'Não exijamos da Venezuela o que não exigimos de nenhum outro país', diz ex-dirigente espanhol
00:21 02.08.2024 (atualizado: 09:02 02.08.2024)
© Divulgação / Redes sociais / Nicolás MaduroPresidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é ovacionado por apoiadores durante ato de campanha à reeleição. Caracas, 4 de julho de 2024
© Divulgação / Redes sociais / Nicolás Maduro
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O professor de Ciências Políticas e ex-dirigente do partido espanhol Podemos, Juan Carlos Monedero, comentou à Sputnik a situação política na Venezuela após as eleições presidenciais no país, em que o presidente Nicolás Maduro foi reeleito, de acordo com os resultados oficiais.
Conhecido por seu profundo conhecimento da política interna venezuelana, Monedero analisou o recente processo eleitoral no país e destacou a complexidade das condições políticas e econômicas da nação, afetada pelas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e seus aliados.
"Fiquei muito impressionado que, apesar das sanções e de um bloqueio econômico, o governo [de Nicolás Maduro] tenha consentido em realizar eleições, porque você as faz com um braço amarrado às costas", afirma o cientista político.
"Estamos enfrentando uma disputa profundamente prejudicada e em uma enorme desigualdade de condições que invalida os pressupostos básicos de uma democracia liberal. No entanto, Nicolás Maduro decidiu ir às eleições e isso o honra", afirmou Monedero.
Apesar dessas adversidades, Monedero considerou que o pleito transcorreu de maneira normal. Por outro lado, a oposição tentou criar um escândalo midiático para enfraquecer o governo de Maduro.
"No dia das eleições, María Corina Machado chamou para o que na Espanha conhecemos bem da época em que o terrorismo estava ativo, que foi uma motivação política para o colapso do governo de Nicolás Maduro, resultando em alguns mortos, destruição em hospitais, ônibus e centros eleitorais", acrescentou.
'Política sobre a Venezuela é interna'
Monedero ressaltou a importância da solidariedade e do apoio mútuo entre os governos progressistas da região: "Em todos os países da América Latina, a política sobre a Venezuela é política interna, não é política externa, o que é surpreendente. E isso ocorre porque se construiu o artefato demonizado, igual ao que foi feito no Chile de Allende, pouco antes do golpe", explicou.
"Acho que o chanceler da Colômbia exagerou ao dizer que o mundo deve opinar. Como assim o mundo deve opinar? O que a Colômbia pensa sobre as eleições nos Estados Unidos? A Colômbia disse algo sobre a exigência de Donald Trump ao governador da Geórgia para que inventasse 10.000 votos? Não", comentou o especialista.
"Então, sejamos sérios e não exijamos da Venezuela o que não exigimos de nenhum outro país, porque se o fizermos, estaremos ao lado, sem querer e sem pertencer a esse grupo, dos Milei, do governo ilegítimo do Peru. Isso é algo que alguns não entendem. Eu disse isso recentemente em uma mensagem no X para Gabriel Boric, com quem tenho uma relação muito cordial, que tudo o que fizerem à Venezuela depois será feito a eles", declarou Monedero.
O ex-dirigente de Podemos destacou o papel de governos como o de López Obrador no México, que têm mostrado sensatez em sua postura em relação à Venezuela. "O governo de López Obrador, que é um governo consolidado e acaba de ganhar um próximo mandato com Claudia Sheinbaum com uma vantagem de 30%, disse as coisas corretas", afirmou Monedero.
Política nos cenários digitais
Monedero alertou sobre a ingenuidade de subestimar o poder das redes sociais e sugeriu a necessidade de um controle público sobre elas. "Primeiro, não se pode ser ingênuo. Eles sempre têm várias vantagens. Quando estávamos pensando que as eleições eram ganhas na televisão, [agora] elas são ganhas nas redes sociais, em grande medida", afirmou.
Também criticou a influência de figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg nas plataformas, sugerindo que a informação deve ser tratada como um bem público. "Não pode ser que Elon Musk, por ser um milionário, um oligarca, compre o Twitter, mude o nome para X e dedique US$ 45 milhões [R$ 258,8 milhões] mensais a Donald Trump", destacou.
"Temos que criar plataformas onde realmente o povo as gerencie. Precisamos alcançar em termos comunicativos o que foi alcançado em termos culturais aqui em Caracas, como no parque Tiuna El Fuerte. Ou seja, espaços espetaculares, autogeridos popularmente, onde realmente está o caderno de reclamações das coisas que não funcionam", considerou.
"Igualmente, houve um app, VenApp, que indica onde há problemas, como um buraco na estrada, uma lâmpada que não funciona, uma zona de insegurança, e isso permite que o conselho presidencial receba e possa atuar, isso é muito espetacular. Não há intermediações", acrescentou o cientista político.
Sanções que ajudam a crescer?
Em relação às sanções e seu impacto na Venezuela, Monedero destacou a resiliência do povo venezuelano. "O presidente Nicolás Maduro disse que precisa começar uma nova etapa, porque é verdade que há problemas que já precisam ser resolvidos, o Estado precisa ser mais eficiente, resolver problemas energéticos, continuar esse processo produtivo", afirmou.
"É muito surpreendente chegar à Venezuela e ver que os produtos consumidos pelos venezuelanos são produzidos na Venezuela. Isso é inédito. [Antes] tudo era importado. Está começando a haver um empresariado venezuelano que quer produzir e criar no país e que não quer que venham pessoas de fora para tirar-lhes nem a clientela nem os negócios. As sanções só serviram para que o país crescesse entre 4% e 7%", apontou.
O especialista também destacou a importância da inclusão da Venezuela no BRICS como uma oportunidade para o país na esfera internacional. "A Venezuela está convidada para o BRICS, que é a organização do futuro do mundo. A União Europeia está em decadência. E, infelizmente, nas mãos da direita e às vezes de uma esquerda que não se dá conta, a União Europeia vai decair ainda mais. Os Estados Unidos também estão em decadência", explicou.
Finalmente, Monedero considerou que "o povo venezuelano suportou o que outros povos não suportaram", já que a sociedade está ciente dos ataques que vêm de fora através das sanções econômicas.