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Banco Mundial e investimento em biometria no Sudão do Sul: pauta é urgência no país em crise?

© Charlotte Hallqvist/ACNURRefugiados do Sudão atendidos em centro de emergência criado pela ONU em Renk, Sudão do Sul
Refugiados do Sudão atendidos em centro de emergência criado pela ONU em Renk, Sudão do Sul - Sputnik Brasil, 1920, 15.03.2024
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Região que se tornou independente apenas em 2011, o Sudão do Sul é o país mais jovem do mundo reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e possui mais de 80% da população na extrema pobreza. Apesar disso, uma das prioridades do Banco Mundial no país é melhorar a governança por meio da digitalização do poder público.
Com apenas 13 anos de fundação, a nação mais nova do planeta acumula grandes desafios. Em 2011, a separação pacífica do Sudão, feita por meio de um referendo local, gerava grande expectativa sobre o futuro do país. Porém, enfrentou uma sangrenta guerra civil entre 2013 e 2018, quando mais de 400 mil pessoas morreram e todo o sistema econômico praticamente parou de funcionar. Na sequência, ainda veio a pandemia da COVID-19 e o conflito no país vizinho, que gerou uma crise de refugiados em um cenário em que o próprio Sudão do Sul mal consegue enfrentar as questões internas.
Diante de uma das maiores reservas de petróleo do continente africano, o país atingiu um produto interno bruto (PIB) de US$ 23 bilhões (RS 114,8 bilhões) e conta com um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do planeta. Além disso, apesar de possuir as terras mais férteis da região, importa a maior parte dos alimentos que consome e chegou a ter um alerta da ONU sobre a possibilidade de mais de 70% dos 11 milhões de habitantes enfrentarem fome extrema.
Toda essa vulnerabilidade social e econômica desperta os olhares das instituições financeiras globais focadas em programas e projetos para o desenvolvimento econômico de países como o Sudão do Sul. Enquanto entidades como o Banco Mundial, que é ligado às Nações Unidas, tem como foco apoiar ações que melhorem a governança do país, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) historicamente apoia financiamentos voltados para a infraestrutura do país, que ainda carece de estruturas básicas, a exemplo de energia elétrica e saneamento.
O professor Luis Haroldo Santos Júnior, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez uma análise ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, sobre a atuação das instituições no país. Recentemente, o Banco Mundial enviou US$ 10 milhões (R$ 49,8 milhões) para a criação de um sistema de pagamento biométrico para o funcionalismo público com o objetivo de combater a corrupção. O objetivo é acabar com os chamados funcionários fantasmas, quando há pessoas registradas que recebem salário sem trabalhar. Do outro lado, o banco africano teve um dos últimos financiamentos no país, o projeto que ampliou o acesso à eletricidade na capital sul-sudanesa, Juba.
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Para o especialista, a atuação do Banco Mundial vai de encontro às medidas determinadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para socorrer a jovem nação: reforma da gestão das finanças públicas.
"Obviamente que é uma questão muito questionável, porque o Sudão do Sul a gente sabe que é um país que se defronta com uma série de dificuldades econômicas, sociais, políticas e, de fato, é de se questionar se essa quantia é, digamos, prioritária para esse país neste momento específico. Mas, no geral, no contexto do Banco Mundial de inserção dentro desse país, faz parte desse projeto mais amplo de, digamos, revitalização da economia sul-sudanesa após o fim da guerra civil de 2018", pontua o especialista.
Já com relação ao BAD, o especialista lembra que a atuação no país começou no ano seguinte à independência, em 2012, com financiamentos focados em prioridades estabelecidas pelo próprio país. Além disso, a entidade é ligada à União Africana, principal bloco do continente que, a exemplo do Brasil, também defende a reforma do sistema de governança global ligado à ONU.

"Tem por estratégia certas áreas específicas e, no caso do Sudão do Sul, duas se destacam: a questão do acesso à eletricidade e o fomento à agricultura. Na virada para 2024, a ideia do Banco Africano de Desenvolvimento em aumentar os recursos para o Sudão do Sul diz respeito muito às crises humanitárias, às dificuldades em torno do desenvolvimento desse país", resume.

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Qual é a situação atual do Sudão do Sul?

Desde o fim da guerra civil, o Sudão do Sul enfrenta uma situação turbulenta na política. Em 2019, o então presidente Omar Hassan al-Bashir foi derrubado e o governo de transição liderado por civis também caiu após um golpe militar em outubro de 2021. Aliado a isso, o país também sofre com os efeitos dos conflitos no Sudão, já que por não ter acesso ao mar tem acordos com o vizinho para o escoamento do seu principal produto econômico: o petróleo.

"Cerca de 90% da renda do governo vem da exportação desse petróleo. Para conseguir exportar esse produto, tem que passar por oleodutos que atravessam o território do Sudão, atualmente em conflito civil. Isso acaba afetando também essa infraestrutura de escoamento de produção do petróleo […]. E, além disso, quando foi feito o acordo de paz com o Sudão, foi estabelecido que parte dos recursos com o petróleo exportado deveriam ser repassados ao país", acrescenta o especialista.

Presença chinesa no território

Com uma atuação cada vez mais forte no continente africano, a China é o principal parceiro econômico do Sudão do Sul e, nos últimos anos, as empresas do país investem cada vez mais no desenvolvimento da infraestrutura regional, em contraponto à histórica presença das nações ocidentais na região, que exploravam recursos sem apoiar as reais necessidades locais.
"A principal companhia que atua na exploração de petróleo no Sudão do Sul é de origem chinesa. O país tem interesse em garantir um certo desenvolvimento, e cada vez mais procura esse apoio da China para que possa atender todas essas demandas", afirma.
Além disso, o especialista argumenta que este é um movimento dos países da África: questionar o modelo de desenvolvimento e financiamento ofertado por instituições como o Banco Mundial e o FMI.
"Uma das críticas desses países africanos é que essas instituições não investem o necessário para superar todo o déficit em termos de infraestrutura desses países africanos", diz. Para o professor, o Sudão do Sul é uma jovem nação que ainda está com as instituições políticas, econômicas e administrativas em formação e, mesmo com tantos desafios, possui um vasto potencial de crescimento.

"Fora todas essas reservas de petróleo, o Sudão do Sul também já tem chamado atenção, por exemplo, de atores internacionais, como a própria China, no sentido de ser uma região que tem grande potencial de exploração de energias renováveis, como energia eólica e energia solar. Além desse grande potencial, as terras são consideradas muito férteis. Então por isso que o governo, nos últimos anos, tem incluído essa questão de aumentar a produtividade agrícola como uma das estratégias", finaliza.

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Mudança de foco no início do século

Já o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Leonardo Paz lembra ao podcast Mundioka que até o início do século XXI o Banco Mundial focava muito na questão de infraestrutura dos países, como construção de represas, estradas, ruas e sistemas de eletrificação. Com o tempo, a governança das nações passou a ser uma preocupação da entidade, a exemplo do que ocorreu no Sudão do Sul.
"Governança passou a ser a palavra da vez. E aí boa parte dos créditos que eles ofereciam para os projetos nesses países focavam coisas relacionadas desde políticas que vão ajudar o equilíbrio de gênero e políticas de governança, como reestruturação do setor público, criação de algum tipo de ministério e gestão. E agora, como nesse caso, ajudar a montar um sistema de pagamentos para que você tenha claramente uma melhor governança, mais transparência e, por consequência, menos corrupção dentro do país. Naturalmente, menos corrupção sobra mais dinheiro, a gestão fica mais eficiente", complementa.
O especialista ressalta também que o país africano é considerado pela entidade em situação de "estresse econômico". Isso faz com que o acesso às ferramentas de financiamento sejam mais vantajosas quando comparado ao Brasil, por exemplo.
"Obviamente é um país muito problemático, com uma fragilidade maior e acesso a projetos mais generosos […]. Imagino eu que esse [a criação da biometria para pagamentos aos servidores públicos] é um programa estratégico para eliminar a corrupção e poder melhorar a eficiência. E, naturalmente, sobra mais dinheiro para outras áreas necessárias", finaliza.
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