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Paciência e virtuosidade: como a cultura milenar influencia o governo e a política externa da China

© AP Photo / Lee Jin-manPoliciais chineses marcham na Praça da Paz Celestial, em Pequim. China, 7 de novembro de 2012
Policiais chineses marcham na Praça da Paz Celestial, em Pequim. China, 7 de novembro de 2012 - Sputnik Brasil, 1920, 13.02.2025
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialista analisa o modelo de governança chinês, que equilibra tradições milenares com uma abordagem moderna e pragmática de administração do Estado, calcada na coletividade.
A ascensão da China como potência global desencadeou debates intensos sobre seu modelo de governança.
O livro "China: tradição e modernidade na governança do país" chegou à quinta posição entre os mais vendidos na Amazon na categoria Relações Políticas e Ciências Sociais, refletindo o interesse crescente pelo tema.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Evandro Carvalho de Menezes, autor do livro, especialista em China e professor de direito internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que um dos capítulos da obra trata da questão republicana da China, que ele considera um ponto-chave para entender o sistema chinês.
"Debate-se muito a questão da democracia e pouco a questão republicana; aqui mesmo no Brasil é assim. E você tem Poderes da República aqui no Brasil que são pouco republicanos. E na China, quando você olha a história da China, […] a grande demanda dos movimentos políticos era pela implementação de uma república que significasse um governo para todos. Essa república depois se transforma em república popular em 1949, liderada pelos comunistas, que contestam aquela república dos nacionalistas", afirma.
Ele acrescenta que a China também deve ser entendida como uma nação-família para ter seu sistema compreendido.

"Se você não entende o papel da família na sociedade chinesa, você não vai entender a China. […] E isso acaba se projetando na estrutura mesmo de organização social do país, a percepção de ser uma nação-família."

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Nesse contexto, Menezes afirma que o papel da família se insere no viés republicano chinês dentro da questão do respeito à hierarquia.
"Então pensar a República Popular [da China] sem levar em conta esses elementos da cultura chinesa, uma percepção de uma nação-família que remonta, que é uma lógica também confucionista, você não consegue entender o funcionamento total do Estado chinês", explica.
Ele afirma que o Renascimento e o Iluminismo europeus tiveram muita influência do mundo árabe e da Ásia, sobretudo por meio da Rota da Seda, e que esses movimentos europeus resultaram também na Revolução Industrial.
Segundo o especialista, esse movimento culminou na libertação do indivíduo, na sua capacidade de raciocinar e, a partir dessa racionalização e domínio da ciência, viabilizou construir possibilidades de futuro.
"O que acontece hoje é que houve uma distorção muito grande dessa individualidade do indivíduo, como um polo criador, para se tornar um individualismo egoísta e fragmentador da sociedade. Então essa modernização chinesa vai para um caminho diferente."
Menezes observa que a modernização chinesa, ao contrário da ocidental, aponta para a ideia de coletividade, na qual o indivíduo se realiza somente inserido nessa teia de relações.

"Então a coletividade, o elemento da coletividade, passa a ser importante nesse processo de modernização da China. Ele é orientado desde essa perspectiva, e isso já estabelece uma diferença muito interessante, muito grande da modernização chinesa daquela modernização que vimos acontecer de maneira brilhante no Ocidente, mas que hoje vê as suas limitações e um processo de fragmentação total do tecido social no Ocidente", afirma.

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Ele destaca ainda que a China tem uma abordagem diferente da ocidental em relação à diplomacia, calcada na complementaridade, no "yin e yang".
"Aquela pessoa que aparentemente hoje não está sendo bacana, legal, ou está sendo um pouco agressiva com os chineses, [como] no caso dos Estados Unidos, aquilo pode mudar. Ela pode mudar, as circunstâncias podem mudar, porque tudo muda."
Ademais, o sistema chinês promove uma dinâmica mais lenta tanto em negociações quanto em projetos de investimentos, ao contrário da maneira mais apressada do Ocidente. Segundo Menezes, essa abordagem está presente desde o conto chinês do mito da criação do mundo.

"No caso da China, fala-se de Pangu, que é um deus que foi criando a cada não sei quantos anos, o mundo foi crescendo 7 mil pés. Aí ele vai em um processo inteiro, até um ovo cósmico dar origem ao universo. Isso levou não sei quantos mil anos. Quando a gente olha para o Ocidente, o mito da criação do universo é o Big Bang, […] ou Deus, que criou em seis dias e no sétimo dia descansou. Quer dizer, é uma maneira muito rápida. […] Então até a explicação da origem do universo, ela tem formas diferentes", afirma.

Segundo o especialista, isso tem muito a ver com a paciência chinesa de "esperar a oportunidade, o conjunto das circunstâncias ser favorável".
Ele afirma ainda que o modelo de governança chinês tem uma inserção na sociedade muito grande, e é previsto na Constituição que, onde houver três membros do Partido Comunista, pode-se ali estabelecer uma unidade primária do partido.
"Por isso que você tem empresas chinesas que, se tiver ali três membros do partido, eles abrem uma unidade naquela empresa — uma empresa privada, pode ser no hospital, pode ser na escola… —, então o partido está presente na sociedade. […] Além disso, eles criam comitês de bairro nas cidades e, nas zonas rurais, comitês de vila. Esses comitês são escolhidos pela população do bairro ou da comunidade rural diretamente, não é indiretamente."
Segundo Menezes, a cultura confucionista está presente no Partido Comunista, por isso o governante tem que ser uma pessoa virtuosa.

"Isso é o ideal do ser humano nobre, confucionismo puro. Então o presidente da república tem que se adequar a determinadas normas morais e éticas do país, da nação. Então, à luz da cultura chinesa, é extremamente impossível uma liderança chinesa assumir o país e ser verborrágico, pornográfico, como foi o [Jair] Bolsonaro ou o próprio [Donald] Trump é. Não é do estilo que a sociedade chinesa espera de um presidente. O Xi Jinping [presidente chinês] cansa de citar, nos escritos dele e nos discursos filósofos chineses, a sabedoria chinesa."

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