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Política intencional? Países africanos usam bilhões recebidos da UE para enviar migrantes ao deserto
Política intencional? Países africanos usam bilhões recebidos da UE para enviar migrantes ao deserto
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Nas últimas décadas, a migração na Europa se tornou sinônimo de todas as mazelas vividas pelo Velho Continente. Para além disso, políticas antimigrantes se... 01.11.2024, Sputnik Brasil
2024-11-01T16:08-0300
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Se vai combater a imigração para a Europa, tem meu voto! Em poucas palavras, essa tem sido uma das principais preocupações da população europeia nas últimas décadas, movendo os debates eleitorais de todas as esferas, dos parlamentos locais aos eurodeputados. E os grupos políticos que conseguiram explorar melhor essa plataforma, tenham eles trazido políticas concretas ou não, têm levado a melhor. É o que explica, por exemplo, a guinada para a direita no Parlamento Europeu. Mas as últimas tentativas de resolver o que o continente intitula como um problema se mostraram mais que um fracasso: ao invés de reduzir os fluxos migratórios, houve um crescimento.É o caso de uma investigação recente conduzida por três jornais europeus e norte-americanos sobre o uso de fundos da União Europeia (UE) para três países africanos com o objetivo de conter a migração: a maior fatia ficou com o Marrocos, que recebeu € 624 milhões (R$ 3,9 bilhões), seguido pela Mauritânia, com € 210 milhões (R$ 1,3 bilhão), e pela Tunísia, com € 150 milhões (R$ 948 milhões). Juntos, os recursos somam quase € 1 bilhão (R$ 6,1 bilhões), valor superior ao produto interno bruto (PIB) de países como Guiné-Bissau, Somália, Congo e Eritreia.Sem qualquer tipo de fiscalização e controle sobre o uso dos recursos, foi descoberto que os países usaram parte do dinheiro para mandar migrantes ao deserto do Saara. Com isso, impediam qualquer tentativa de chegar à Europa em regiões desérticas, muitas sem água e comida. Há ainda denúncias de tráfico de pessoas e até torturas. O mestre em ciência política e doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mamadou Alpha Diallo disse ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o caso é apenas mais uma amostra de como a própria Europa é responsável pela imigração.O especialista dá como exemplo as políticas europeias entre as décadas de 1980 e 1990, já ao final do processo de independência dos países africanos, com bilhões em recursos para combater a pobreza. Porém o dinheiro "ficou no bolso da pequena elite". Agora, com um valor tão alto como o encaminhado aos três países, a possibilidade de real implementação de medidas como incentivo ao emprego e renda é gigante."É a falta de oportunidade e educação que leva à migração, então você podia criar muita coisa com esse recurso. Quantos países africanos não chegam a ter um PIB que soma esse valor? Mas certamente o dinheiro não é para conter a imigração. Para impedir que um jovem saia do seu país, primeiro você tem que pacificar a região. E é a própria União Europeia, juntamente com a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], que desestabiliza grande parte dos países africanos", resume.Como está a imigração na Europa?Até setembro deste ano, quase 87 mil migrantes chegaram de forma irregular à Europa, a maioria em países como Espanha e Itália. Mamadou Alpha enfatiza que programas voltados a combater a questão contam com um forte respaldo político e social no continente.África e o passado colonialJá Luísa Barbosa Azevedo, pesquisadora de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC) e mestranda em relações internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembrou ao podcast Mundioka que Europa e África tiveram em um passado não muito distante uma relação colonialista, que ainda traz muitos reflexos nos dias atuais.
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Política intencional? Países africanos usam bilhões recebidos da UE para enviar migrantes ao deserto
16:08 01.11.2024 (atualizado: 16:40 01.11.2024) Especiais
Nas últimas décadas, a migração na Europa se tornou sinônimo de todas as mazelas vividas pelo Velho Continente. Para além disso, políticas antimigrantes se tornaram plataforma eleitoral, independentemente de serem efetivas ou não. A última da vez é um fundo bilionário destinado aos países africanos.
Se vai
combater a imigração para a Europa, tem meu voto! Em poucas palavras, essa tem sido uma das principais preocupações da população europeia nas últimas décadas,
movendo os debates eleitorais de todas as esferas, dos parlamentos locais aos eurodeputados. E os grupos políticos que conseguiram explorar melhor essa plataforma, tenham eles trazido políticas concretas ou não, têm levado a melhor. É o que explica, por exemplo, a guinada para a direita no Parlamento Europeu. Mas as últimas tentativas de resolver o que o continente
intitula como um problema se mostraram mais que um fracasso: ao invés de reduzir os fluxos migratórios, houve um crescimento.
É o caso de uma investigação recente conduzida por três jornais europeus e norte-americanos sobre o uso de fundos da União Europeia (UE) para três países africanos com o
objetivo de conter a migração: a maior fatia ficou com o Marrocos, que recebeu € 624 milhões (R$ 3,9 bilhões), seguido pela Mauritânia, com € 210 milhões (R$ 1,3 bilhão), e pela Tunísia, com € 150 milhões (R$ 948 milhões).
Juntos, os recursos somam quase € 1 bilhão (R$ 6,1 bilhões), valor superior ao produto interno bruto (PIB) de países como Guiné-Bissau, Somália, Congo e Eritreia.
Sem qualquer tipo de fiscalização e controle sobre o uso dos recursos, foi descoberto que os países usaram parte do dinheiro para
mandar migrantes ao deserto do Saara. Com isso,
impediam qualquer tentativa de chegar à Europa em regiões desérticas, muitas sem água e comida. Há ainda denúncias de tráfico de pessoas e até torturas.
O mestre em ciência política e doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mamadou Alpha Diallo disse ao podcast
Mundioka, da Sputnik Brasil, que o caso é apenas mais uma amostra de como a própria Europa é responsável pela imigração.
"Tenho minhas dúvidas sobre se esse financiamento é realmente para conter a questão ou gerar ainda mais conflitos para manter esses jovens [no continente africano]. É um absurdo, já que não se diz para que é esse dinheiro […]. Há algum tempo atrás a UE fez a mesma coisa em relação à imigração do povo do Oriente Médio, tendo a Turquia como um dos Estados que recebia para conter o fluxo. Hoje o Marrocos tem esse papel, principalmente, no continente africano. Ao mesmo tempo, países do Sahel [como Gâmbia, Senegal, a prória Mauritânia] acusam o bloco de financiar o terrorismo", acrescenta.
O especialista dá como exemplo as políticas europeias entre as décadas de 1980 e 1990, já ao final do processo de independência dos países africanos, com bilhões em recursos para combater a pobreza. Porém o dinheiro "ficou no bolso da pequena elite".
Agora, com um valor tão alto como o encaminhado aos três países, a possibilidade de real implementação de medidas como incentivo ao emprego e renda é gigante.
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É a falta de oportunidade e educação que leva à migração, então você podia criar muita coisa com esse recurso. Quantos países africanos não chegam a ter um PIB que soma esse valor? Mas certamente o dinheiro não é para conter a imigração. Para impedir que um jovem saia do seu país, primeiro você tem que pacificar a região. E é a própria União Europeia, juntamente com a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], que desestabiliza grande parte dos países africanos", resume.
Como está a imigração na Europa?
Até setembro deste ano, quase 87 mil migrantes chegaram de forma irregular à Europa, a maioria em países como Espanha e Itália. Mamadou Alpha enfatiza que programas voltados a combater a questão contam com um forte respaldo político e social no continente.
"Fizeram com que a população acreditasse que os problemas da Europa são causados pela imigração, o que é uma narrativa falsa. O problema da Europa não é a imigração, pelo contrário, a imigração é uma solução […]. A Europa tem que saber que os jovens africanos não têm interesse em ir à Europa, da mesma forma que a gente fala da imigração latino-americana para os Estados Unidos: não são os Estados Unidos que interessam a essas populações, mas a oportunidade que esses jovens estão procurando [e não encontram em seus respectivos países]", diz.
África e o passado colonial
Já Luísa Barbosa Azevedo, pesquisadora de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC) e mestranda em relações internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembrou ao podcast Mundioka que Europa e África tiveram em um passado não muito distante uma
relação colonialista, que ainda traz muitos reflexos nos dias atuais.
"Isso vai claramente impactar na contemporaneidade dessas relações e em como eles enxergam os africanos que chegam ao continente europeu, tanto migrantes quanto refugiados. E esse plano atual também é uma resposta à crise de políticas e esforços conjuntos dos membros da União Europeia desde a crise migratória de 2015. Essa política também trata a migração como uma ameaça à segurança. Então toda a abordagem era externalizar as fronteiras, especialmente na costa mediterrânea e meridional, e levar o problema para os países de onde essas pessoas saíam, principalmente no norte da África", finaliza.
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