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Chuvas por indução poderiam ter prevenido a tragédia no RS?

© Foto / Ricardo Stuckert / PRVista aérea de região no Rio Grande do Sul alagada por tempestades iniciadas em abril de 2024
Vista aérea de região no Rio Grande do Sul alagada por tempestades iniciadas em abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se a técnica poderia ter sido usada para deslocar as nuvens, reduzindo o volume de chuvas que afetaram o estado.
As fortes chuvas que ocorreram no Rio Grande do Sul nas últimas semanas, levando a uma tragédia que deixou mais de 150 mortos, jogaram luz na necessidade de tomar medidas de prevenção capazes de minimizar os impactos de eventos do tipo.
Em algumas regiões, como Dubai, nos Emirados Árabes, há tecnologias que usam drones para realizar a chamada indução de chuvas, técnica na qual aviões lançam substâncias como cloreto de sódio ou iodeto de prata nas nuvens, que se agarram ao vapor d'água criando gotículas de chuva. Dessa forma, é possível aumentar o volume de chuva em regiões mais secas.
A técnica também é apontada como alternativa para "perfurar" massas de ar quente, como a que pairou sobre o Sudeste e o Centro-Oeste, criando um bloqueio à passagem de nuvens que ficaram concentradas sobretudo no Rio Grande do Sul.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender se o uso de técnicas como essa poderiam impedir situações como as vivenciadas pelo estado.
Para o biólogo Marcos Dias, o que aconteceu no Rio Grande do Sul "é resultado da degradação ambiental, de queimadas, desmatamentos, emissão de combustíveis fósseis por conta dos carros e metano no ar".

"Todos esses gases já existiam no planeta. Isso faz parte, só que o homem intensificou isso. E acaba a gente tendo um resultado em longo prazo."

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Ele acrescenta que a situação foi agravada por conta do desmatamento florestal e das matas ciliares, que poderiam ter minimizado o impacto do volume excessivo de água.

"Quando eu tenho um morro desflorestado, sem floresta, o que acontece? A água da chuva vai bater nesse morro, vai absorver pouca água e vai descer como enxurrada morro abaixo. Então vamos supor que no morro choveu 50 milímetros. […] parte dessa água vai ficar e outra vai seguir. Vamos supor que choveu 50 milímetros e desceu 10 milhões de litros da água morro abaixo. Se tivesse floresta, de repente desceria a metade. E nas matas ciliares também, para justamente evitar o assoreamento do rio e até mesmo diminuir a velocidade do rio, porque a correnteza vai passar pela floresta, pelas árvores e vai ter uma redução de velocidade."

Augusto José Pereira, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), diverge da opinião de que as chuvas no Rio Grande do Sul foram frutos das mudanças climáticas e aponta que "se trata mais de uma variabilidade climática que já ocorreu no passado". Ele explica que, enquanto as mudanças climáticas abrangem um período de milhares de anos, a variabilidade climática abrange décadas.
"A Terra passa por períodos de maior aquecimento, que são denominados interglaciais, e períodos mais frios, que são chamados glaciais. Nesse momento da história do planeta, nós estamos passando por um período interglacial. E nesse período interglacial, de acordo com esses registros geológicos, desses testemunhos que vêm dos oceanos, das geleiras, o último período glacial, o máximo glacial, ocorreu há 18 mil anos", explica.
"Então isso, de fato, esse período de milhares de anos, é um período que a gente chama de mudança climática, onde há uma elevação da temperatura no globo, ou uma diminuição da temperatura do globo, que produzem essas mudanças muito significativas. Essas mudanças são associadas com variações orbitais da Terra em relação ao Sol. Então, a distância da Terra ao Sol, a inclinação do eixo de rotação da Terra, e a precessão da Terra também. Há dados aqui das cavernas em São Paulo que indicam esses períodos de oscilação da ordem de 160 mil anos. Então isso aí é mudança climática. Agora, aqueles eventos que ocorrem no período de décadas são chamados de variabilidade climática dentro de um período de mudança", acrescenta.
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Diante disso, Pereira sublinha que "o evento trágico no sul do Brasil não necessariamente se refere a mudanças climáticas, mesmo porque os modelos de clima indicavam, de fato, chuva um pouco acima do normal para o período".

Indução de chuvas poderia ser a solução?

Questionado sobre a possibilidade de usar métodos de indução de chuvas para deslocar as tempestades ou arrefecer a massa de ar quente que manteve as chuvas concentradas no Rio Grande do Sul, Pereira diz descartar a medida por não ter demonstrado sucesso em tentativas anteriores.
"Em mais de 60 anos de trabalho nessa área, de modificação do tempo, de geração de chuva, e mesmo aqui no Brasil, com várias propostas, umas mais sofisticadas, outras mais simplistas, nenhuma delas funcionou. A própria Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] aqui em São Paulo usou certas tecnologias para fazer chover naqueles períodos de seca, mas foi inefetivo. Porque é necessário haver na atmosfera condições de vapor d'água em baixos níveis e instabilidade atmosférica para que a chuva se desenvolva. Não há como desenvolver tempestades a partir, por exemplo, de bombardeamento de nuvens. Então isso pode ser efetivo em áreas muito pequenininhas. E, para um sistema desse milímetro, quantos milhões de aviões seriam necessários para bombardear as nuvens, que efetivamente não fariam efeito nenhum?", questiona.
A opinião é compartilhada por Carlos Nobre, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas. Ele aponta que tecnologias como a indução de chuvas demonstram eficiência apenas em escalas pequenas diferentes do que ocorreu no Rio Grande do Sul.
"Esses extremos sempre adquirem uma escala tão grande, que não é nada pequenininha que você resolve com drones", explica.
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Ele acrescenta que outro fator é o risco de as chuvas induzidas mudarem de rota, causando tragédias em outras regiões, e cita como exemplo a tentativa do governo dos Estados Unidos de usar técnicas similares para desviar rotas de furações nos anos 1960.

"Lá nos anos 60, os Estados Unidos queriam usar essas técnicas de desfazer as gotículas na formação de furacões, e os países da América Central, do México e de outros países não concordaram porque não havia nenhuma demonstração de que se você fizesse isso e mudasse a força do furacão, você não seria um furacão tão forte, se você não mudaria a trajetória, e em vez de ir para os Estados Unidos iria mais para oeste, atingiria a América Central. Então isso nunca foi para frente."

Dias também se mostra cético quanto à medida, afirmando que "é um caso a ser estudado se vale a pena ou não".
"Porque se essa nuvem tem de ir para outro estado e eu faço chover aqui ou não, de repente estou tirando chuva de onde deveria estar. E, nesse caso, com uma condensação muito grande de chuva, como aconteceu no Rio Grande do Sul, como fazer quilômetros e quilômetros quadrados? Será que teria drone para isso?", questiona.

Como amenizar os impactos de eventos similares ao do Rio Grande do Sul?

Pereira ressalta a importância de mudar o foco do discurso das mudanças climáticas para os sistemas de alerta e de previsão do tempo.

"É necessário que haja um preparo da população, das escolas, da sociedade. O Japão tem um sistema de treinamento para a sociedade como um todo. Por exemplo, lá em Tóquio, que treina as pessoas para agir em situação de terremoto, de tsunami, de furacão, de tornados, de eventos geofísicos, que normalmente causam muitas, mas muitas vítimas. E lá, por exemplo, nesse último tsunami de 2011, o número de vítimas foi muito alto, mas poderia ser muito mais alto se não houvesse uma ação do governo para mitigar esse evento."

Ele informa ainda que o crescimento das cidades também está associado a um maior número de alagamentos.
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"Por exemplo, aqui em São Paulo, nesta megalópole, houve mudança de uso e ocupação do solo. […] quando no verão a superfície fica muito aquecida, e dado que nós estamos próximos do oceano Atlântico, vêm as tempestades violentas que causam alagamentos, inundações, enchentes, descargas elétricas, granizo, ventos de rajada que derrubam estruturas, árvores. E isso, sim, está relacionado com uma mudança que nós chamamos de microclimática. São mudanças devido ao desenvolvimento das cidades, e não só aqui, no mundo todo."
Pereira destaca que esses temas serão abordados no XXIII Congresso Brasileiro de Meteorologia, "a ser realizado neste ano, entre os dias 14 a 18 de outubro, em Campinas", e alerta que há previsão de mais chuvas para o Rio Grande do Sul nos próximos dias.

"Isso significa que o governo e a Defesa Civil devem se preparar para esse novo episódio", alerta o professor.

Nobre, por sua vez, aponta para um estudo realizado em 2019 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que mostrou que o Brasil tem mais de 20 mil locais com risco de deslizamento de encosta e inundações.
"Então precisa ter sirenes. A Defesa Civil precisa estar muito mais fortalecida, até o número de servidores da Defesa Civil tem que crescer muito, porque toda vez que tem um risco desse, como aconteceu no Rio Grande do Sul, o Cemaden mandou com dias de antecedência o risco daquelas muitas chuvas e quando começou a chover tudo foi alertado. As defesas civis até atuaram, tiraram dezenas de milhares de pessoas que estavam em locais que estavam ficando inundados ou com risco muito grande, deslizamentos lá na serra, nas encostas, mas agora precisa fazer isso para o Brasil todo. Precisa ter sirenes. Eu não vi nenhuma sirene lá no Rio Grande do Sul, então precisa ter sirenes e que funcionem com energia solar, um painel solar, não pode depender da eletricidade. Você viu que o Rio Grande do Sul quase todo perdeu a eletricidade [por conta da chuvas]."
Ele também aponta ser necessário um trabalho junto ao sistema educacional para que as crianças, desde o ensino fundamental, sejam ensinadas a sobreviver a esses eventos extremos.

"Um dos melhores países do mundo, o Japão, capacita as crianças desde o ensino fundamental para todo tipo de eventos, principalmente terremotos. O Brasil felizmente não tem terremotos e vulcões, mas é possível sim capacitar as populações, e aí ter os sistemas de sirenes e alerta muito aperfeiçoados em todas as áreas de risco e locais para as populações se deslocarem quando tem essas chuvas excessivas."

Ele também destaca que, apesar do maior foco ser dado a eventos como o ocorrido no Rio Grande do Sul, as ondas de calor "matam um número gigantesco de pessoas, principalmente idosos e crianças".
"Só que diferentemente da enxurrada, da inundação, do deslizamento da encosta, não morre ali na hora, é a doença associada com onda de calor, cardiovascular, pulmonar, desidratação, tudo isso, mas leva a pessoa para o hospital e muitos idosos, idosas e até bebês acabam morrendo."
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