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'Máquina de engolir terras': queda de Netanyahu não cessaria o avanço de Israel sobre a Palestina
'Máquina de engolir terras': queda de Netanyahu não cessaria o avanço de Israel sobre a Palestina
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que uma eventual queda do primeiro-ministro israelense não pacificaria a questão palestina, pois "há... 04.06.2024, Sputnik Brasil
2024-06-04T15:33-0300
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Em 2011, o então ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, deu um alerta profético em relação a Israel, ao afirmar que se o país não mudasse sua abordagem em relação à Palestina, avançando nas negociações de paz relativas à solução de dois Estados, enfrentaria um tsunami diplomático que levaria ao isolamento e à censura internacional.Treze anos depois, o país vivencia exatamente o cenário vislumbrado por Barak. A maneira como o país responde ao ataque do grupo Hamas é tida como desproporcional e apontada como uma punição coletiva a todos os palestinos por vários países, incluindo o Brasil.No cenário interno, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enfrenta protestos populares que pedem sua deposição e seu próprio partido, o Likud, já discute internamente alternativas ao primeiro-ministro.A onda de críticas alcançou inclusive os EUA, principal aliado de Israel. Recentemente, o senador democrata Charles Schumer, um dos principais líderes da comunidade judaica no Congresso dos EUA, apelou pela substituição de Netanyahu no cargo. Apesar das críticas, Schumer foi um dos congressistas que assinaram recentemente um convite a Netanyahu para discursar no Capitólio. Ele justificou sua adesão ao convite afirmando que a relação de Washington com Israel "é rígida e transcende qualquer primeiro-ministro ou presidente".Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o que uma eventual deposição de Netanyahu representaria para Israel e como ela poderia impactar no Oriente Médio, pacificando ou acirrando a escalada de violência na região.Israel: um governo em 'crise existencial'Para Issam Rabih Menem, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), os ataques perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 "proporcionaram uma janela de oportunidade estratégica para que o projeto colonial israelense avançasse com o processo de limpeza étnica, iniciado em 1948", durante a "Nakba", termo em árabe que significa "catástrofe" ou "desastre" e é usado para designar o êxodo de mais de 700 mil palestinos expulsos de seus lares, após a primeira guerra árabe-israelense. Segundo ele, esse processo ainda é "considerado incompleto por diversos membros influentes do atual governo".Entretanto ele aponta que a "mobilização global em favor dos palestinos desencadeou uma crise existencial" na coalizão do governo Netanyahu, "levando à uma radicalização das ações, a ponto de causar um desgaste significativo até mesmo com seus aliados históricos"."O governo israelense não apenas intensifica o conflito, mas também coloca em xeque a viabilidade das suas alianças internacionais tradicionais, destacando as tensões entre as políticas internas de segurança e a pressão externa por uma solução para o conflito. Este cenário evidencia a crescente influência da opinião pública global e das organizações internacionais na dinâmica do conflito israelense-palestino, sublinhando a importância do engajamento internacional na defesa dos direitos humanos e na promoção da autodeterminação dos povos", afirma.Menem afirma que uma eventual "deposição de Netanyahu, embora seja um evento significativo, pode não ser suficiente para desmantelar a coalizão fundamentalista que o sustenta".Revisionismo sionista como cerne da coalizão de NetanyahuBernardo Kocher, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), se mostra cético quanto à possibilidade de uma eventual queda de Netanyahu resultar em um arrefecimento da violência contra palestinos.Ele ressalta que a política que levou à situação atual da Palestina foi criada tanto por trabalhistas, como Barak, como likudistas, como Netanyahu.Kocher afirma que "Netanyahu é defensor da política do 'Grande Israel', defendida pelos sionistas ditos 'revisionistas'"."Desde o século XIX eles [revisionistas] miravam um país muito maior do que ele é hoje. O Estado sionista foi fundado com as dimensões territoriais que tinha por conta de pragmatismo, pois o Exército desse Estado em 1948 não possuía condições suficientes de conquistar mais terras. Dessa forma, ampliaram ainda em 1948, em 1967, e depois disso a expansão tem sido microscópica, cotidiana e constante. O que está em desenvolvimento atualmente é uma forma de paulatinamente ir na direção do mapa de um Estado muito maior do que é o de hoje. É uma máquina de engolir terras, apoiado pela Europa Ocidental e pelos EUA. Só assim esse sistema funciona, com financiamento internacional", afirma Kocher.Questionado sobre se a declaração do senador Schumer poderia indicar o afrouxamento de laços entre Israel e EUA, Kocher afirma que as críticas do congressista refletem apenas preocupações eleitorais com a reeleição de democratas ao Congresso e de Joe Biden à presidência dos EUA."O que ocorre na Faixa de Gaza atualmente vai certamente retirar votos, fortemente na comunidade árabe. Biden se elegeu com uma margem pequena de votos, e a simples abstenção de qualquer setor insatisfeito favorece, em tese, o candidato Donald Trump. Schumer possui a mesma limitação de Ehud Barak. Apoiou todo tipo de apropriação de terras dos palestinos até os anos 1990; depois disso passou a ter uma posição moderada, mas não faz nada de efetivo, apenas inculpando Benjamin Netanyahu […]. O senador, como muitos opositores de Netanyahu, não são contra a situação desvantajosa do povo palestino em sua terra, ele apenas drenou um problema estrutural para uma questão eleitoral."Ele afirma ainda que "é um mito achar que o problema é o atual primeiro-ministro", pois "há políticos ainda mais radicais do que ele".Por que Netanyahu se permite dobrar a aposta?Apesar da onda de críticas da comunidade internacional, Netanyahu insiste em manter a ofensiva na Faixa de Gaza, adotando um tom que por vezes é apontado por analistas como provocativo.Natalia Reis, professora de história contemporânea do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da UFF, afirma que isso ocorre porque Netanyahu sabe que a posição estratégica que detém blinda seu país de punições."Se formos avaliar que de 2011 a 2024 nada mudou em relação à postura de Israel frente à Palestina e nada aconteceu a nível diplomático contra o Estado israelense, penso que as lideranças israelenses não acreditam que possam sofrer algum tipo de retaliação internacional, independentemente do que façam frente à questão palestina. Há um forte lobby sionista nos EUA e em outras partes do mundo, assim como interesses comerciais da indústria de armas, bem como Israel vem garantindo o apoio norte-americano por ser um forte aliado geopolítico dos EUA na região do Oriente Médio, o que cria a expectativa de não punição pelas ações colocadas em prática há décadas contra a existência de um Estado palestino."Ela enfatiza que os movimentos de Netanyahu antes dos ataques do Hamas de 7 de outubro denotam que ele está "nas mãos dos extremistas" que integram sua coalizão, o que faz da violência da ofensiva parte da equação de Netanyahu para se manter no poder.Ela acrescenta que Itamar Ben Gvir pertenceu, quando jovem, ao Moledet, um partido que defendia a transferência de toda a população muçulmana para fora de Israel, e posteriormente integrou movimentos ainda mais radicais, "que foram considerados terroristas e foram proibidos por Israel"."Ele chegou a ser dispensado do serviço pelas Forças de Defesa de Israel [FDI] por pertencer a organizações de extrema-direita quando era jovem. Seu histórico nos anos 1990 é de atuação contra os Acordos de Oslo. Recebeu diversas acusações por atividades de extrema-direita e foi condenado, em 2007, por incitação ao racismo. Ben Gvir pressionou Netanyahu a fazer um ataque extenso em Rafah, ameaçando retirar o apoio ao primeiro-ministro caso as ofensivas não ocorressem", afirma.Assim como Kocher, Natalia Reis se mostra cética quanto às críticas do senador Schumer, afirmando ser improvável um isolamento total de Israel "devido aos fortes interesses econômicos e geopolíticos que Israel representa para os EUA".A especialista destaca que no cenário atual "fica parecendo que o radicalismo de grupos palestinos ajuda a justificar as ações israelenses, sempre noticiadas como de defesa, nunca de ataque, mesmo Israel sendo a força de ocupação, ou seja, o algoz, não a vítima".Segundo ela, "talvez a queda de Netanyahu abra caminho para uma solução mais pacífica da questão em Gaza, mas somente se houver interesse do próximo grupo político que assumir o poder, e considerando também a pressão da comunidade internacional"."Já vimos governos de tendências diversas serem alçados ao poder em Israel, mas nunca a questão palestina foi solucionada, pela absoluta falta de intenção de Israel em aceitar de fato um Estado palestino em suas fronteiras. Será que o espetáculo do genocídio televisionado será suficiente para alertar aos envolvidos que não há como ter segurança em um Estado que genocida palestinos a céu aberto? As possibilidades do pós-queda de Netanyahu são várias. Desde a formação de uma coalizão política e internacional para lidar com os conflitos no Oriente Médio envolvendo Israel e Palestina de forma mais razoável, pacificando a questão, até mesmo a manutenção dos conflitos em menor extensão, com cessar-fogo, mas sem a resolução da principal questão em aberto, o que eu acho mais provável."Desconfiança e fundamentalismo entre os lados é obstáculo para a pazFernanda Brandão Martins, coordenadora do curso de relações internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, ressalta que no cenário interno de Israel há um constante medo de que o país "seja novamente atacado por todas as fronteiras, como já aconteceu na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o medo do terrorismo vinculado ao fundamentalismo islâmico e da presença de grupos terroristas, como o Hamas e o Hezbollah, em suas fronteiras".Ela aponta que a postura menos moderada de Netanyahu é resultado de sua base política, que reúne segmentos políticos que têm uma visão mais radical e fundamentalista em termos religiosos e para os quais é inconcebível qualquer postura mais moderada em relação à Palestina."São grupos que inclusive compõem a maior parte dos colonos presentes em áreas de ocupação israelense em território palestino, tanto no sul quanto no norte do país. Hoje o governo Netanyahu se encontra em uma posição política muito delicada e depende da continuidade do apoio desses grupos para poder se manter no poder. Além disso, a perpetuação do conflito hoje acaba perpetuando a continuidade do primeiro-ministro no poder, o que lhe é de grande interesse, uma vez que enfrenta uma série de processos por fraude e quebra de confiança, o que poderia colocá-lo na prisão. […]"Martins diz não acreditar que os EUA vão abandonar Israel, uma vez que o país é essencial na disputa com potências como Rússia e China por influência no Oriente Médio."Não acredito que os Estados Unidos vão abandonar Israel, mas que vão aumentar a pressão sobre o governo de Benjamin Netanyahu para que as negociações para um cessar-fogo sejam avançadas e haja uma delimitação mais clara de Israel quanto a seus objetivos e quanto ao emprego do uso da força militar na região […]. O que deve acontecer é os Estados Unidos aumentarem cada vez mais a pressão sobre Israel."Porém ela destaca que o fim completo da animosidade na região é dificultado pela continuidade de reféns sob o controle do Hamas.
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Em 2011, o então ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, deu um alerta profético em relação a Israel, ao afirmar que se o país não mudasse sua abordagem em relação à Palestina, avançando nas negociações de paz relativas à solução de dois Estados, enfrentaria um tsunami diplomático que levaria ao isolamento e à censura internacional.
Treze anos depois, o país vivencia exatamente o cenário vislumbrado por Barak. A maneira como o país responde ao ataque do grupo Hamas é tida como desproporcional e apontada como uma punição coletiva a todos os palestinos por vários países,
incluindo o Brasil.
No cenário interno, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enfrenta protestos populares que pedem sua deposição e seu próprio partido, o Likud, já discute internamente alternativas ao primeiro-ministro.
A onda de críticas alcançou inclusive os EUA, principal aliado de Israel. Recentemente, o senador democrata Charles Schumer, um dos principais líderes da comunidade judaica no Congresso dos EUA, apelou pela substituição de Netanyahu no cargo. Apesar das críticas, Schumer foi um dos congressistas que assinaram recentemente um convite a Netanyahu
para discursar no Capitólio. Ele justificou sua adesão ao convite afirmando que a relação de Washington com Israel
"é rígida e transcende qualquer primeiro-ministro ou presidente".
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o que uma eventual deposição de Netanyahu representaria para Israel e como ela poderia impactar no Oriente Médio, pacificando ou acirrando a escalada de violência na região.
Israel: um governo em 'crise existencial'
Para Issam Rabih Menem, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), os ataques perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 "proporcionaram uma janela de oportunidade estratégica para que o projeto colonial israelense avançasse com o processo de limpeza étnica, iniciado em 1948", durante a "Nakba", termo em árabe que significa "catástrofe" ou "desastre" e é usado para designar o êxodo de mais de 700 mil palestinos expulsos de seus lares, após a primeira guerra árabe-israelense. Segundo ele, esse processo ainda é "considerado incompleto por diversos membros influentes do atual governo".
"Este momento crítico permitiu que as políticas de deslocamento forçado e reconfiguração demográfica, parte integrante da agenda sionista desde a criação do Estado de Israel, fossem intensificadas sob o pretexto de segurança nacional e resposta a supostas ameaças existenciais. Tal contexto reflete a continuidade de um paradigma colonial que visa à consolidação territorial e, em especial, à homogeneização populacional, reforçando as dinâmicas de poder e dominação que caracterizam o conflito israelense-palestino."
Entretanto ele aponta que a "mobilização global em favor dos palestinos desencadeou uma crise existencial" na coalizão do governo Netanyahu, "levando à uma radicalização das ações, a ponto de causar um desgaste significativo até mesmo com seus aliados históricos".
"O governo israelense não apenas intensifica o conflito, mas também coloca em xeque a viabilidade das suas alianças internacionais tradicionais, destacando as tensões entre as políticas internas de segurança e a pressão externa por uma solução para o conflito. Este cenário evidencia a crescente influência da opinião pública global e das organizações internacionais na dinâmica do conflito israelense-palestino, sublinhando a importância do engajamento internacional na defesa dos direitos humanos e na promoção da autodeterminação dos povos", afirma.
Menem afirma que uma eventual "deposição de Netanyahu, embora seja um evento significativo, pode não ser suficiente para desmantelar a coalizão fundamentalista que o sustenta".
"É essencial analisar a resiliência dessa coalizão diante das próximas eleições, pois ela pode continuar a influenciar a política israelense mesmo sem Netanyahu no poder. No cenário internacional, a marginalização dos elementos ultranacionalistas poderia ter um impacto positivo nas negociações de paz na região. Com esses elementos fora de cena, pode haver mais espaço para o diálogo e para o avanço das negociações de paz de forma significativa."
Revisionismo sionista como cerne da coalizão de Netanyahu
Bernardo Kocher, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), se mostra cético quanto à possibilidade de uma eventual queda de Netanyahu resultar em um arrefecimento da violência contra palestinos.
Ele ressalta que a política que levou à situação atual da Palestina foi criada tanto por trabalhistas, como Barak, como likudistas, como Netanyahu.
"Ambos são responsáveis por esta situação dramática que ora vivemos. Os trabalhistas foram responsáveis pela Nakba de 1948; as correntes de direita fazem assentamentos na Cisjordânia desde 1967, ampliando o escopo da tomada das terras palestinas. Sendo assim, ambos têm as mesmas práticas."
Kocher afirma que "Netanyahu é defensor da política do 'Grande Israel', defendida pelos sionistas ditos 'revisionistas'".
"Desde o século XIX eles [revisionistas] miravam um país muito maior do que ele é hoje. O Estado sionista foi fundado com as dimensões territoriais que tinha por conta de pragmatismo, pois o Exército desse Estado em 1948 não possuía condições suficientes de conquistar mais terras. Dessa forma, ampliaram ainda em 1948, em 1967, e depois disso a expansão tem sido microscópica, cotidiana e constante. O que está em desenvolvimento atualmente é uma forma de paulatinamente ir na direção do mapa de um Estado muito maior do que é o de hoje. É uma máquina de engolir terras, apoiado pela Europa Ocidental e pelos EUA. Só assim esse sistema funciona, com financiamento internacional", afirma Kocher.
Questionado sobre se a declaração do senador Schumer poderia indicar o afrouxamento de laços entre Israel e EUA, Kocher afirma que as críticas do congressista refletem apenas preocupações eleitorais com a reeleição de democratas ao Congresso e de Joe Biden à presidência dos EUA.
"O que ocorre na Faixa de Gaza atualmente vai certamente retirar votos, fortemente na comunidade árabe. Biden se elegeu com uma margem pequena de votos, e a simples abstenção de qualquer setor insatisfeito favorece, em tese, o candidato Donald Trump. Schumer possui a mesma limitação de Ehud Barak. Apoiou todo tipo de apropriação de terras dos palestinos até os anos 1990; depois disso passou a ter uma posição moderada, mas não faz nada de efetivo, apenas inculpando Benjamin Netanyahu […]. O senador, como muitos opositores de Netanyahu, não são contra a situação desvantajosa do povo palestino em sua terra, ele apenas drenou um problema estrutural para uma questão eleitoral."
Ele afirma ainda que "é um mito achar que o problema é o atual primeiro-ministro", pois "há políticos ainda mais radicais do que ele".
"Os assentamentos na Cisjordânia, com 800 mil colonos, são uma base eleitoral fantástica e se formaram em sua maioria nos governos do Likud mais partidos aliados. A eventual derrota destes apenas retiraria a pressão da política interna e internacional que se avolumou com as imagens da política social genocida […]. Se ele cair, passaríamos, de novo, a viver o 'sionismo normal' e não o 'sionismo radical' de Netanyahu e seus aliados."
Por que Netanyahu se permite dobrar a aposta?
Apesar da onda de críticas da comunidade internacional, Netanyahu insiste em manter a ofensiva na Faixa de Gaza, adotando um tom que por vezes é apontado por analistas como provocativo.
Natalia Reis, professora de história contemporânea do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da UFF, afirma que isso ocorre porque Netanyahu sabe que a posição estratégica que detém blinda seu país de punições.
"Se formos avaliar que de 2011 a 2024 nada mudou em relação à postura de Israel frente à Palestina e nada aconteceu a nível diplomático contra o Estado israelense, penso que as lideranças israelenses não acreditam que possam sofrer algum tipo de retaliação internacional, independentemente do que façam frente à questão palestina. Há um forte lobby sionista nos EUA e em outras partes do mundo, assim como interesses comerciais da indústria de armas, bem como Israel vem garantindo o apoio norte-americano por ser um forte aliado geopolítico dos EUA na região do Oriente Médio, o que cria a expectativa de não punição pelas ações colocadas em prática há décadas contra a existência de um Estado palestino."
Ela enfatiza que os movimentos de Netanyahu antes dos ataques do Hamas de 7 de outubro denotam que ele está "nas mãos dos extremistas" que integram sua coalizão, o que faz da violência da ofensiva parte da equação de Netanyahu para se manter no poder.
"Em 2022, ele [Netanyahu] trouxe para a sua coligação política forças de extrema-direita para garantir apoio ao seu objetivo de se tornar primeiro-ministro […]. Foram feitos acordos com os extremistas para se manter no poder e evitar a punição por acusações de fraudes e subornos que Netanyahu vem enfrentando. Ele por si só já representa a ala mais à direita em Israel, mas a entrada no governo de elementos como Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich torna tudo muito mais dramático", explica.
Ela acrescenta que Itamar Ben Gvir pertenceu, quando jovem, ao Moledet, um partido que defendia a transferência de toda a população muçulmana para fora de Israel, e posteriormente integrou movimentos ainda mais radicais, "que foram considerados terroristas e foram proibidos por Israel".
"Ele chegou a ser dispensado do serviço pelas Forças de Defesa de Israel [FDI] por pertencer a organizações de extrema-direita quando era jovem. Seu histórico nos anos 1990 é de atuação contra os Acordos de Oslo. Recebeu diversas acusações por atividades de extrema-direita e foi condenado, em 2007, por incitação ao racismo. Ben Gvir pressionou Netanyahu a fazer um ataque extenso em Rafah, ameaçando retirar o apoio ao primeiro-ministro caso as ofensivas não ocorressem", afirma.
Assim como Kocher, Natalia Reis se mostra cética quanto às críticas do senador Schumer, afirmando ser improvável um isolamento total de Israel "devido aos fortes interesses econômicos e geopolíticos que Israel representa para os EUA".
"A tendência é haver uma pressão cada vez maior dos norte-americanos para que Israel retroceda e negocie, como Biden já vem fazendo, mas um isolamento requer sanções econômicas também. Fazer sanções comerciais e econômicas contra Cuba e a Rússia é fácil, países tradicionalmente rivais geopolíticos dos EUA, mas contra Israel? Eu pessoalmente não acredito."
A especialista destaca que no cenário atual "fica parecendo que o radicalismo de grupos palestinos ajuda a justificar as ações israelenses, sempre noticiadas como de defesa, nunca de ataque, mesmo Israel sendo a força de ocupação, ou seja, o algoz, não a vítima".
Segundo ela, "talvez a queda de Netanyahu abra caminho para uma solução mais pacífica da questão em Gaza, mas somente se houver interesse do próximo grupo político que assumir o poder, e considerando também a pressão da comunidade internacional".
"Já vimos governos de tendências diversas serem alçados ao poder em Israel, mas nunca a questão palestina foi solucionada, pela absoluta falta de intenção de Israel em aceitar de fato um Estado palestino em suas fronteiras. Será que o espetáculo do genocídio televisionado será suficiente para alertar aos envolvidos que não há como ter segurança em um Estado que genocida palestinos a céu aberto? As possibilidades do pós-queda de Netanyahu são várias. Desde a formação de uma coalizão política e internacional para lidar com os conflitos no Oriente Médio envolvendo Israel e Palestina de forma mais razoável, pacificando a questão, até mesmo a manutenção dos conflitos em menor extensão, com cessar-fogo, mas sem a resolução da principal questão em aberto, o que eu acho mais provável."
Desconfiança e fundamentalismo entre os lados é obstáculo para a paz
Fernanda Brandão Martins, coordenadora do curso de relações internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, ressalta que no cenário interno de Israel há um constante medo de que o país "seja novamente atacado por todas as fronteiras, como já aconteceu na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e o medo do terrorismo vinculado ao fundamentalismo islâmico e da presença de grupos terroristas, como o Hamas e o Hezbollah, em suas fronteiras".
"A questão da integridade territorial e o histórico de conflito na região é um dos elementos que contribuem para que uma postura mais moderada seja mais difícil de ser alcançada. Porém há um entendimento bastante amplo na comunidade internacional de que a integridade territorial de Israel depende, em alguma medida, do reconhecimento do Estado palestino, retirando parte dos elementos que motivam a violência contra judeus e israelenses. Porém alguns segmentos políticos dentro do país, principalmente associados a movimentos religiosos mais extremistas, não concordam com essa postura e temem que o reconhecimento do Estado palestino aumente o risco para o Estado israelense."
Ela aponta que a postura menos moderada de Netanyahu é resultado de sua base política, que reúne segmentos políticos que têm uma visão mais radical e fundamentalista em termos religiosos e para os quais é inconcebível qualquer postura mais moderada em relação à Palestina.
"São grupos que inclusive compõem a maior parte dos colonos presentes em áreas de ocupação israelense em território palestino, tanto no sul quanto no norte do país. Hoje o governo Netanyahu se encontra em uma posição política muito delicada e depende da continuidade do apoio desses grupos para poder se manter no poder. Além disso, a perpetuação do conflito hoje acaba perpetuando a continuidade do primeiro-ministro no poder, o que lhe é de grande interesse, uma vez que enfrenta uma série de processos por fraude e quebra de confiança, o que poderia colocá-lo na prisão. […]"
Martins diz não acreditar que os EUA vão abandonar Israel,
uma vez que o país é essencial na disputa com potências como Rússia e China por influência no Oriente Médio.
"Não acredito que os Estados Unidos vão abandonar Israel, mas que vão aumentar a pressão sobre o governo de Benjamin Netanyahu para que as negociações para um cessar-fogo sejam avançadas e haja uma delimitação mais clara de Israel quanto a seus objetivos e quanto ao emprego do uso da força militar na região […]. O que deve acontecer é os Estados Unidos aumentarem cada vez mais a pressão sobre Israel."
Porém ela destaca que o fim completo da animosidade na região é dificultado pela continuidade de reféns sob o controle do Hamas.
"Um governo mais moderado poderia se encaminhar para estabelecer negociações para que o cessar-fogo fosse alcançado e os reféns retornados e a busca de um novo equilíbrio na região. Porém enquanto grupos terroristas forem financiados por governos extremistas e grupos religiosos fundamentalistas, a paz no Oriente Médio sempre será instável."
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