota de navios quebra-gelo da região, com 41 unidades, incluindo sete movidas a propulsão nuclear. Já os EUA possuem somente duas unidades, ambas operadas pela sua Guarda Costeira.
"Quando lemos nos jornais que algum país está desenvolvendo sua frota de quebra-gelos, (...) ficamos com a impressão de que há alguma concorrência nessa área. Mas esse não é o caso: o planejamento estratégico da Rússia em relação à sua região ártica é mais profundo e não se compara aos demais países da região", disse Likhacheva.
Apesar da sua importância, o Conselho do Ártico – integrado por Rússia, EUA, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia – não trata de assuntos geopolíticos e militares, se restringindo a uma agenda positiva centrada em temas como pesquisa, mudanças climáticas e diálogo entre populações nativas.
© Sputnik / Vladimir VyatkinO quebra-gelo Arktika
O quebra-gelo Arktika
© Sputnik / Vladimir Vyatkin
"Mas o fato é que o Ártico se tornou uma zona de forte concorrência internacional", alertou Likhacheva. "Especialistas do mundo inteiro concordam que os 30 anos de olhar pacífico para o Ártico acabaram."
Brasil no Ártico?
Durante a presidência russa do Conselho do Ártico, nos turbulentos anos de 2022 e 2023, Moscou apostou na relação com parceiros extrarregionais, principalmente China e Índia – membros observadores do conselho.
No entanto, o Brasil também tem interesse em participar dos debates sobre o desenvolvimento no Ártico. Durante visita à cidade russa de Murmansk, o embaixador do Brasil em Moscou, Rodrigo Baena Soares, reafirmou a pretensão brasileira de integrar o Conselho do Ártico, reportou o The Arctic.
"O Brasil tem interesse em fazer parte do Conselho do Ártico, tornando-se um país observador", disse o embaixador Baena Soares. "Temos um interesse especial no Ártico e em todas as oportunidades que aí existem."
Além dos ganhos diplomáticos, o Brasil exporta equipamentos para a extração de petróleo e gás em águas profundas para empresas em operação na região, atividade que deve crescer nas próximas décadas.
© Sputnik / Roman PyatakovEmbaixador do Brasil na Rússia, Rodrigo de Lima Baena Soares (à esquerda), e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (à direita), na cerimônia de abertura da exposição celebrando os 195 anos das relações diplomáticas entre os dois países
Embaixador do Brasil na Rússia, Rodrigo de Lima Baena Soares (à esquerda), e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (à direita), na cerimônia de abertura da exposição celebrando os 195 anos das relações diplomáticas entre os dois países
© Sputnik / Roman Pyatakov
A decana da Faculdade de Economia Mundial e Política Internacional da Escola Superior de Economia, que participou ativamente das atividades da presidência russa do Conselho do Ártico, disse que a Rússia vê com bons olhos a pretensão brasileira.
"Nós trabalhamos nisso durante a presidência russa do Conselho, inclusive promovemos eventos com colegas brasileiros", disse Likhacheva à Sputnik Brasil. "Alguns russos ficam impressionados com o interesse brasileiro na região, mas se esquecem da experiência brasileira na Antártica."
A especialista aposta na construção de uma "agenda polar" conjunta, que garanta a troca de experiências e recursos para o desenvolvimento econômico sustentável das duas regiões mais frias do planeta.
"A Rússia tem interesse em trabalhar com o Brasil e todos os parceiros internacionais que acreditam na importância de um desenvolvimento sustentável dessas regiões, e não em transformá-las em um grande museu de gelo", concluiu Likhacheva.
BRICS para quebrar o gelo
Após a possível entrada da Suécia na OTAN, sete dos oito países do Conselho do Ártico farão parte desta aliança militar hostil à Rússia. Nesse sentido, a participação de países do BRICS no fórum poderia reduzir as tensões e construir pontes entre o bloco ocidental e Moscou, acredita o professor da Universidade do Sudeste da Noruega Glenn Diesen.
"O BRICS pode ser uma instituição que facilite o diálogo entre as partes e alivie as tensões com o Ocidente, conforme o mundo se tona multipolar", disse Diesen durante o encontro do Clube Valdai. "Isso também traria vantagem ao BRICS, que aumentaria o seu papel no mundo."
Enquanto a Rússia e o Ocidente "estiverem envolvidos nessa guerra por procuração em que estão agora", será necessário engajar outras instituições internacionais no Ártico, acredita Diesen.
© AP Photo / John PennellSoldados e funcionários do Serviço Nacional de Parques descarregam equipamentos e suprimentos de um helicóptero CH-47 Chinook do Exército dos EUA na geleira Kahiltna em 27 de abril de 2022
Soldados e funcionários do Serviço Nacional de Parques descarregam equipamentos e suprimentos de um helicóptero CH-47 Chinook do Exército dos EUA na geleira Kahiltna em 27 de abril de 2022
© AP Photo / John Pennell
"Conforme os EUA aumentam sua presença militar na região e a diplomacia é colocada de lado, a Rússia buscará novos parceiros no Ártico [...] e uma solução euroasiática para a região", notou o especialista norueguês.
Por outro lado, os países ocidentais podem apresentar resistência ao engajamento de países do BRICS nos assuntos do Ártico.
"Quanto mais países integrarem a agenda do Ártico, menor a influência dos países do Ocidente", disse Diesen à Sputnik Brasil. "Por outro lado, a diversificação aumenta os incentivos para que os recursos econômicos da região não sejam usados como armas, mas sim como meios de cooperação pacífica."
A China e a Índia foram admitidas como países observadores do Conselho do Ártico em 2013, junto com demais países asiáticos como Cingapura, Japão e Coreia do Sul.
O Brasil estuda a ascensão ao grupo desde a década de 2010. Em agosto de 2022, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar recomendou oficialmente à Presidência da República que redobrasse o acompanhamento das atividades do Conselho do Ártico.