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Acordo Mercosul-Emirados Árabes Unidos: agora vai?

© Foto / Divulgação / Ricardo StuckertO presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan, seu homólogo dos Emirados Árabes Unidos, em 15 de abril de 2023
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan, seu homólogo dos Emirados Árabes Unidos, em 15 de abril de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 03.07.2024
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Passados quase 20 anos desde o início das negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e os Emirados Árabes Unidos, o Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior aprovou na semana passada o mandato negociador do acordo. A primeira rodada de negociações está ocorrendo em Assunção, capital do Paraguai.
Com dezenas de bilhões de reais em infraestrutura, energia renovável e refinarias, o portfólio de investimentos dessa nação da península arábica no Brasil só cresce e promete aumentar ainda mais com um eventual acordo. Especialistas no assunto abordam os impactos, os desafios e a relevância desse pacto com exclusividade para a Sputnik Brasil.
Priscila Caneparo, professora de direito internacional da Universidade Católica de Brasília (UCB) e da Ambra University (EUA), comenta a "dupla faceta" do acordo.

"Primeiro [a faceta de] ampliar o papel do Mercosul no contexto do mundo, principalmente voltando-se para esta questão do relacionamento Sul-Sul, […] [e] também [a de] facilitar acordos que são do interesse do Brasil, principalmente focando os países do golfo Pérsico."

Para o professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi João Stevam, a assinatura do acordo pode significar maior aproximação também na área de investimentos, que tem sido o foco do Brasil, pelas recentes parcerias firmadas pelas empresas desses países.

"Atualmente os EAU são um importante mercado em setores que o governo brasileiro tem buscado internacionalizar nas últimas décadas, como o de agropecuária e, em menor medida, de alguns bens manufaturados", comentou.

Ele disse acreditar que o acordo não deve demorar a sair, sendo alvo de apreciação apenas questões técnicas.
Já a coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Silvia Ferabolli, não é tão otimista:

"Desta primeira rodada negociadora, até acontecer alguma coisa vai levar anos. Talvez leve décadas. Enquanto o Brasil, a América do Sul, os países árabes, o Conselho de Cooperação do Golfo não começarem a estabelecer outras formas de relações para além da questão comercial, esses acordos não vão sair do papel. Porque não temos fluxo de comércio forte o suficiente para sustentar um acordo maior de comércio interregional", argumenta ela.

O que o Brasil tem a ganhar com os Emirados Árabes Unidos?

O professor de direito internacional da Universidade de Itaúna (UIT) e autor do livro "Descobrindo os Emirados Árabes Unidos", Wiliander França Salomão, destaca que o Brasil já é o principal parceiro comercial dos EAU na América do Sul, com 30 empresas estabelecidas no país árabe. Os setores de petróleo, tecnologia, agronegócio, segurança e turismo serão os setores mais beneficiados pelo acordo, segundo ele.

"Em 2023 os negócios realizados entre os dois países atingiram US$ 4,3 bilhões [cerca de R$ 24 bilhões]. O Brasil exporta açúcar, carne bovina, frango e ferro e importa produtos químicos, petróleo e seus derivados", acrescenta.

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Desafios

Wiliander comenta que um dos desafios para o avanço do acordo são as barreiras não tarifárias de produtos que são proibidos e restritos nos Emirados Árabes, como bebidas alcoólicas, produtos suínos, fogos de artifício, explosivos, armas de fogo, entre outros.
"O Ministério da Mudança Climática e do Meio Ambiente proibiu a importação de qualquer combustível produzido a partir de resíduos. Outra proibição é da importação de suínos vivos, amianto, redes de pesca de nylon, máquinas de jogos de azar", descreve ele.
O fato de o Mercosul não ter uma tarifa externa comum unificada para todos os países ainda dificulta a eliminação de barreiras para um Estado de fora do bloco, acrescenta a professora da UCB.

"Precisamos antes arrumar nossa casa, para então começarmos a falar efetivamente da questão da isenção de barreiras alfandegárias para terceiros países, aprofundar o que é integração regional econômica, para a gente transpor essa terceira fase, que é justamente a da tarifa externa comum", opina ela.

Para a professora, o Brasil está muito preparado para as imposições fitossanitárias do Oriente Médio, principalmente em relação à religião.

"Não vai ser uma grande barreira, em relação à questão da logística do setor agropecuário brasileiro, para se adequar a essa prospecção. Mas existe, sim, muita imposição e muita questão que vai ser colocada em um possível acordo em relação à questão fitossanitária."

Caneparo salienta que o Brasil tem diversos acordos com os Emirados Árabes Unidos, desenvolvidos desde 2020, para facilitar as transações comerciais e investimentos, e aprofundar o comércio.
Um deles foi firmado em 2021, para evitar dupla tributação, e em 2023 um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) criou mecanismos permanentes de consulta bilateral e prevenção de conflitos.
Também no ano passado foi assinado um compromisso de investimento de R$ 12 bilhões, ao longo de dez anos, pelos Emirados Árabes na construção de uma fábrica de diesel verde e de querosene de aviação sustentável na Bahia.

"Essa aproximação do Brasil com os EAU pode ser vista a partir de um contexto mais amplo da política externa brasileira, que tem dado maior importância à aproximação com os países da Liga Árabe, principalmente Arábia Saudita e EAU, no contexto de um renovado foco na cooperação Sul-Sul", comenta Stevam, que também destaca o potencial de maior vínculo político com esses países envolvendo instituições internacionais, como o BRICS, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP+) e o próprio Mercosul.

Emirados Árabes e Mercosul: demora de mais de 20 anos

O acordo volta a avançar mais de duas décadas depois da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Liga Árabe e quase duas décadas depois da assinatura do marco de cooperação Mercosul-Conselho de Cooperação do Golfo.
Stevam avalia que por envolver cinco países com diferentes formas de internacionalizar sua economia, é natural que haja menor celeridade no processo de aprovação preliminar das negociações.
Para Wiliander, a demora nos avanços do acordo deveu-se aos esforços do bloco sul-americano para fechar as negociações para o acordo com a União Europeia.
Caneparo atribui a demora também ao lobby dos setores da indústria e lembra que o Brasil realizou uma consulta pública para saber a posição da indústria sobre o acordo no ano passado.

"Existe alguma resistência em relação ao acordo e uma preocupação dos produtos dos Emirados que podem ingressar no Brasil; medo de salvaguarda, medo de dumping."

Ferabolli ressalta que a pressão do setor petroquímico brasileiro é um dos motivos por que o acordo de cooperação entre o Mercosul e o Conselho de Cooperação do Golfo não se concretizou.

"Especialmente o Brasil tem muito medo de que os petroquímicos do Golfo invadam o mercado brasileiro, e esse é um setor muito caro ao Brasil", afirma a professora da UFRGS.

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O acordo traz avanços para as parcerias comerciais, mas também pode significar retrocesso por não envolver o Conselho de Cooperação do Golfo, como previa um acordo firmado em 2005, pondera ela.

"Realmente é muito difícil conseguir fazer avançar um acordo dessa magnitude entre países tão distantes e ainda em desenvolvimento", acrescenta.

Cinquenta anos de relações diplomáticas

Mês passado, Brasil e Emirados Árabes Unidos completaram 50 anos de relações diplomáticas, inauguradas em 10 de junho de 1974. O Brasil estabeleceu sua embaixada em Abu Dhabi em 1978, e os Emirados Árabes abriram sua primeira embaixada na América Latina em Brasília, em 1991.
Em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou o país árabe em duas ocasiões: em abril, encontrou-se com o presidente dos EAU, o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan, e em dezembro participou da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), em Dubai.
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