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Decolonialismo francês, afastamento do FMI e mais integração: o ano de 2024 na África

© AP Photo / Kilaye BationoManifestantes protestam contra a França e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental nas ruas de Ouagadougou. Burkina Faso, 4 de outubro de 2022
Manifestantes protestam contra a França e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental nas ruas de Ouagadougou. Burkina Faso, 4 de outubro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 27.12.2024
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Enquanto países do Sahel como Níger, Mali e Burkina Faso se uniram contra a intervenção colonialista francesa de décadas, as regiões com maior crescimento econômico tiveram o ano marcado pelo afastamento das relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Especialistas analisam os principais acontecimentos em 2024 no continente africano.
Um ano marcado pela maior integração econômica do continente, luta contra o colonialismo e imposição da voz africana no contexto internacional. Assim resume ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o pesquisador sênior do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês) Gustavo de Carvalho, quanto aos principais acontecimentos que marcaram a África em 2024.
Além disso, a principal entidade da região que representa 55 países, a União Africana, participou pela primeira vez como membro pleno do G20 na cúpula realizada em novembro no Rio de Janeiro.

"Vimos um processo de vários países do continente como um todo na busca por maior integração econômica, de implementação da área de livre comércio africana, além da discussão sobre sistemas de pagamento que permitam um processo maior de interação nas cadeias produtivas globais. Certamente, para nós aqui do continente foi um ano de bastante significância com relação ao papel e à voz da África no contexto internacional e que, de certa forma, a continuidade desse processo nos próximos anos vai fazer a região se ver de uma forma mais singular", enfatiza.

Na região do Sahel africano, países como Burkina Faso, Mali e Níger se uniram para exigir a retirada das Forças Armadas da França de seus territórios — o marco de uma luta contra o colonialismo que tanto afetou as populações ao longo de décadas. Para o analista, esse processo também foi possível por conta da existência de uma nova ordem global cada vez mais multilateral e dissidente das vontades das antigas potências ocidentais.
"Isso é resultado de uma visão de várias áreas do continente de que as relações da África com as ex-potências coloniais, como a França e também o Reino Unido, que tentam manter um poderio econômico, político e de influência, não conseguem trazer uma narrativa e uma prática que gerem benefícios às diferentes regiões. Quando vemos uma ordem global em que existem mais opções para esses países, isso também lhes dá força", acrescenta.
O controle que até então a França buscava manter na região, segundo o especialista, se viu em dúvida diante dos próprios problemas internos do país, como a redução da capacidade de gerenciar as próprias políticas econômicas somado à diversificação dos atores globais.
"Vimos no Sahel uma rejeição ao papel francês, vemos países como a África do Sul tendo uma posição muito mais ativa de entender que o seu papel é de autonomia, não um papel de necessariamente seguir uma potência ou outra."
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Já o analista internacional e escritor angolano Paulo Gamba enfatizou ao podcast internacional que 2024 foi o ano da consolidação dos movimentos de descolonização na África que levaram, inclusive, esses países do Sahel a assinarem um acordo multilateral no setor de defesa como forma de se proteger.

"Ou seja, se um desses países for atacado, é como se os três estivessem sendo atacados. Isso passa a mensagem de que estão coesos […]. E a França, é claro, sai muito prejudicada, o que inclusive obrigou [o presidente Emmanuel] Macron a fazer uma coligação para se manter no poder. O fato é que cerca de 80% da energia francesa é produzida por via do urânio, que sai efetivamente do Níger. E o Níger é exatamente esse país que lidera a taxa de crescimento [no continente], depois de a França sair do país. Isso mostra que está mais do que na hora de os africanos caminharem com as próprias pernas", defende.

Como funciona a economia na África?

Território que se estende por mais de 30 milhões de km², a África é conhecida por suas riquezas naturais, essenciais para o desenvolvimento mundial, como petróleo, gás, ouro e lítio. Mesmo assim, a população de quase um bilhão de habitantes convive com altas taxas de pobreza resultantes de séculos de exploração colonial.
No entanto, Paulo Gama lembrou que 2024 foi um ano que começou a mostrar que um novo panorama econômico para o continente é possível.

"Vou apenas citar aqui alguns países que tiveram um crescimento econômico muito superior a países da Europa, como o Níger, que cresceu 11,2%. O Senegal cresceu 8,2%. A Etiópia cresceu 7,6%. Ruanda cresceu 7,2%. A Costa do Marfim, 6%. Etiópia, Benin, Djibouti, Tanzânia, Togo, Uganda, todos cresceram acima dos 6%. E os países que mais cresceram na África foram aqueles países que se afastaram do FMI, ao contrário, por exemplo, da Angola, que aumentou as relações e está à mercê de um auxílio técnico do FMI. Mas, em 2024, terá crescido menos de 3%", exemplifica.

Conforme o especialista, este será o ano de maior crescimento econômico na África desde o fim da pandemia e, caso esse panorama se mantenha, a expectativa é de que os países estejam cada vez mais próximos de transformar esses números em desenvolvimento para a população.
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Qual a relação entre Brasil e África?

No ano passado, o assessor especial de Assuntos Internacionais Celso Amorim chegou a prometer que o objetivo da política externa brasileira era fazer de 2024 um marco no fortalecimento das relações entre Brasil e África, o que de fato não se concretizou.
O escritor angolano lembra que o país já teve mais influência no continente, principalmente durante os dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.
"Isso acabou resfriando no governo [de Michel] Temer e, depois, por Jair Bolsonaro, que sequer teve registro de uma visita em algum país da África. E o que se pensou é que, com o regresso de Lula da Silva, essas relações pudessem efetivamente voltar, mas a saída do Brasil abriu espaço para a China. Lamento muito que o Brasil tenha reduzido esse nicho de influência em África, porque há muitos setores que a África tem que o Brasil podia efetivamente aproveitar no âmbito dos acordos bilaterais ou multilaterais entre os Estados", conclui.

Eleições históricas na África do Sul

Uma das principais economias do continente, a África do Sul viveu uma eleição histórica marcada pelo fim da hegemonia política do partido governante desde o fim do regime do apartheid: o Congresso Nacional Africano.
Sem obter maioria no parlamento, a sigla precisou montar uma coalizão que permitiu a manutenção do primeiro-ministro Cyril Ramaphosa no cargo.
Com isso, uniu-se à Aliança Democrática, considerada conservadora e ligada à minoria branca do país, o que gerou grande preocupação sobre o futuro da nação, que tem o segundo maior produto interno bruto (PIB) do continente, atrás apenas do Egito.

"Apesar disso, após as eleições vimos uma estabilidade desse novo governo, com um processo de tranquilização da população, além do fortalecimento de narrativas que gerem crescimento econômico. Obviamente ainda estamos no primeiro ano dessa coalizão, mas vemos medidas que mostram o país saindo de uma década complicada, que foi a de 2010, com muitas divisões", finaliza Gustavo de Carvalho.

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