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Sementes da desestruturação estatal no Líbano foram plantadas pela França, defendem analistas
Sementes da desestruturação estatal no Líbano foram plantadas pela França, defendem analistas
Sputnik Brasil
Um Estado completamente desestruturado, a ponto de poder ser chamado de "não Estado", o Líbano hoje vive um dos seus momentos mais difíceis ao somar uma grave... 26.06.2024, Sputnik Brasil
2024-06-26T17:55-0300
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No episódio desta terça-feira (26) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, as origens da crise do Líbano foram investigadas por especialistas em Oriente Médio, desde a sua saída das mãos do Império Otomano, seu tempo enquanto colônia francesa à ressurgência do conflito com Israel no final de 2023.Como está o Líbano?Envolto há décadas em problemas políticos e econômicos, como o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, o Líbano pode ser considerado hoje um "não Estado", segundo o pensamento de intelectuais libaneses atuais, como Amal Saad-Ghorayeb, diz à Sputnik Brasil a pesquisadora de Oriente Médio, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) Karime Cheaito.Segundo Cheaito, é possível traçar um vínculo desde o Império Otomano até o momento atual, de modo a explicar "de onde chegamos e por que chegamos onde chegamos". No entanto, além de analisar essas questões estruturais, vale a pena também analisar o cenário conjuntural.Nesse ponto, a pesquisadora destaca alguns fenômenos recentes: a inadimplência do setor público e o crescimento da dívida; o problema de liquidez do setor bancário e o consequente bloqueio de saques; a estagnação econômica do país; e a crise política gerada pela falta de um presidente — eleito pelo Parlamento — que atingiu o país entre 2014 e 2016 e depois de 2022 até os dias de hoje.Além disso, aponta Cheaito, o país passou por momentos críticos no passado recente, como a Revolução dos Cedros em 2005, ocorrida por conta do assassinado de Hariri e que viu a saída da ocupação síria do país; a crise do lixo de 2015, que aconteceu pelo fracasso do governo em endereçar o fechamento do aterro de Beirute; as manifestações tardias da Primavera Árabe, que ocorreram em 2019 e, por fim, a explosão do porto em 2020.O Líbano, esclarece Najad Khouri, economista, MBA em relações internacionais e pesquisador sênior do Grupo de Estudos e Pesquisas do Oriente Médio (GEPOM), é um país com pequena extensão territorial, cerca de 220 km de comprimento. "Em termos de área geográfica, tem 10 mil km²", ou seja, uma área menor do que o estado do Rio de Janeiro.De acordo com Khouri, por sua baixa extensão, o país sempre foi muito dependente de seus vizinhos para obter produtos essenciais. "É um país sem recursos, cuja população tem uma tendência a sair para o exterior […]. Os recursos próprios libaneses são os próprios libaneses."A frase do pesquisador tem dois sentidos. O primeiro é que como "o Líbano não tem indústria pesada, não tem indústria leve e importa tudo praticamente", muitas das divisas do país são oriundas de emigrantes libaneses.Já o segundo aponta para a vocação de serviços do país que, com pouco território, possui uma riqueza muito grande na área de serviços, com hospitais e universidades de referência no mundo árabe, além do enorme potencial de turismo e do setor bancário que, até certo ponto, foi um paraíso fiscal muito forte.A ingerência francesaMuitos desses problemas do Líbano podem ser traçados para uma causa: o sistema de governo sectário, alertam ambos os analistas.Atualmente, o governo do Líbano é organizado de uma forma a dividir o poder entre as grandes correntes religiosas do país: muçulmanos, xiitas e sunitas, e os cristãos maronitas, explica Khouri.Essa divisão sectária de governo, contudo, nem sempre aconteceu. Pelo contrário, a divisão foi imposta quando o país se tornou um protetorado da França após a Segunda Guerra Mundial. "O sectarismo é um modo de relação social e política moderno", diz Cheaito.Esse modo de governo sectário, explicita ela, "significa que as identidades religiosas são transportadas para a esfera política e se tornam identidades políticas".Essa divisão pode ser insuficiente para explicar todos os problemas do Líbano, uma vez que, primeiramente, "esses grupos não são homogêneos", diz Cheaito. Em segundo lugar, questões como o problema financeiro e a estagnação industrial ocorrem por outros fatores, mas ainda assim o sectarismo ainda se encontra refletido em muitos aspectos do dia a dia político do país.É por conta dessa divisão, atenta Khouri, que os políticos libaneses acabam trabalhando apenas para suas próprias bases eleitorais em detrimento de um Líbano unido. "Cada um defende a sua parte em detrimento do interesse dos outros."Cada grupo político libanês também é influenciado externamente por grupos muitas vezes opostos. O Irã, por exemplo, tem bastante influência sobre os muçulmanos xiitas do país, enquanto a Arábia Saudita "tem uma influência muito grande sobre os sunitas de Beirute e de Trípoli, que também forma uma inteligência, uma força econômica e política muito grande", afirma Khouri.Já a parte cristã do Líbano busca sua referência externa na França, antigo poder colonial e um dos maiores parceiros europeus do país do Levante. "Quando houve a crise do Porto, Macron foi imediatamente para Beirute."
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Sementes da desestruturação estatal no Líbano foram plantadas pela França, defendem analistas
17:55 26.06.2024 (atualizado: 14:58 01.07.2024) Especiais
Um Estado completamente desestruturado, a ponto de poder ser chamado de "não Estado", o Líbano hoje vive um dos seus momentos mais difíceis ao somar uma grave crise econômica e política com tensões crescentes com Israel.
No episódio desta terça-feira (26) do
Mundioka,
podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas
Melina Saad e Marcelo Castilho, as origens da crise do Líbano foram investigadas por especialistas em Oriente Médio, desde a sua saída das mãos do Império Otomano, seu tempo enquanto colônia francesa à ressurgência do conflito com Israel no final de 2023.
Envolto há décadas em problemas políticos e econômicos, como o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, o Líbano pode ser considerado hoje um "não Estado", segundo o pensamento de intelectuais libaneses atuais, como Amal Saad-Ghorayeb, diz à Sputnik Brasil a pesquisadora de Oriente Médio, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) Karime Cheaito.
Segundo Cheaito, é possível traçar um vínculo desde o Império Otomano até o momento atual, de modo a explicar "de onde chegamos e por que chegamos onde chegamos". No entanto, além de analisar essas questões estruturais, vale a pena também analisar o cenário conjuntural.
"Desde os anos 2000, o Líbano estava vivendo sucessivas crises políticas e econômicas que vão desembocar com o seu auge em 2019."
Nesse ponto, a pesquisadora destaca alguns fenômenos recentes: a inadimplência do setor público e o crescimento da dívida; o problema de liquidez do setor bancário e o consequente bloqueio de saques; a estagnação econômica do país; e a crise política gerada pela falta de um presidente — eleito pelo Parlamento — que atingiu o país entre 2014 e 2016 e depois de 2022 até os dias de hoje.
Além disso, aponta Cheaito, o país passou por momentos críticos no passado recente, como a Revolução dos Cedros em 2005, ocorrida por conta do assassinado de Hariri e que viu a saída da ocupação síria do país; a crise do lixo de 2015, que aconteceu pelo fracasso do governo em endereçar o fechamento do aterro de Beirute; as manifestações tardias da Primavera Árabe, que ocorreram em 2019 e, por fim, a
explosão do porto em 2020.
O Líbano, esclarece Najad Khouri, economista, MBA em relações internacionais e pesquisador sênior do Grupo de Estudos e Pesquisas do Oriente Médio (GEPOM), é um país com pequena extensão territorial, cerca de 220 km de comprimento. "Em termos de área geográfica, tem 10 mil km²", ou seja, uma área menor do que o estado do Rio de Janeiro.
De acordo com Khouri, por sua baixa extensão, o país sempre foi muito dependente de seus vizinhos para obter produtos essenciais. "É um país sem recursos, cuja população tem uma tendência a sair para o exterior […]. Os recursos próprios libaneses são os próprios libaneses."
A frase do pesquisador tem dois sentidos. O primeiro é que como "o Líbano não tem indústria pesada, não tem indústria leve e importa tudo praticamente", muitas das divisas do país são oriundas de emigrantes libaneses.
Já o segundo aponta para a vocação de serviços do país que, com pouco território, possui uma riqueza muito grande na área de serviços, com hospitais e universidades de referência no mundo árabe, além do enorme potencial de turismo e do setor bancário que, até certo ponto, foi um paraíso fiscal muito forte.
"O Líbano tem um segredo bancário. Pode entrar qualquer dinheiro do mundo inteiro, e ninguém pergunta de onde vem esse dinheiro."
Muitos desses problemas do Líbano podem ser traçados para uma causa: o sistema de governo sectário, alertam ambos os analistas.
Atualmente, o governo do Líbano é organizado de uma forma a dividir o poder entre as grandes correntes religiosas do país: muçulmanos, xiitas e sunitas, e os cristãos maronitas, explica Khouri.
"A Presidência da República tem que ser cristão maronita […], o primeiro-ministro tem que ser muçulmano sunita e o chefe do Parlamento tem que ser muçulmano xiita."
Essa divisão sectária de governo, contudo, nem sempre aconteceu. Pelo contrário, a divisão foi imposta quando
o país se tornou um protetorado da França após a Segunda Guerra Mundial.
"O sectarismo é um modo de relação social e política moderno", diz Cheaito.
Esse modo de governo sectário, explicita ela, "significa que as identidades religiosas são transportadas para a esfera política e se tornam identidades políticas".
"A partir do momento em que a França politiza essas identidades religiosas, diversos problemas vão começar a acontecer."
Essa divisão pode ser insuficiente para explicar todos os problemas do Líbano, uma vez que, primeiramente, "esses grupos não são homogêneos", diz Cheaito. Em segundo lugar, questões como o problema financeiro e a estagnação industrial ocorrem por outros fatores, mas ainda assim o sectarismo ainda se encontra refletido em muitos aspectos do dia a dia político do país.
É por conta dessa divisão, atenta Khouri, que os políticos libaneses acabam trabalhando apenas para suas próprias bases eleitorais em detrimento de um Líbano unido. "Cada um defende a sua parte em detrimento do interesse dos outros."
"Não está havendo um diálogo construtivo, está havendo um diálogo destrutivo."
Cada grupo político libanês também é influenciado externamente por grupos muitas vezes opostos. O Irã, por exemplo, tem bastante influência sobre os muçulmanos xiitas do país, enquanto a Arábia Saudita "tem uma influência muito grande sobre os sunitas de Beirute e de Trípoli, que também forma uma inteligência, uma força econômica e política muito grande", afirma Khouri.
Já a parte cristã do Líbano busca sua referência externa na França, antigo poder colonial e
um dos maiores parceiros europeus do país do Levante. "Quando houve a crise do Porto, Macron foi imediatamente para Beirute."
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