Trump reduzirá papel do conflito ucraniano na política externa para focar na China, dizem analistas
09:36 12.07.2024 (atualizado: 11:36 12.07.2024)
© AFP 2023 / Giorgio VieiraO ex-presidente dos EUA e candidato republicano à presidência, Donald Trump, fala durante um comício em Doral, Flórida, em 9 de julho de 2024
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Política externa do candidato republicano à presidência dos EUA começa a tomar forma, conforme Trump se declara a favor de negociações na Ucrânia. Foco na China e militarização da Ásia devem determinar a diplomacia trumpista de "paz através da força", dizem analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Nesta sexta-feira (12), o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, declarou ter recebido garantias do candidato presidencial norte-americano Donald Trump sobre uma resolução do conflito na Ucrânia. A declaração foi feita após reunião entre os dois líderes políticos no resort de Trump, em Mar-a-Lago, nos EUA.
"Foi uma honra visitar o presidente Trump hoje. Discutimos maneiras de fazer a paz. A boa notícia do dia: ele vai resolver isso!", disse Orbán.
O anúncio de Orbán foi feito uma semana após a reunião do líder húngaro com Vladimir Putin, em Moscou, e quatro dias após conversas com o presidente da China, Xi Jinping. Anteriormente, Orbán esteve na Ucrânia e se encontrou com Vladimir Zelensky.
"É necessário que haja paz, e rápido. Pessoas demais já morreram em uma guerra que não deveria nem ter começado!", escreveu Donald Trump após o encontro com Orbán em sua rede social.
Favorito para vencer as eleições presidenciais norte-americanas, Trump e seus aliados já começam a formular sua política externa de segundo mandato. Em um artigo recentemente publicado pela revista Foreign Affairs, o ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Robert O'Brien, desenha o mapa da mina da futura diplomacia trumpista.
© Sputnik / Eva Marie UzcateguiDonald Trump discursa durante seu comício de campanha em Sunrise, Flórida, Estados Unidos
Donald Trump discursa durante seu comício de campanha em Sunrise, Flórida, Estados Unidos
© Sputnik / Eva Marie Uzcategui
Intitulado "O retorno da paz através da força – em defesa de uma política externa para Trump", o artigo aponta para redução do papel da Ucrânia para concentrar a força militar dos EUA na contenção da China.
"Trump deixou claro que gostaria de ver um acordo negociado que acabasse com a perda de vidas e preservasse a segurança da Ucrânia. A abordagem de Trump seria continuar a fornecer ajuda letal financiada pela Europa à Ucrânia, mantendo a porta aberta para a diplomacia com a Rússia", escreveu O'Brien.
© AFP 2023 / Samuel CorumVladimir Zelensky, líder da Ucrânia, discursa na Fundação e Instituto Presidencial Ronald Reagan em Washington, EUA, 9 de julho de 2024
Vladimir Zelensky, líder da Ucrânia, discursa na Fundação e Instituto Presidencial Ronald Reagan em Washington, EUA, 9 de julho de 2024
© AFP 2023 / Samuel Corum
Em troca, o ex-conselheiro de Segurança Nacional ainda defendeu que a OTAN deslocasse forças terrestres para a Polônia, a fim de "aumentar as capacidades da aliança próximas da fronteira com a Rússia". Apesar da retórica, o plano diplomático de O'Brien para a administração Trump 2.0 relega o conflito ucraniano ao segundo plano.
"A pouca ênfase que O'Brien dá para o conflito na Ucrânia me chamou a atenção. Ainda que ele defina os adversários dos EUA como o 'eixo Pequim-Moscou-Teerã', ele coloca muito mais ênfase na China e Irã", disse a pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU) Livia Milani à Sputnik Brasil.
Para o professor de política comparada da Universidade de Denver (EUA) Rafael Ioris, Trump repetirá a estratégia de primeiro mandato de exigir maior participação da Europa nos gastos de defesa da OTAN e, ao que tudo indica, no financiamento do conflito ucraniano.
© Foto / Romam PilipeyUm militar ucraniano da 45ª Brigada de Artilharia fecha a porta de um obuseiro Archer, em 21 de janeiro de 2024
Um militar ucraniano da 45ª Brigada de Artilharia fecha a porta de um obuseiro Archer, em 21 de janeiro de 2024
© Foto / Romam Pilipey
"Trump tem a visão de que esse conflito é responsabilidade da Europa. Para ele, a OTAN está muito nas costas dos EUA e a Europa deve contribuir mais. Trump já agiu nesse sentido, com algum efeito", disse Ioris. "O artigo de O'Brien sugere que esse seria um conflito menor, que deve ser resolvido, para que os EUA lidem com o principal problema, que seria a China."
Nova Guerra Fria declarada
A agressividade da futura política externa de Trump em relação a China está declarada no artigo de O'Brien. Se os democratas buscam revestir sua aversão ao crescimento chinês com proposições ideológicas, o aliado de Trump é claro sobre a adoção de uma política de contenção contra Pequim.
"Com a China tentando minar o poder econômico e militar dos EUA, Washington deve responder da mesma forma – assim como fez durante a Guerra Fria, quando os EUA trabalharam para enfraquecer a economia soviética", escreveu o ex-assessor de Trump.
Acusando o governo Biden de leniência, O'Brien sugere separação total da economia chinesa, advogando que "o momento de ir ainda mais longe: impor uma tarifa de 60% sobre os produtos chineses, como Trump propõe, e reforçar os controles de exportação de qualquer tecnologia que possa ser útil para a China".
© AP Photo / Sergei GuneyevXi Jinping, presidente chinês, durante cerimônia de assinatura com o presidente russo, Vladimir Putin, no Grande Salão do Povo, em Pequim, China, 16 de maio de 2024
Xi Jinping, presidente chinês, durante cerimônia de assinatura com o presidente russo, Vladimir Putin, no Grande Salão do Povo, em Pequim, China, 16 de maio de 2024
© AP Photo / Sergei Guneyev
Os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que ambos os partidos norte-americanos encaram a China como adversário, divergindo somente acerca sobre as maneiras de conter essa suposta ameaça.
"Ambos veem a China como uma ameaça. Mas, enquanto Biden insere uma questão moral nesta disputa, Trump enfatiza os aspectos econômico e militar", disse Ioris. "Os EUA de Trump não se envolvem em guerras por questões ideológicas, somente por questões práticas."
O professor da Universidade de Denver lembra que, apesar de o pivô para a Ásia dos EUA ter sido iniciado pelo democrata Barack Obama, Donald Trump é mais propenso a usar instrumentos abertamente protecionistas para ganhar pontos na competição econômica contra a China.
"Uma diferença importante é que Biden coloca essa competição estratégica com a China no âmbito de um guarda-chuva de competição entre países autoritários e países democráticos", acrescentou Milani. "Isso não está presente nas propostas de O'Brien, nem esteve presente durante o primeiro governo Trump."
No entanto, o ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump inova ao pedir que a China seja responsabilizada pela pandemia de COVID-19. Para Milani, essa ideia não esteve presente na administração Biden e "poderia levar a uma escalada de tensões ainda maior entre China e EUA".
Bipartidarismo hegemônico
As diferenças de tom e ênfase entre a política externa proposta pelo time de Trump e a atual atuação externa de Biden não esconde o consenso bipartidário acerca da manutenção da hegemonia global norte-americana.
"A grande continuidade da política externa dos EUA, que Trump reafirma ao tempo inteiro, é o compromisso com a ideia de primazia estadunidense, com a ideia de que os EUA devem permanecer como o Estado mais poderoso no sistema internacional", disse Milani.
A especialista em EUA nota que as diferenças giram somente em torno de como legitimar a dominação norte-americana aos olhos da opinião pública interna e internacional.
© AP Photo / Jacquelyn MartinPresidente dos EUA Joe Biden em entrevista coletiva de imprensa, 11 de julho de 2024
Presidente dos EUA Joe Biden em entrevista coletiva de imprensa, 11 de julho de 2024
© AP Photo / Jacquelyn Martin
"Se antes havia um discurso de que a política externa dos EUA é uma grande promotora da democracia, dos direitos humanos e do livre comércio, Trump vai contestar tudo isso. Existem rupturas importantes na forma de legitimar a hegemonia estadunidense, com Trump propondo a ideia de hegemonia baseada na primazia do poder militar", definiu Milani.
Nesse sentido, a política externa de Trump não deverá fazer elucubrações acerca da promoção da democracia, tampouco investir recursos em regiões percebidas como secundárias do ponto de vista geopolítico, como África e Ásia. "Não há responsabilidade moral, nem compromisso com regimes políticos. Para Trump, o que interessa é a 'América primeiro' e mais nada", concluiu Ioris.