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Eleição de Bassirou Diomaye Faye pode levar a 'nova independência' do Senegal em relação à França?

© AP Photo / Mosa'ab ElshamyApoiadores de Bassirou Diomaye Faye se reúnem enquanto aguardam os resultados das eleições presidenciais, em Dakar. Senegal, 24 de março de 2024
Apoiadores de Bassirou Diomaye Faye se reúnem enquanto aguardam os resultados das eleições presidenciais, em Dakar. Senegal, 24 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 29.03.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que o presidente eleito traz esperanças de um Senegal não subalterno à França e ao neocolonialismo.
No último dia 24, Bassirou Diomaye Faye foi eleito presidente do Senegal, após derrotar o candidato governista Amadou Ba, encerrando um conturbado processo eleitoral marcado pela dissolução do governo e o adiamento do pleito, determinado pelo atual presidente, Macky Sall, cujo mandato encerra em 2 de abril.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas traçam um perfil do presidente eleito e analisam os motivos que levaram Macky Sall a tentar se aferroar ao poder.
Para Mamadou All Diallo, mestre em ciência política e doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a eleição de Diomaye Faye "significa a consolidação da democracia senegalesa" e um basta no sistema que vem se perpetuando no poder no país desde 1960.

"Acho que tem um significado muito grande, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista político. Politicamente, o último governo sempre tentou impedir que houvesse qualquer possibilidade de oposição e fez de tudo [para isso], mas o povo ficou em pé, ficou acordado, ficou acompanhando e lutou, e deu no que deu."

Diallo ressalta que, durante o período de campanha, a população andava pelas ruas carregando vassouras, em um ato que simbolizava que pretendiam varrer do país todo o sistema corrupto e "deixar a casa bem limpa". Ele acrescenta que a gestão de Sall tentou impedir a candidatura de Diallo, determinando sua prisão por conta de uma postagem nas redes sociais na qual criticava o sistema judiciário senegalês.
"Aqui [no Brasil], a gente tem um negócio chamado audiência de custódia; no Senegal nem tem isso, você é preso, você vai direto para a cadeia. Enfim, acho que o Senegal nunca passou por um período tão difícil desde a independência, onde todos os candidatos da oposição experimentaram o que seria uma prisão, todos eles", explica o cientista político.
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De acordo com o especialista, Faye só conseguiu sair da prisão a tempo de continuar com sua candidatura porque o golpe de Estado que Sall tentava implementar desde 2019 ficou insustentável. Dessa forma, ele decidiu apostar em deixar um sucessor, consolidado na candidatura de Amadou Ba.
"Acho que a última gota que ele [Macky Sall] fez, o último erro que ele fez, foi tentar postergar as eleições, porque aí, a partir da postergação das eleições, mesmo as pessoas que estavam com ele, mesmo os magistrados, a sociedade inteira percebeu que havia realmente um perigo para a democracia senegalesa."

Papel da juventude senegalesa

Questionado sobre como a participação dos jovens nas eleições influenciou o resultado do pleito, Diallo afirma que o comparecimento dos jovens às urnas foi preponderante, assim como a participação das mulheres.
"No Senegal, o voto não é obrigatório. Então quem acompanhava os vários locais de votação diz que as filas de mulheres, a quantidade de mulheres era impressionante", explica Diallo.
Ele argumenta que a participação feminina é uma reação à repressão do governo Sall aos jovens.
"Quem fica com os problemas são as mulheres, são os filhos delas, são os maridos delas, são os parentes delas [que são presos]. Então são elas que ficam encarregadas da família. São elas que ficam tristes, que ficam chorando. [...] Então a votação das mulheres e dos jovens com certeza foi fundamental. Mas eu acho que essa eleição teve uma participação gigantesca. A taxa de participação acho que foi bem expressiva."

Quem é Bassirou Diomaye Faye?

Diallo afirma que o presidente eleito Bassirou Diomaye Faye é um jovem humilde, intelectual e trabalhador que entrou para a política há pouco tempo.
"Ele não é alguém político, que se politizou há muito tempo, mas um jovem, de 44 anos, pan-africanista, [...] militante pela transparência, pela justiça, porque os vídeos dele mais antigos, que mostram um pouco do ponto de vista político dele, mostram a defesa que ele faz a populações que eram vítimas do sistema. Porque pegavam as terras das pessoas do interior, vendiam ou privatizavam, sem o aval das sociedades locais. E ele [Faye] pega essa causa, porque ele é da área de direito", explica Diallo.
"Então eu acho que é uma pessoa muito humilde, uma pessoa pé no chão, eu acredito até que nessa eleição não é o Diomaye Faye que importa, é o projeto, o programa [de governo], a ideia que se vendeu à população. É isso que importa, muito menos a pessoa de Diomaye Faye", acrescenta.

O que esperar do governo Diomaye Faye?

Rafaela Serpa, professora de relações internacionais, geopolítica e defesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutoranda em ciência política na mesma instituição e pesquisadora assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica), destaca dois pontos das eleições presidenciais no Senegal.
Primeiro, ela aponta que o pleito "mostrou a força da cultura política democrática dentro do país".

"Eu acho que essa politização da sociedade conseguiu barrar esse autoritarismo que estava crescendo e conseguiram, através do voto, eleger o seu candidato", explica a especialista.

Em segundo lugar, ela aponta que as eleições refletem a esperança que está relacionada à busca por novas estratégias para o Estado.
"Uma nova postura do Senegal internamente, mas ligada às questões sociais do povo e não necessariamente a uma ideia de dependência ou, como ele mesmo fala, subalterização do país a questões internacionais. Então, acho que são esses dois sentimentos importantes que representam essa eleição. A manutenção da democracia exatamente pela população, pelo povo, mas também essa população buscando uma alternativa diferente para como eles pensam o seu país dentro da política interna como [também] externa."
Questionada se a eleição de Diomaye Faye sinaliza que o Senegal se livrou de vez da França, sua antiga metrópole, Rafaela se mostra cética. Ela sublinha que a questão da França "é algo muito presente, de certa forma incrustada na própria elite senegalesa".

"O Senegal sempre foi uma colônia muito importante para a França. O Senegal podia inclusive eleger representantes para a Assembleia Francesa, mesmo quando ainda era colônia. Então o Senegal sempre foi, de certa forma, uma vitrine e um exemplo dessa nova estrutura de relação que a França criou depois da colonização, que a gente chama de neocolonialismo", explica Serpa.

"Isso está relacionado a dependências econômicas, está relacionado à própria questão do franco ser oficializado como moeda, que é uma outra coisa que é até pauta atual, mas, enfim, há todas essas questões. Mas principalmente porque essa elite que está no poder dentro do Senegal, ela teve esses vínculos com a França desde esse período. Ela sempre esteve ligada [à França], tanto relacionado a estudar na França, ou sempre estiveram presentes, por exemplo, conselheiros desses políticos que são ex-políticos franceses, no caso do Sall, foi foi assim. Max Sall tinha um conselheiro que era um francês, um ex-político francês", complementa.
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Ela afirma que acabar com a dependência da França é um projeto ambicioso, mas resslta que se colocar contra um Senagal subalterno à França é justamente a principal agenda de Diomaye Faye e seus aliados.
"Eles falam de buscar uma nova independência de fato do Senegal. Mas, agora, até que ponto eles vão ter força para implantar todas essas ideias que eles defenderam na campanha a gente não sabe. Porque, como eu falei, é muito consolidada essa relação [com a França]."
A especialista acrescenta que outra questão a ser abordada na gestão de Diomaye Faye é a dos contratos firmados com a França para exploração de petróleo e gás natural, que ela afirma serem muito desiguais quanto à divisão dos lucros.

"Ele [Diomaye Faye] defende uma mudança nos contratos relacionados a petróleo e gás natural, que são contratos que são muito desiguais e que muitos são ainda também oriundos dessa questão neocolonial", conclui a especialista.

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