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Messias: populismo apocalíptico de Trump levará ao autoritarismo?

© AP Photo / Patrick SemanskyO presidente dos EUA, Donald Trump, segura uma Bíblia em frente a igreja de São João, em Washington, EUA (foto de arquivo)
O presidente dos EUA, Donald Trump, segura uma Bíblia em frente a igreja de São João, em Washington, EUA (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
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Donald Trump usou e abusou de elementos religiosos durante sua cerimônia de posse, dizendo ter sido salvo por Deus para fazer a "América grande novamente". Mesmo se apresentando como o Messias, Trump terá que levar a sério a agenda religiosa para manter o seu eleitorado cristão fiel, disse o especialista à Sputnik Brasil.
Durante sua posse, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que Deus teria salvado a sua vida para que ele cumpra a missão de fazer a "América grande novamente". Em discurso pontuado pelo vocabulário judaico-cristão, Trump anunciou a forte influência das ideias religiosas em seu novo mandato.
"Aqueles que desejavam impedir nossa causa tentaram tirar minha liberdade e, de fato, tirar a minha vida. Há apenas alguns meses, em um belo campo da Pensilvânia, uma bala de um assassino atravessou minha orelha. Mas senti na época, e acredito ainda mais agora, que minha vida foi salva por um motivo: fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente", disse Trump.
O presidente norte-americano disse que trabalhará para que os EUA "sejam respeitados e admirados novamente, inclusive por pessoas religiosas", e prometeu "não esquecer de nossa Constituição, nem de Deus".
© AP Photo / Patrick SemanskyO presidente Donald Trump participa de uma cerimônia de colocação de coroas de flores no Dia dos Veteranos no Túmulo do Soldado Desconhecido no Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia, 11 de novembro de 2020.
O presidente Donald Trump participa de uma cerimônia de colocação de coroas de flores no Dia dos Veteranos no Túmulo do Soldado Desconhecido no Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia, 11 de novembro de 2020. - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
O presidente Donald Trump participa de uma cerimônia de colocação de coroas de flores no Dia dos Veteranos no Túmulo do Soldado Desconhecido no Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia, 11 de novembro de 2020.
Para o professor do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI UEPB) e diretor do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR), Fabio Nobre, o trumpismo apresenta traços claros de messianismo político.

"Trump pode ser classificado como um populista messiânico, ou mais especificamente um populista apocalíptico, ou escatológico. Nessa modalidade, o líder se apresenta como um escolhido que pode evitar o fim de um estilo de vida – no caso, o comportamento sociopolítico do branco, nacionalista, conservador norte-americano", disse Nobre à Sputnik Brasil.

Segundo o professor, "ao se apresentar como um líder predestinado a restaurar a grandeza e proteger os valores tradicionais, Trump cria uma conexão simbólica com elementos da redação e proteção divina".
© AP Photo / Jessie WardarskiBonés com as mensagens “Deus, armas e Trump” e “Jesus é meu salvador, Trump é meu presidente” vendidos em um comício da campanha de Donald Trump em Vandalia, Ohio (EUA), 16 de março de 2024.
Bonés com as mensagens “Deus, armas e Trump” e “Jesus é meu salvador, Trump é meu presidente” vendidos em um comício da campanha de Donald Trump em Vandalia, Ohio (EUA), 16 de março de 2024.  - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
Bonés com as mensagens “Deus, armas e Trump” e “Jesus é meu salvador, Trump é meu presidente” vendidos em um comício da campanha de Donald Trump em Vandalia, Ohio (EUA), 16 de março de 2024.
Apesar da ênfase trumpista, o uso da figura de Deus em discursos políticos não é monopólio da direita do espectro político, disse o professor adjunto do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol.

"Isso não é uma exclusividade da direita e foi um elemento muito comum no conjunto da retórica política do século XX. Inclusive líderes de democracias ocidentais se valeram desse fundo paradigmático da linguagem religiosa", disse Toniol à Sputnik Brasil.

O professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará e estudioso do pensamento político de direita Fabio Gentile concorda, dizendo que "nada impede que as democracias misturem elementos políticos e religiosos".

"No caso dos EUA, desde a sua fundação, a religião foi utilizada como um elemento aglutinador da nação. Não é de surpreender que todos os presidentes dos EUA falem sobre a missão religiosa de seu país, que seria salvar o mundo e lutar contra o mal", disse Gentile à Sputnik Brasil. "E essa estratégia discursiva e ideológica é utilizada por presidentes conservadores e progressistas, como Bill Clinton, por exemplo."

Do ponto de vista religioso, o messias é aquele que salva e redime os pecados cometidos na vida terrena. Segundo Toniol, "o político que se apresenta como messias diz que vai conseguir resolver todos os problemas e redimir a nação".
"É importante notar que o político messiânico comunica, sobretudo, que há um problema a ser resolvido pela nação. Ele comunica que há um pecado original do qual devemos ser salvos. A diferença entre o messianismo de esquerda e de direita será qual 'pecado original' é esse", disse Tonio. "Cada espectro político se propõe a salvar o povo dos pecados que ele identifica, ou mesmo projeta."
© AP Photo / Jacquelyn MartinDesigualdade nos EUA: americanos fazem fila para receber atendimento médico na Flórida
Desigualdade nos EUA: americanos fazem fila para receber atendimento médico na Flórida - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
Desigualdade nos EUA: americanos fazem fila para receber atendimento médico na Flórida
No caso de Trump, os problemas centrais dos quais a nação norte-americana deve ser salva são "a pauta identitária, o direito ao aborto, a chamada 'ideologia woke' progressista e demais temas da cartilha trumpista".
Espectadores acompanham discurso virtual do presidente dos EUA, Donald Trump, durante a Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, 23 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 24.01.2025
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A apropriação de elementos religiosos traz vantagens a Trump, que mobiliza o eleitorado em um país no qual o voto não é obrigatório, além de unir facções diferentes em torno de uma visão comum, acredita o professor Fábio Nobre.
"Por outro lado, essa abordagem tende a alienar grupos religiosos e seculares que não compartilham dessa visão", disse Nobre. "Há também o risco de reduzir a religião a uma ferramenta política, gerando desconfiança e aumentando a polarização no país."
© AP Photo / Evan VucciO presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025
O risco de polarização pode ser acentuado, já que Trump não promete a salvação para a população como um todo, mas somente àqueles que o apoiam politicamente.

"Assim como no discurso religioso, a chegada do Messias leva ao julgamento divino, no qual não todos, mas somente os eleitos serão salvos", notou Toniol. "Trump não está interessado em produzir a salvação para todos, e deixou isso bem claro durante a campanha ao propor deportações em massa, por exemplo."

Apesar da forte influência pentecostal nos ritos e simbologia trumpista, sua administração será a mais católica de toda a história dos EUA, escreveu Toniol em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.
© AP Photo / Matt RourkeO vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, à esquerda, o presidente Donald Trump, à direita, e o filho de Vance, Vivek, participam de um evento interno do desfile de posse presidencial em Washington, EUA, em 20 de janeiro de 2025
O vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, à esquerda, o presidente Donald Trump, à direita, e o filho de Vance, Vivek, participam de um evento interno do desfile de posse presidencial em Washington, EUA, em 20 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
O vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, à esquerda, o presidente Donald Trump, à direita, e o filho de Vance, Vivek, participam de um evento interno do desfile de posse presidencial em Washington, EUA, em 20 de janeiro de 2025
O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, traz o catolicismo conservador para o centro da Casa Branca, alinhando-a ao pensamento de juízes da Suprema Corte norte-americana, como Amy Coney Barrett, Brett Kavanaugh, Clarence Thomas e Samuel Alito. O secretário de Estado, Marco Rubio, e de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., também reforçam o coro católico conservador na equipe de Trump.
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O pensamento de Vance, corroborado por revistas conservadoras norte-americanas como a Compact Magazine ou American Affairs, alia a oposição ao aborto, à retomada da defesa dos direitos da classe trabalhadora contra a financeirização e desregulamentação do capitalismo norte-americano.

Messias autoritário?

Para o professor Fábio Nobre, o uso de elementos religiosos e o traço messiânico de Donald Trump poderá abrir espaço para o autoritarismo político.
"Esse tipo de discurso tem o potencial de abrir espaço, sim, para práticas políticas autoritárias, na medida em que ele transfere a fonte de legitimidade política do consentimento democrático para o plano divino", disse Nobre. "Isso dificulta questionamentos e críticas à sua liderança."
O especialista notou o caso da reverenda Mariann Edgard Budde, que contrariou Trump no dia da sua posse, pedindo a misericórdia do presidente com aqueles que não votaram nele.
© AP Photo / Evan VucciA reverenda Mariann Budde lidera o serviço de oração nacional com a presença do presidente Donald Trump na Catedral Nacional de Washington, EUA, em 21 de janeiro de 2025.
A reverenda Mariann Budde lidera o serviço de oração nacional com a presença do presidente Donald Trump na Catedral Nacional de Washington, EUA, em 21 de janeiro de 2025.  - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
A reverenda Mariann Budde lidera o serviço de oração nacional com a presença do presidente Donald Trump na Catedral Nacional de Washington, EUA, em 21 de janeiro de 2025.
"Nesse caso, muitos fiéis apoiaram Trump, escolhendo a figura política em detrimento da autoridade religiosa – a reverenda", disse Nobre. "Trump assume posição central frente acima das lideranças espirituais, e essa dinâmica normalmente é associada ao messianismo político, que tende a contribuir para tendências autoritárias."
© AP Photo / Michael ArellanoApoiador de Trump exibe bandeira com a mensagem "Deus, armas e Trump", durante carreata de campanha, em Oregon City, EUA (foto de arquivo)
Apoiador de Trump exibe bandeira com a mensagem Deus, armas e Trump, durante carreata de campanha, em Oregon City, EUA (foto de arquivo)  - Sputnik Brasil, 1920, 25.01.2025
Apoiador de Trump exibe bandeira com a mensagem "Deus, armas e Trump", durante carreata de campanha, em Oregon City, EUA (foto de arquivo)
Por outro lado, o professor Toniol aponta que o eleitorado religioso pode ser refratário ao autoritarismo. O eleitor religioso demanda a adesão do líder político à sua pauta e pode abandoná-lo caso não se sinta representado.

"Não acredito que líderes como Trump tenham apoio incondicional de seu eleitorado religioso. O eleitor religioso, assim como qualquer outro, opera a partir do seu cálculo de custo-benefício e de sua posição política", disse Toniol. "Trump não tem carta branca, ele só ficará na liderança enquanto conseguir se comunicar com esse grupo e atender aos seus anseios. Se deixar de fazer isso, perderá esse apoio."

De acordo com o jornal Washington Post, 56% do eleitorado católico votou em Trump nas eleições presidenciais norte-americanas de 2024, um aumento de nove pontos percentuais em relação às eleições de 2020. Entre os protestantes e demais nominações cristãs, 62% declararam voto em Trump em 2024, contra 27% de eleitores de sua então adversária, Kamala Harris. A vantagem de Trump não se reflete entre pessoas religiosas não cristãs, que declararam voto em Harris em 72% dos casos.
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