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'Brasil precisa definir linha política no BRICS urgentemente', diz analista sobre novo sherpa

© Foto / Valter Campanato/Agência BrasilSecretario de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Maurício Lyrio, em outubro de 2024
Secretario de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Maurício Lyrio, em outubro de 2024  - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
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O Brasil anuncia novo negociador-chefe do país no BRICS para reforçar seu comprometimento com o bloco. Com ameaças de Trump e uma cúpula climática no horizonte, Itamaraty deve definir estratégia clara para obter sucesso no comando do BRICS, avalia analista ouvida pela Sputnik Brasil.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil trocou a chefia de sua equipe responsável pelo BRICS, ao anunciar o embaixador Maurício Lyrio como novo negociador-chefe (sherpa) para o bloco, em substituição a Eduardo Paes Saboia.
No novo cargo, o atual secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, Mauricio Carvalho Lyrio, será o responsável pela presidência do BRICS no formato ampliado e pela organização da Cúpula de Chefes de Estado, programada para ser realizada no Rio de Janeiro em meados de julho.
Os negociadores-chefes em fóruns multilaterais como o BRICS e o G20 são denominados "sherpas", em uma referência aos guias que conduzem alpinistas rumo ao pico do Everest, na Cordilheira do Himalaia.
© Foto / Twitter / ReproduçãoMauricio Lyrio, sherpa do Brasil no G20
Mauricio Lyrio, sherpa do Brasil no G20 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Mauricio Lyrio, sherpa do Brasil no G20
A mudança no comando brasileiro do BRICS procura reforçar o comprometimento do país com o bloco, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Lyrio substitui seu colega de profissão Eduardo Saboia, que representou o Brasil no BRICS durante as Cúpulas de Joanesburgo, na África do Sul, em 2023, e Kazan, na Rússia, em 2024.
Apesar de ser amplamente considerado um diplomata destacado e capaz, Saboia sofreu desgaste em função da imposição de veto brasileiro à entrada da Venezuela como membro associado do BRICS. Após a decisão brasileira, o governo de Nicolás Maduro emitiu comunicado responsabilizando o então sherpa brasileiro pelas dificuldades diplomáticas.
© Sputnik / Anatoly Medved Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024
Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Sherpa do Brasil no BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, com a enxada simbólica que representa a presidência do BRICS, durante reunião de sherpas e sous-sherpas em Ekaterinburgo, Rússia, em 28 de novembro de 2024
"Se considerarmos que o Brasil não era um entusiasta da expansão do BRICS, que acabou acontecendo, e tentou sem sucesso negociar critérios para a adesão de novos membros, podemos concluir que Saboia não atingiu os objetivos da diplomacia brasileira no bloco", disse o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fabiano Mielniczuk, à Sputnik Brasil.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião bilateral com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Kingstown. São Vicente e Granadinas, 1º de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 24.10.2024
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Após a substituição, Eduardo Saboia deixará a chefia da Secretaria de Ásia e Pacífico do Itamaraty em Brasília para assumir a Embaixada do Brasil em Viena– cargo ocupado por Maurício Lyrio entre 2021 e 2023. A Áustria já concedeu o agrément ao diplomata brasileiro, que deve passar por sabatina no Senado Federal sem percalços, reportou o jornal O Globo.
© Sputnik / Anatoly MedvedSherpa do Brasil nos BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, recebe enxada que simboliza a presidência do bloco do vice-ministro das Relações Exteriores e sherpa da Rússia, Sergei Rybakov, durante reunião em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
Sherpa do Brasil nos BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, recebe enxada que simboliza a presidência do bloco do vice-ministro das Relações Exteriores e sherpa da Rússia, Sergei Rybakov, durante reunião em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Sherpa do Brasil nos BRICS, embaixador Eduardo Sabóia, recebe enxada que simboliza a presidência do bloco do vice-ministro das Relações Exteriores e sherpa da Rússia, Sergei Rybakov, durante reunião em Ekaterimburgo, Rússia, 28 de novembro de 2024
Maurício Lyrio acumulará a nova função no BRICS com a de sherpa do G20, grupo no qual ele coordenou a presidência brasileira em 2024, considerada bem-sucedida pela comunidade acadêmica e diplomática.

"A nomeação é importante não só por Lyrio ter um posicionamento mais favorável ao BRICS, mas também pelas vitórias que acumulou na chefia do G20", disse a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM) da Universidade de São Paulo (USP), Amanda Harumy, à Sputnik Brasil.

A especialista notou a menção ao conflito na Faixa de Gaza na declaração final do G20 como uma vitória da organização brasileira, assim como a ênfase em temas como combate à pobreza, à fome e a taxação das camadas mais ricas da sociedade.
© AP Photo / Leah Millis/PoolLíderes mundiais se reúnem para foto de família durante a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Brasil, em 19 de novembro de 2024
Líderes mundiais se reúnem para foto de família durante a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Brasil, em 19 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Líderes mundiais se reúnem para foto de família durante a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Brasil, em 19 de novembro de 2024
O sucesso da Cúpula do G20, que driblou as diferenças internacionais em relação ao conflito ucraniano, também pode ser creditado à presidência brasileira coordenada por Lyrio, disse a especialista.
Além da forte influência do G20, a presidência brasileira do BRICS também coincidirá com a organização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP-30, a ser celebrada em Belém do Pará, em novembro de 2025.
© Foto / Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência BrasilO ministro-chefe da Casa Civil do Brasil, Rui Costa, durante solenidade de assinatura de convênios entre a Itaipu Binacional, o Governo do Pará e a Prefeitura de Belém, para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém, capital paraense. Palácio do Planalto, Brasília, Brasil, maio de 2024
O ministro-chefe da Casa Civil do Brasil, Rui Costa, durante solenidade de assinatura de convênios entre a Itaipu Binacional, o Governo do Pará e a Prefeitura de Belém, para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém, capital paraense. Palácio do Planalto, Brasília, Brasil, maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
O ministro-chefe da Casa Civil do Brasil, Rui Costa, durante solenidade de assinatura de convênios entre a Itaipu Binacional, o Governo do Pará e a Prefeitura de Belém, para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém, capital paraense. Palácio do Planalto, Brasília, Brasil, maio de 2024
Em função da COP-30, a diplomacia brasileira decidiu concentrar as atividades do BRICS no primeiro semestre do ano. De acordo com o governo federal, cerca de 100 reuniões técnicas e ministeriais devem ser realizadas sob a liderança brasileira.

"Seis meses me parece pouco tempo para preparar e organizar um debate da magnitude que o BRICS demanda. No caso do G20, vimos como o tempo é importante", considerou Harumy. "Mas, de forma realista, será preciso estabelecer uma linha política comum nos dois eventos."

Por outro lado, o professor Mielniczuk acredita que a atuação brasileira no BRICS deve ser independente das agendas do G20 e da COP-30, agrupamentos com ênfases e prioridades diferentes.

"A ideia de que a presidência brasileira do BRICS deve ser uma ponte entre o G20 e a COP-30 me parece equivocada", considerou Mielniczuk. "O BRICS tem uma importância geopolítica em si, e não deve ser espremido entre agendas de outros agrupamentos de naturezas completamente diversas."

Apesar de a nomeação de Lyrio ser o resultado do engajamento de grupos mais interessados no engajamento do Brasil no BRICS, Harumi cobra a definição de uma linha política mais clara do Brasil no bloco.
© Sputnik / Grigory SysoevDa esquerda para a direita, responsáveis de Relações Exteriores de vários países: Dammu Ravi da Índia, Sameh Shoukry do Egito, Naledi Pandor da África do Sul, Wang Yi da China, Sergey Lavrov da Rússia, Mauro Vieira do Brasil, Abdullah bin Zayed Al Nahyan dos Emirados Árabes Unidos, Taye Atskeselassie da Etiópia, e Ali Bagheri, durante foto conjunta para a reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS em Nizhny Novgorod, Rússia, foto publicada em 10 de junho de 2024
Da esquerda para a direita, responsáveis de Relações Exteriores de vários países: Dammu Ravi da Índia, Sameh Shoukry do Egito, Naledi Pandor da África do Sul, Wang Yi da China, Sergey Lavrov da Rússia, Mauro Vieira do Brasil, Abdullah bin Zayed Al Nahyan dos Emirados Árabes Unidos, Taye Atskeselassie da Etiópia, e Ali Bagheri, durante foto conjunta para a reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS em Nizhny Novgorod, Rússia, foto publicada em 10 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Da esquerda para a direita, responsáveis de Relações Exteriores de vários países: Dammu Ravi da Índia, Sameh Shoukry do Egito, Naledi Pandor da África do Sul, Wang Yi da China, Sergey Lavrov da Rússia, Mauro Vieira do Brasil, Abdullah bin Zayed Al Nahyan dos Emirados Árabes Unidos, Taye Atskeselassie da Etiópia, e Ali Bagheri, durante foto conjunta para a reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS em Nizhny Novgorod, Rússia, foto publicada em 10 de junho de 2024
"Precisamos definir nossa linha política no BRICS urgentemente. Não há escolha. O BRICS é uma realidade. O Brasil é um membro fundador e presidente em 2025. A [ex-presidente] Dilma Rousseff é diretora do banco do BRICS [Novo Banco de Desenvolvimento], que está com uma perspectiva bastante animadora", notou Harumi. "Além disso, há forte demanda sobre o BRICS no mercado, nas relações comerciais, nos movimentos sociais e na sociedade – as pessoas falam muito no BRICS."

Temas prioritários

Por ora, os temas elencados pela diplomacia brasileira como prioritários para sua presidência no BRICS são desenvolvimento de meios de pagamentos entre os membros do grupo, inteligência artificial, financiamento para ações de combate às mudanças climáticas, saúde pública e fortalecimento institucional do BRICS.
© Foto / Agência GovMarca foi desenvolvida para representar a presidência brasileira do Brics em 2025
Marca foi desenvolvida para representar a presidência brasileira do Brics em 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
Marca foi desenvolvida para representar a presidência brasileira do Brics em 2025
Ao contrário de organizações internacionais como a ONU, o BRICS não possui uma estrutura institucional formal, um secretariado ou tratado constitutivo. A informalidade do bloco, muitas vezes considerada vantajosa, será debatida pela presidência brasileira.

"É uma pauta delicada, já que historicamente o Brasil favoreceu a flexibilidade do grupo. Apesar de ainda não estar claro quais serão as propostas brasileiras, tudo indica que haverá um debate sobre como definir os papéis dos membros permanentes do BRICS, por um lado, e seus membros associados, por outro lado", explicou o professor da UFRGS.

Após a nomeação de Lyrio, o governo federal atualizou sua lista de temas prioritários para incluir a reforma da arquitetura multilateral de paz e segurança. A agenda buscará prevenir conflitos, catástrofes humanitárias e resgatar a confiança nas soluções pacíficas de controvérsias, notou o professor Mielniczuk.
© Sputnik / Kristina Kormilitsyna O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024
 O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
O presidente russo, Vladimir Putin, e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, durante sua reunião à margem da 16ª cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, 22 de outubro de 2024
Já o doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Wagner Sousa, comemora a inclusão da agenda sobre meios alternativos de pagamentos entre as prioritárias para a presidência brasileira no BRICS.

"Acredito que, no âmbito do BRICS, a discussão mais presente deve ser relativa à criação de alternativas ao dólar", disse Sousa à Sputnik Brasil. "Mas é uma questão de longo prazo, não é algo trivial substituir a moeda reserva do sistema internacional, já hegemônica há 80 anos."

As ameaças feitas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, a países que realizem comércio sem utilizar o dólar não devem coagir o governo brasileiro, que acumula experiência na área, notou o especialista.
© AP Photo / Evan VucciO presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, após assinar ordens executivas em evento de sua posse presidencial, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025
"Fosse Donald Trump ou [ex-candidata à presidência dos EUA pelo Partido Democrata Kamala] Harris, qualquer movimento no sentido de substituir o dólar provocaria reação dos EUA. Neste sentido, nada muda para o Brasil com Trump, a não ser o estilo agressivo do republicano [...] estas ameaças não vão impedir que este processo tenha seguimento, ainda que demore muito tempo", concluiu o especialista.
O Brasil assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro, com o lema "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável". Inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o BRICS agora conta com Indonésia, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos como membros plenos. A categoria de membros associados também cresce e já inclui países como Argélia, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uzbequistão e Uganda.
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