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Apoio do Brasil à causa palestina reflete liderança do país como voz do Sul Global, dizem analistas

© AP Photo / Amr NabilLula se prepara para discursar na sede da Liga Árabe, no Cairo. Egito, 15 de fevereiro de 2024
Lula se prepara para discursar na sede da Liga Árabe, no Cairo. Egito, 15 de fevereiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 01.07.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam a decisão de Lula de aumentar os repasses à UNRWA e destacam que posições brasileiras contrárias aos interesses de Israel não são novidade na diplomacia brasileira nem uma prerrogativa do governo atual.
O Brasil deseja quadruplicar os repasses feitos à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), subindo o valor da contribuição de US$ 75 mil (R$ 413 mil) em 2023 para US$ 400 mil (R$ 2,2 milhões) este ano.
A medida foi anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em fevereiro deste ano, em duas ocasiões: em discurso na Liga dos Estados Árabes, no Cairo (Egito) e durante uma visita à Embaixada da Palestina, em Brasília.

"No momento em que o povo palestino mais precisa de apoio, os países ricos decidem cortar a ajuda humanitária à UNRWA. Refugiados palestinos na Jordânia, na Síria e no Líbano também ficarão desamparados. É preciso pôr fim a essa desumanidade e covardia. Basta de punição coletiva. Meu governo fará um novo aporte de recursos para a UNRWA. Exortamos todos os países a manter e reforçar suas contribuições", disse o presidente em discurso no Cairo.

Além de elevar os repasses à UNRWA, atacada por Israel, o Brasil vai assumir a presidência do conselho consultivo da agência em 2025.
O anúncio vem em um momento de acirramento das relações entre Brasil e Israel. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o que move a decisão do governo de ampliar os repasses à agência.
Natalia Reis, professora de história contemporânea do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense (UFF), enfatiza que "posições brasileiras contrárias aos interesses israelenses não são novidade na história da diplomacia e dos governos brasileiros", nem "uma prerrogativa do governo Lula".
"A partir da década de 1970, algumas ações dos governos brasileiros foram interpretadas como anti-israelenses. Como exemplos, temos o voto favorável do Brasil à Resolução 3379 da AGNU [Assembleia Geral das Nações Unidas] em 1975, que condenou o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial; o reconhecimento brasileiro da OLP [Organização para a Libertação da Palestina] como único e legítimo representante do voto palestino; além do estabelecimento de parcerias econômicas e políticas com países inimigos de Israel, como a Arábia Saudita e o Iraque, ao longo do governo de Saddam Hussein."
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Porém, ela ressalta que esse posicionamento se tornou mais evidente "especificamente nos períodos em que Lula esteve no poder".

"Podemos citar que, em seus dois primeiros mandatos (2003–2010), Lula sempre demonstrou simpatia à causa palestina, além de ter tentado mediar o impasse provocado pelo Irã e sua política de enriquecimento de urânio e construção de usinas nucleares no período Mahmoud Ahmadinejad. E, no mandato atual, vem confirmando enfaticamente sua condenação às ações israelenses em Gaza."

Ela sublinha que "a política externa brasileira é tradicionalmente multilateral", e que "o Brasil tem parcerias comerciais e políticas com variados Estados que possuem interesses geopolíticos e comerciais antagônicos".
"O Brasil, com exceção do período [Jair] Bolsonaro e talvez outros períodos em que o governo então no poder era alinhado incondicional dos EUA, como o governo Dutra, por exemplo, sempre procurou atuar de acordo com os seus interesses autônomos, ainda que tenha mantido um alinhamento — não condicional, importante dizer — com os interesses americanos. Sem contar a política externa independente no governo [João] Goulart", explica a especialista.

Ascensão do BRICS fortalece decisões soberanas do Brasil

Reis afirma que, nos dias atuais, com a importância cada vez maior do Brasil no contexto da ascensão do BRICS, "a autonomia em relação aos EUA aumentou e as decisões na política externa tendem a ser cada vez mais soberanas, tratando-se principalmente de um governo progressista".
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Ademais, ela aponta que "a questão dos compromissos brasileiros com os direitos humanos também deve ser considerada".

"Dado o genocídio israelense em Gaza, a postura brasileira — no que diz respeito aos recursos para os refugiados palestinos [UNRWA] — é coerente com a crítica que o atual governo brasileiro tem feito às ações de Israel contra os palestinos em Gaza. Por isso, mais do que querer estar presente nos debates globais, o que efetivamente não podemos desconsiderar, pois o governo Lula quer fazer do Brasil um ator de peso no cenário internacional. Acho que não podemos negligenciar a postura humanitária do atual governo na condenação do genocídio contra os palestinos."

Para Reis, a defesa da causa palestina pode ser uma forma de o Brasil fortalecer a voz do Sul Global contra a ofensiva israelense.
"Não podemos esquecer que, no atual contexto de surgimento de uma ordem global mais multipolar, sendo o Brasil parte desse processo com o BRICS, nos governos Lula é possível perceber a demonstração de simpatia aos Estados árabes, visto que alguns desses países possuem relevância na estratégia anti-hegemônica brasileira. No entanto, até mesmo governos militares, na década de 1970, desenvolveram intensos fluxos comerciais com países árabes, principalmente devido às necessidades brasileiras de importação de petróleo, na esteira do choque do petróleo."
A opinião de Reis é compartilhada por Issam Rabih Menem, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima).
"O Brasil tem um longo histórico de apoio à Palestina, seja financeiro ou por meio da cooperação Sul-Sul, tal qual: treinamento de técnicos palestinos na área de desenvolvimento urbano [2009]; capacitação em técnicas de fisioterapia para profissionais da saúde palestinos [2010]; missão de cooperação técnica em saúde, saneamento e gestão de fundos públicos na Palestina [2010]; e capacitação técnica em gestão de resíduos sólidos e gestão de fundos de financiamento público na Palestina [2011]."
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Ele acrescenta que, por meio da Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária (CGCH), "o Brasil contribuiu com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura [FAO, na sigla em inglês], destinando US$ 200 mil [cerca de R$ 1,1 milhão] para ações emergenciais em apoio à produção agrícola familiar na Faixa de Gaza".
"Mais recentemente, em 2023, o Brasil doou 150 purificadores de água com painéis solares para os refugiados palestinos."

Anúncio de Lula pode aumentar o atrito na relação entre Brasil e Israel?

Reis diz não considerar que os recentes atritos possam levar a um rompimento diplomático com Israel, apesar de existirem "pressões de movimentos da sociedade civil para que o Brasil vá nessa direção ou que pare de comercializar com Israel, principalmente armamentos".
"Mas não vejo nenhuma tendência do atual governo para isso. Há os interesses econômicos e estratégicos de setores militares brasileiros de manter a atual relação, e não vejo o governo Lula com predisposição para enfrentar tais interesses. Por isso, acredito que não haverá grande impacto nas atuais relações com Israel. A não ser sinalizar para o atual governo israelense que o governo Lula tem seus próprios interesses geopolíticos e estratégicos, e não está amarrado aos interesses EUA-Israel. Sem dúvida, será uma relação cheia de ruídos e conflitos, mas continuará existindo."
Questionado sobre o motivo de o Brasil parecer ser o alvo dos ataques mais duros de Israel, quando outros países também se posicionam contra a ofensiva de Tel Aviv em Gaza, Menem diz que "apesar de o Brasil ser um dos primeiros países a reconhecer Israel após sua criação em 1948, a relação de ambos pode ser caracterizada como complexa e marcada por altos e baixos".
"Os 'ataques mais duros' direcionados ao Brasil apenas reafirmam sua liderança regional e seu protagonismo nos grandes fóruns internacionais, influenciando o posicionamento de outros países que reconhecem sua diplomacia multilateral, sua política de promoção da paz e de solidariedade ao Sul Global", conclui o especialista.
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