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'Pais nem levam mais os filhos à escola': brasileiros nos EUA narram à Sputnik o temor da deportação

© AP Photo / Christian ChavezImigrantes usando máscaras faciais e algemas nas mãos e pés sentam-se em uma aeronave militar em Fort Bliss, em El Paso, Texas, enquanto aguardam para serem deportados. EUA, 30 de janeiro de 2025
Imigrantes usando máscaras faciais e algemas nas mãos e pés sentam-se em uma aeronave militar em Fort Bliss, em El Paso, Texas, enquanto aguardam para serem deportados. EUA, 30 de janeiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 04.02.2025
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Em reportagem especial, a Sputnik Brasil conversou com brasileiros que vivem nos EUA, que afirmaram que Trump "está latindo demais" e vai entender o erro de deportar trabalhadores quando "começar a faltar comida na mesa".
O empresário da construção civil Caio Ferraz trabalha há 27 anos no setor na cidade de Boston, capital do estado de Massachusetts, EUA. Em sua empresa, ele emprega imigrantes hispânicos e brasileiros, por conta da facilidade de comunicação. Porém, desde que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA, ele observou uma rotina de medo tomar conta de seus funcionários.
Logo que assumiu, Trump colocou em prática uma implacável perseguição a imigrantes indocumentados para serem deportados em massa, que desde a campanha presidencial são apontados como principais inimigos do país.
A empreitada gerou pavor entre imigrantes que vivem sem documentos nos EUA, incluindo brasileiros. Segundo um mapa da comunidade brasileira no exterior, divulgado em 2024, pelo Ministério das Relações Exteriores, dos 4,9 milhões de brasileiros e brasileiras residentes no exterior, mais de 2 milhões vivem nos EUA.

"A primeira reação, assim que Trump assumiu, foi os funcionários, os meninos que trabalham comigo, ficarem com medo. Medo de dirigir, medo de ir trabalhar, receio de a imigração bater no trabalho. Deu para perceber que eles estão ansiosos. Dá para ver que as ruas estão um pouco mais vazias, os ambientes estão menos frequentados", afirma.

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Ele explica que, pela lei local, como empregador, ele exige de seus funcionários o chamado IT Number, que é o documento de identificação de trabalho, ou o Social Security, que seria o equivalente ao CPF no Brasil. Segundo ele, a fiscalização do status dos imigrantes não é uma atribuição das empresas, mas do governo americano.
"Não cabe a mim checar se eles têm cidadania, se eles estão legais no país ou não. Essa é uma questão do governo americano."
Segundo Ferraz, muitos imigrantes não tinham consciência de que estavam agindo contra si mesmos ao apoiar Trump. Acreditando estar defendendo uma pauta pró-economia e contra a corrupção, eles acabaram caindo no que Ferraz chama de "o grande conto do vigário". Ele afirma que em sua equipe há pelo menos cinco pessoas que se enquadram nesse perfil e hoje estão com medo.

"Outro dia eu tive até uma conversa com um dos meus colaboradores, que trabalha comigo há oito anos e apoia o Trump, apoia o [Jair] Bolsonaro. Ele disse: 'Esse cara [Trump] é um canalha, se eu for mandado embora, eu estou ferrado, porque comprei um apartamento no Brasil, eu pago a prestação'. [..] Aí eu falei 'Engraçado, vocês estavam aqui, uns três ou quatro de vocês, torcendo pelo Trump, usando até boné do Trump, [...] e agora você está com medo? Qual é a contradição de vocês? Me explica aí", afirma Ferraz.

Ele afirma que a maior parte do trabalho árduo nos EUA é feita por imigrantes e o impacto da política de Trump vai afetar, em especial, o terceiro setor, que inclui serviços de limpeza, restaurantes e construção civil, e que hoje é dominado por imigrantes hispânicos e brasileiros.
"Nós [imigrantes] somos uma força muito grande na construção nos EUA. Nessa região que eu vivo aqui em Boston tem cerca de um milhão de brasileiros, a maioria trabalha com limpeza e construção e agora também com Uber, com entrega de comida. A Amazon mesmo vai ser impactada para caramba com a saída dos brasileiros. Ou seja, o impacto é forte, vamos ver o que vai acontecer daqui a uns dois ou três meses. Eu acho que esse cara [Trump] está latindo demais."
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Natural de Governador Valadares, em Minas Gerais, Ronaldo Felicio também reside em Boston e é conhecido na comunidade brasileira dos EUA como Ronaldo Absoluto. Ele migrou para os EUA em 2003, e conseguiu levar a esposa para o país oito meses depois.
Ronaldo conta que logo que chegou aos EUA foi difícil se estabelecer no país, e em várias ocasiões foi prejudicado trabalhando para pessoas que depois se recusavam a pagar pelo serviço.
Foi então que ele decidiu que, uma vez estabelecido, ajudaria outros imigrantes a não passarem por essa situação. Atualmente, ele é uma figura conhecida por isso na comunidade brasileira, concedendo palestras para orientar os imigrantes sobre como conseguir trabalho e se estabelecer nos EUA, e é dono do Bazaar Boston Absoluto.
"Fiquei muito conhecido aqui em ajudar as pessoas que trabalhavam e não recebiam, eu ia atrás para a pessoa receber [...]. E com isso eu criei grupos de WhatsApp, hoje eu tenho 69 grupos, com 35 mil pessoas dentro aqui, só em Massachusetts. Lá a gente coloca doação de móveis, doação de tudo que você pensar, aluguel de casa, apartamento, vaga de emprego, então ajuda muitas pessoas", explica.
Ele relata que muitos imigrantes hoje se sentem ameaçados por estarem sem documentos e mesmo aqueles que têm green card, que concede visto permanente nos EUA, têm medo.
"Ontem mesmo uma mulher me procurou, falou que está com medo de sair de casa. Ela tem um green card, e está com medo de ser presa", afirma.
Felicio explica que há muitas fake news divulgadas por pessoas maldosas para gerar pânico entre imigrantes, e que ele atua na contramão, informando as pessoas que o principal alvo em Massachusetts são pessoas que cometeram crimes, embora reconheça que houve caso de detenção equivocada de pessoa sem ficha criminal.

"Eu faço vídeo amenizando, tentando falar com as pessoas para ficarem mais tranquilas, para não entrarem em desespero. Porque tem muitos pais de família que nem levam mais os filhos à escola de medo."

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Uma das mudanças que Felicio afirma ter percebido foi o retorno da hostilidade contra imigrantes vivenciado no primeiro mandato de Trump.

"Quando Trump ganhou na última vez [2016], houve muito ódio das pessoas, dos americanos contra negro, contra você falar outra língua em algum estabelecimento, e o que eu estou vendo é que agora está começando novamente. Pessoas falando outra língua em algum lugar e o americano que queria fazer isso e não fazia antes, agora está se dando autoridade para afrontar aquela pessoa que está falando espanhol, português ou outra língua que não seja o inglês. Então está começando a criar aquele pânico, medo, sim."

Felicio afirma que a maioria dos cidadãos americanos é contra as deportações em massa e se solidariza com os imigrantes, mas a minoria que é a favor é mais barulhenta, e chama mais atenção pelo extremismo e pela hostilidade. Porém, com base em sua experiência de 22 anos nos EUA, ele afirma que, "quando começar a faltar comida na mesa, o que vai acontecer, porque o imigrante que trabalha na fazenda está com medo de trabalhar, isso vai dar um caos tremendo".
"Se continuar da forma que está, entre duas e três semanas, vai começar a faltar [comida]. Aí que o americano vai ver que realmente precisa do imigrante. Porque o americano não vai ficar no campo trabalhando no sol quente igual o imigrante trabalha, ele não vai fazer isso. Houve até uma reportagem aqui que colocaram uns americanos trabalhando numa lavoura, e na hora que deu meio-dia eles já não queriam voltar para trabalhar. Não aguentaram. [...] Então, quando começar a faltar comida na mesa é que vai ter a repercussão do que é deportar um imigrante trabalhador. Deportar imigrante que está fazendo baderna, que está cometendo crime, eu sou a favor. Agora deportar aquele que está aqui trabalhando, trazendo um sustento para casa, eles vão ver a diferença que o imigrante faz nesses EUA."

Processos de regularização ficarão mais difíceis

Trump afirma que as deportações têm como alvo criminosos. No entanto, há muitos imigrantes sem ficha criminal, que, embora sem documentos, trabalham há anos nos EUA, têm rotina estabelecida no país, mas estão sendo perseguidos, conforme aponta à reportagem Renata Castro, advogada brasileira especializada em imigração, radicada nos EUA e proprietária do escritório USA 4 All, sediado na Flórida.
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Ela afirma que o governo Trump está investindo todos os seus recursos na deportação de não criminosos, o que tem gerado um custo operacional e financeiro. Em paralelo, o processo para regularizar a situação se tornou mais difícil e demorado.
"Eu acredito, baseado na nossa experiência do que aconteceu no primeiro mandato de Trump, que o próximo passo será impactar a viabilidade de processos que antes eram menos complexos", explica.
Castro afirma que, nos 23 anos que mora e trabalha nos EUA, nunca havia visto uma histeria similar à vivenciada atualmente.
"O número de pessoas em pânico, decidindo ir embora, também algumas pessoas especulando em cima da situação, é o mais expressivo que a gente, como imigrante, como profissional, tem visto aqui nos EUA."
Ela afirma que seu escritório de advocacia tem uma média de 1.100 a 1.200 contatos mensais de pessoas em busca de informações sobre como permanecer ou se mudar para os EUA. Porém, no mês de janeiro, esse número saltou para 3.102 contatos.

"Nós tivemos um congestionamento de chamadas porque era simplesmente impossível dar vazão não só ao volume de pedidos de contato, mas também à imediatez que os clientes ou que as pessoas requerem, porque estão todos em pânico", relata Castro.

No caso de brasileiros que desejam regularizar a situação nos EUA, ela afirma que o principal entrave para isso é o fato de que a grande maioria deles não entende que existe um protocolo que deve ser seguido: primeiro o planejamento imigratório, depois a mudança.
"A grande maioria dos brasileiros vem para os EUA sem um planejamento preliminar, por pressões econômicas e pessoais, e acaba criando um cenário imigratório muito mais complexo e que pode, inclusive, barrá-los no futuro de receber o status imigratório que eles tanto sonham nos EUA."
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No entanto, ela afirma que nos últimos anos houve uma mudança no perfil do brasileiro indocumentado nos EUA, alimentada pela "explosão do acesso à educação de nível superior no Brasil". Nesse contexto, brasileiros que se enquadram nas categorias EB-1ª e EB-2, vistos concedidos aos que comprovam habilidades extraordinárias, aumentou.

"A realidade é que quem está fora de status [legal] não é mais aquela pessoa que entrou nos EUA pela fronteira ou que tinha uma condição educacional no Brasil precária."

Na avaliação de Castro, a chegada de Trump à presidência transformou o sonho americano em "pesadelo".
"Com Trump, o sonho americano se tornou um pesadelo não só para o brasileiro, mas para o americano também, que já está sofrendo as consequências financeiras desse caos que está acontecendo em todos os lados", afirma.
A advogada aponta que muitos brasileiros estão indo embora voluntariamente e evitando usar serviços locais que são de grande concentração de brasileiros ou de imigrantes por medo de uma possível detenção.
Ela afirma ainda que entre a população estadunidense há muita falta de informação sobre a questão dos imigrantes, o que dificulta um posicionamento claro sobre o tema.

"É complicado discutir a posição do americano, porque o americano, no geral, ele tem uma percepção do imigrante assim: 'Não, eu não quero os criminosos aqui, mas José, que é o meu jardineiro, é uma ótima pessoa, não deveria ser deportado'. Então a gente tem muita falta de informação em relação a isso", explica.

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