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De laboratório experimental a detentor da produção: é possível ter uma IA com a cara do Sul Global?
De laboratório experimental a detentor da produção: é possível ter uma IA com a cara do Sul Global?
Sputnik Brasil
O ritmo acelerado de desenvolvimento da inteligência artificial, que em poucos anos deixou de ser uma tecnologia distante, exige ações rápidas dos países, para... 12.07.2024, Sputnik Brasil
2024-07-12T12:00-0300
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Enquanto empresas bilionárias (principalmente nos Estados Unidos) dominam o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) às custas dos dados de milhões de pessoas mundo afora, a assimetria tecnológica e o domínio colonialista ocidental seguem sendo reproduzidos e por vezes até impulsionados por esse setor crucial para a nova economia das nações.Muitas vezes com artifícios até ilegais, a coleta dessas valiosas informações tem gerado reações, ainda incipientes, e questionamentos sobre o futuro, principalmente no Sul Global.No início do mês, a Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas) anunciou uma nova política de privacidade para permitir o uso dos dados de usuários das suas redes sociais para treinar o próprio sistema de inteligência artificial generativa.Porém houve reação do governo brasileiro, que, através da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), proibiu a aplicação da medida no país, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento.Já a empresa alegou estar "desapontada" com a decisão federal. Nesta semana, durante a cúpula do Mercosul no Paraguai, Lula voltou a falar sobre o assunto e defendeu o desenvolvimento de uma IA da América do Sul, ao lembrar também que "a governança regional de dados é vital para a soberania futura".O professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paulo Cruz Terra frisou à Sputnik Brasil que é crucial para o Sul Global, do qual o Brasil faz parte, entrar "mais firmemente na produção de tecnologias de inteligência artificial" e, com isso, não perder mais essa nova janela de oportunidades, como ocorreu em várias outras situações do desenvolvimento mundial.O especialista lembra ainda de denúncias sobre o uso até de dados gerados por crianças para o treinamento de softwares."A Índia também é um grande espaço [de uso dos países para desenvolver a IA], e percebemos que não é um processo de agora a captação de informações, inclusive de forma ilegal. Isso também entra em um ponto muito importante, que é a regulação. Inclusive nessa questão há uma enorme desigualdade no mundo, com países do Norte Global, como os da União Europeia, muito à frente, enquanto ainda estamos discutindo como regular essa questão", acrescenta.Como está a inteligência artificial no Brasil?Diante de um mercado que promete movimentar pelo menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,04 trilhões) até 2032, o investimento em inteligência artificial é, para o professor da UFF, sinônimo também de desenvolvimento econômico. "Os países que dominam essas tecnologias são aqueles com o maior desenvolvimento industrial. Temos que pensar também que essa é uma possibilidade justamente de diminuir essa assimetria, pensar não só o Brasil como consumidor, mas como indutor. A fala do presidente Lula [nos fóruns mundiais] é importante, mas há um elemento fundamental: o governo brasileiro precisa investir na produção tecnológica. Uma coisa é apontar que é importante, outra é colocar em prática. E para isso, é preciso aumentar os gastos com ciência e tecnologia", defende.Dados divulgados no fim do ano passado pelo Senado Federal revelaram que o Brasil investe cerca de 1,2% do produto interno bruto (PIB) em ciência e tecnologia, enquanto países como China, Alemanha e Austrália ultrapassam 2% e Israel chega a 4%. Apoiada por 32 senadores, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em discussão no Parlamento quer obrigar o investimento público mínimo de 2,5% do PIB no setor até 2033, com metas anuais. Desde novembro do ano passado, o texto segue parado na Comissão de Constituição e Justiça, a primeira da Casa.Quais são os impactos negativos da inteligência artificial?Para além do uso ilegal de dados de usuários para o desenvolvimento de sistemas de IA sem qualquer contrapartida das empresas, as ferramentas são denunciadas por perpetuarem questões raciais, de gênero e até classe.No caso do reconhecimento facial, cada vez mais utilizado pela segurança pública brasileira, em abril um homem foi detectado erroneamente em um estádio de futebol e preso pela polícia de Sergipe. O caso, inclusive, fez o governo local suspender o uso da tecnologia. "Lamento a falha na ferramenta de reconhecimento facial ocorrida durante a final do Campeonato Sergipano. Reconhecemos a importância da tecnologia para a segurança pública e, devido ao ocorrido, determinei a suspensão do uso do sistema até que um novo protocolo seja implantado", declarou à época o governador Fábio Mitidieri (PSD).O professor da UFF pontua que diversos estudos já demonstraram que não existe tecnologia neutra e, diante disso, vários "vieses" sociais estão presentes nas ferramentas."Se a gente pegar, por exemplo, um braço da inteligência artificial, que é a tecnologia de reconhecimento facial, já existe uma série de levantamentos que vão mostrar como a produção dessas tecnologias está atravessada pela questão racial, de identidades sexuais divergentes, e como isso impacta, por exemplo, no funcionamento desses softwares. Então é claro que é possível pensar em um cenário em que a IA possa beneficiar essa pluralidade, mas nesse sentido é fundamental que tenha regulação. Esse é um ponto fundamental, porque pode ser usada para fins muito diferentes, inclusive no cenário eleitoral", defende.Diante disso, a defesa de uma IA inclusiva e que respeite a diversidade cultural ganha cada vez mais voz no Sul Global e, para o especialista, é uma vontade que pode ser alcançada. "Essa tem sido uma tentativa de outros países do BRICS também, porque é uma chave deste momento contemporâneo. Dominar o desenvolvimento da inteligência artificial vai determinar, de certa forma, inclusive, quais países vão poder se desenvolver mais economicamente, e a gente está falando também de poder político, como essas coisas também se atravessam […]. E nesse sentido, pensar como um bloco também é fundamental para reforçar, inclusive, a importância geopolítica na confluência e no contato com outras forças mundiais", finaliza.Quais são os principais problemas da tecnologia?Coordenador do curso de engenharia da computação no Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o professor Augusto Baffa enfatizou à Sputnik Brasil que as maiores disparidades tecnológicas entre os países desenvolvidos e os emergentes estão ligadas principalmente à educação e à tecnologia, o que também reflete no desenvolvimento de ferramentas como a IA. "No Brasil, por exemplo, temos uma barreira econômica muito grande, já que é um país que não produz equipamentos tecnológicos e eletrônicos, além de não ter uma grande indústria nesse setor. Com isso, quase tudo que se consome é importado, principalmente em dólar, e ainda tem as taxas", explica.Diante dessa realidade, as inovações podem chegar ao país muitas vezes dez vezes mais caras que o valor correspondente ao país produtor. "Para pensar o desenvolvimento tecnológico, é preciso ter acesso às principais tecnologias, que estão extremamente caras […]. Vou dar um exemplo de um computador infantil feito para ensinar tecnologia e robótica para crianças, que é produzido para custar US$ 50, que no nosso poder de compra poderia ser R$ 50. Já fazendo a cotação, esse valor sobe mais de cinco vezes [R$ 270], [e ainda] tem as taxas de importação e os impostos, como ICMS, entre outros. Com tudo isso, um equipamento que é feito para ser barato chega ao Brasil a mais de R$ 600", compara, ao acrescentar que esse custo elevado é um entrave ao desenvolvimento nacional.Qual é o objetivo do BRICS?Grupo que atualmente avançou para além dos países da sigla (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e ganhou importantes novos membros neste ano, o BRICS tem sido uma das principais ferramentas de resistência à dominação ocidental no planeta, inclusive no setor tecnológico. E na área de inteligência artificial, o professor da PUC-Rio destaca o papel da China, que pode atuar ainda mais em parceria com as demais nações.
https://noticiabrasil.net.br/20240612/especialistas-explicam-o-que-e-o-marco-legal-da-inteligencia-artificial-em-tramitacao-no-congresso-35081280.html
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Enquanto empresas bilionárias (
principalmente nos Estados Unidos) dominam o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) às custas dos dados de milhões de pessoas mundo afora,
a assimetria tecnológica e o domínio colonialista ocidental seguem sendo reproduzidos e por vezes até impulsionados por esse setor crucial para a nova economia das nações.
Muitas vezes com artifícios até ilegais, a coleta dessas valiosas informações tem gerado reações, ainda incipientes, e questionamentos sobre o futuro,
principalmente no Sul Global.
"A inteligência artificial nada mais é do que a esperteza de algumas empresas que acumulam conhecimento de todos os seres humanos. E com a acumulação desses dados, sem pagar um único centavo de dólar ao povo, eles conseguem fazer o que estão fazendo no mundo", chegou a denunciar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em junho.
No início do mês, a Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas)
anunciou uma nova política de privacidade para permitir o uso dos dados de usuários das suas redes sociais para treinar o próprio
sistema de inteligência artificial generativa.
Porém houve reação do governo brasileiro, que, através da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), proibiu a aplicação da medida no país, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento.
Já a empresa alegou estar "desapontada" com a decisão federal. Nesta semana, durante a
cúpula do Mercosul no Paraguai, Lula voltou a falar sobre o assunto e defendeu o desenvolvimento de uma IA da América do Sul, ao lembrar também que "a governança regional de dados é vital para a soberania futura".
"É preciso habilitar nossa região a desenvolver capacidade própria de coletar, processar e armazenar dados, insumo fundamental para avançar no desenvolvimento tecnológico e na digitalização da indústria regional", declarou o petista na última segunda-feira (8).
O professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paulo Cruz Terra frisou à Sputnik Brasil que é crucial para o Sul Global, do qual o Brasil faz parte, entrar "mais firmemente na produção de tecnologias de inteligência artificial" e, com isso, não perder mais essa nova janela de oportunidades, como ocorreu em várias outras situações do desenvolvimento mundial.
"Um ponto fundamental a ser pensado é que os países não devem servir apenas como um laboratório [de testes da tecnologia e captação de dados], mas sim como produtores. E esse é um momento-chave para que o Brasil, por exemplo, possa se tornar menos dependente das chamadas nações centrais", resume.
O especialista lembra ainda de denúncias sobre o uso até de dados gerados por crianças para o treinamento de softwares.
"A Índia também é um grande espaço [de uso dos países para desenvolver a IA], e percebemos que não é um processo de agora a captação de informações, inclusive de forma ilegal. Isso também entra em um ponto muito importante, que é a regulação. Inclusive nessa questão há uma
enorme desigualdade no mundo, com países do Norte Global, como os da União Europeia, muito à frente, enquanto ainda estamos discutindo como regular essa questão", acrescenta.
Como está a inteligência artificial no Brasil?
Diante de um mercado que promete movimentar
pelo menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,04 trilhões) até 2032, o investimento em inteligência artificial é, para o professor da UFF, sinônimo também de
desenvolvimento econômico. "Os países que dominam essas tecnologias são aqueles com o maior desenvolvimento industrial. Temos que pensar também que essa é uma possibilidade justamente de diminuir essa assimetria, pensar não só o Brasil como consumidor, mas como indutor. A fala do presidente Lula [nos fóruns mundiais] é importante, mas há um elemento fundamental: o governo brasileiro precisa investir na produção tecnológica.
Uma coisa é apontar que é importante, outra é colocar em prática. E para isso, é preciso aumentar os gastos com ciência e tecnologia", defende.
Dados divulgados no fim do ano passado pelo Senado Federal revelaram que o Brasil investe
cerca de 1,2% do produto interno bruto (PIB) em ciência e tecnologia, enquanto países como China, Alemanha e Austrália ultrapassam 2% e Israel chega a 4%. Apoiada por 32 senadores, uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em discussão no Parlamento quer obrigar o investimento público mínimo de 2,5% do PIB no setor até 2033, com metas anuais. Desde novembro do ano passado, o
texto segue parado na Comissão de Constituição e Justiça, a primeira da Casa.
"Sem isso [aumento do investimento], a defesa do desenvolvimento de uma IA regional vira meramente uma retórica […]. Tivemos um incremento do gasto em ciência e tecnologia na comparação com o governo anterior, mas é importante dizer que as coisas não estão maravilhosas. O Brasil ainda está muito atrás […], e grande parte desse processo é feito majoritariamente nas universidades — as empresas ainda têm pouca participação, se for comparar com outros países do mundo. Por isso, é preciso combinar a retórica com a prática, e isso vai acontecer se houver financiamento público para projetos relacionados à IA", diz.
Quais são os impactos negativos da inteligência artificial?
Para além do uso ilegal de dados de usuários para o desenvolvimento de sistemas de IA
sem qualquer contrapartida das empresas, as ferramentas são denunciadas por perpetuarem
questões raciais, de gênero e até classe.
No caso do reconhecimento facial, cada vez mais utilizado pela segurança pública brasileira, em abril um homem foi detectado erroneamente em um estádio de futebol e preso pela polícia de Sergipe. O caso, inclusive, fez o governo local suspender o uso da tecnologia. "Lamento a falha na ferramenta de reconhecimento facial ocorrida durante a final do Campeonato Sergipano. Reconhecemos a importância da tecnologia para a segurança pública e, devido ao ocorrido, determinei a suspensão do uso do sistema até que um novo protocolo seja implantado", declarou à época o governador Fábio Mitidieri (PSD).
O professor da UFF pontua que diversos estudos já demonstraram que não existe tecnologia neutra e, diante disso, vários "vieses" sociais estão presentes nas ferramentas.
"Se a gente pegar, por exemplo, um braço da inteligência artificial, que é a tecnologia de reconhecimento facial, já existe uma série de levantamentos que vão mostrar como a
produção dessas tecnologias está atravessada pela questão racial, de identidades sexuais divergentes, e como isso impacta, por exemplo,
no funcionamento desses softwares. Então é claro que é possível pensar em um cenário em que a IA possa beneficiar essa pluralidade, mas nesse sentido é fundamental que tenha regulação. Esse é um ponto fundamental, porque pode ser usada para fins muito diferentes, inclusive no cenário eleitoral", defende.
Diante disso, a defesa de uma IA inclusiva e que respeite a diversidade cultural ganha cada vez mais voz no Sul Global e, para o especialista, é uma vontade que pode ser alcançada. "Essa tem sido uma tentativa de outros países do BRICS também, porque é uma chave deste momento contemporâneo. Dominar o desenvolvimento da inteligência artificial vai determinar, de certa forma, inclusive, quais países vão poder se desenvolver mais economicamente, e a gente está falando também de poder político, como essas coisas também se atravessam […]. E nesse sentido, pensar como um bloco também é fundamental para reforçar, inclusive, a importância geopolítica na confluência e no contato com outras forças mundiais", finaliza.
Quais são os principais problemas da tecnologia?
Coordenador do curso de engenharia da computação no Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o professor Augusto Baffa enfatizou à Sputnik Brasil que as maiores disparidades tecnológicas entre
os países desenvolvidos e os emergentes estão ligadas principalmente à educação e à tecnologia, o que também reflete no desenvolvimento de ferramentas como a IA. "No Brasil, por exemplo, temos uma barreira econômica muito grande, já que é um país que não produz equipamentos tecnológicos e eletrônicos, além de não ter uma grande indústria nesse setor. Com isso, quase tudo que se consome é importado, principalmente em dólar, e ainda tem as taxas", explica.
Diante dessa realidade, as inovações podem chegar ao país muitas vezes
dez vezes mais caras que o valor correspondente ao país produtor. "Para pensar o desenvolvimento tecnológico, é preciso ter acesso às principais tecnologias, que estão extremamente caras […]. Vou dar um exemplo de um computador infantil feito para
ensinar tecnologia e robótica para crianças, que é produzido para custar US$ 50, que no nosso poder de compra poderia ser R$ 50. Já fazendo a cotação, esse valor sobe mais de cinco vezes [R$ 270], [e ainda] tem as taxas de importação e os impostos, como ICMS, entre outros. Com tudo isso, um equipamento que é feito para ser barato chega ao Brasil a mais de R$ 600", compara, ao acrescentar que
esse custo elevado é um entrave ao desenvolvimento nacional.
Qual é o objetivo do BRICS?
Grupo que atualmente avançou para além dos países da sigla (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e ganhou importantes novos membros neste ano, o BRICS tem sido uma das principais ferramentas de resistência à dominação ocidental no planeta, inclusive no setor tecnológico. E na área de inteligência artificial, o professor da PUC-Rio destaca o papel da China, que pode atuar ainda mais em parceria com as demais nações.
"O país poderia ser, de fato, uma liderança no ponto de vista da inovação tecnológica dentro do grupo, não para ajudar a trazer ferramentas para combater a dominação ocidental, mas para diminuir a desigualdade através do compartilhamento de conhecimento e apoio. Temos também a Índia, com muita pesquisa, a Rússia e o Brasil, que tem grande potencial, mas o grande problema é, infelizmente, a falta de recursos", pontua.
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