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Prioridade para a diplomacia chinesa: especialista aponta 'envergadura internacional' do Brasil

© AP Photo / Mark SchiefelbeinHomem ajusta bandeira chinesa durante coletiva de imprensa na embaixada brasileira em Pequim, em 14 de abril de 2023
Homem ajusta bandeira chinesa durante coletiva de imprensa na embaixada brasileira em Pequim, em 14 de abril de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 24.05.2024
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Em 2024, quando as relações diplomáticas entre Brasil e China completam 50 anos e chega a duas décadas de existência uma das principais comissões responsáveis por estreitar a cooperação entre os países, o governo brasileiro trouxe como meta potencializar ainda mais as parcerias. Desde a quinta (23), Celso Amorim cumpre extensa agenda em Pequim.
Ainda era ditadura militar quando, em meio à tentativa do governo brasileiro de se tornar menos dependente dos Estados Unidos, fiador do regime autoritário no país, foram estabelecidas as relações diplomáticas entre Brasil e China, em 1974.
No mesmo ano, foram abertas as embaixadas em Brasília e Pequim. A parceria crescia a passos largos, até que em 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi instalada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que reúne ministérios dos dois países nas mais diversas áreas e acaba de completar duas décadas de atividades.
Tudo isso levou a China a se tornar o maior parceiro comercial do Brasil ainda em 2009 e, desde então, uma das principais fontes de investimento externo.
No ano em que as relações diplomáticas entre Pequim e Brasília completam 50 anos, o governo brasileiro colocou como meta potencializar os laços econômicos, políticos e culturais. Em meio às comemorações da data, o assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, realiza desde a última quinta-feira (23) uma extensa agenda oficial na China, que já trouxe frutos: a assinatura de um documento conjunto com seis pontos para a desescalada na Ucrânia, em resposta à conferência de paz que será realizada na Suíça sem a presença da Rússia.
O professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e especialista em assuntos ligados a Pequim Marcos Cordeiro Pires lembrou à Sputnik Brasil que o país é uma prioridade para a diplomacia chinesa, o que, segundo ele, mostra o tamanho da "envergadura internacional que muitos brasileiros sequer percebem".
Um dos organismos bilaterais que concentram boa parte dos esforços de cooperação entre Brasil e China é justamente a Cosban, que, segundo o especialista, engloba pastas como Fazenda, Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia, Defesa e Agricultura.

"São pautas que são importantes para caminhar o planejamento da cooperação desses dois países que firmaram a parceria estratégica em 1993 e que aprofundaram essa questão em 2012, quando ocorreu aqui no Brasil a Rio+20 [Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável]. A gente pode fazer menção […] à cooperação em nível comercial, à superação de barreiras comerciais, à parte de licenciamento de frigoríficos ou a todas as questões fitossanitárias", exemplifica o especialista.

Apesar disso, o professor cita que há um desafio importante a ser superado: a falta de continuidade das reuniões na comissão. "Não há uma definição de que esses encontros vão ocorrer, por exemplo, de maneira anual, e isso depende muito da predisposição de cada governo. É claro que no Itamaraty as comissões que lidam diretamente com as contrapartes chinesas são permanentes, porém as reuniões de cúpula, como será quando o vice-presidente Geraldo Alckmin for para a China, no dia 1º de junho, são muito importantes [na esteira dos 20 anos da Cosban]", acrescenta.
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Qual é a relação que existe entre a China e o Brasil?

Só no ano passado, as exportações brasileiras para a China atingiram US$ 104 bilhões (R$ 537,4 bilhões), o quarto recorde consecutivo e valor que representa, a nível de comparação, quase a metade do produto interno bruto (PIB) de países como Portugal e Grécia. Para além da questão comercial, o professor Marcos Cordeiro lembra que o Brasil possui pautas ainda mais ambiciosas com o país.

"É o caso das obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento [PAC], em que o governo traça diversas diretrizes e que poderiam depender muito, por exemplo, da parceria com os chineses. Também há a questão da energia limpa e a própria reindustrialização brasileira, que é uma questão bastante polêmica, principalmente com relação aos carros elétricos pelos norte-americanos. Essa é uma temática significativa que pode caminhar aqui não só na produção dos veículos, mas no desenvolvimento de baterias, inclusive com a própria exploração em larga escala das reservas de lítio no Brasil ou de outros minerais críticos", resume.

O especialista ainda pontua a agenda ligada ao meio ambiente, diante das mudanças climáticas e eventos extremos. "Eu imagino que a tragédia no Rio Grande do Sul pode chamar a atenção para a busca de um diálogo mais aprofundado entre Brasil e China na questão relacionada à descarbonização e em questões relacionadas a problemas de segurança não tradicionais, como, por exemplo, resgate, tragédia, como articular defesa civil, troca de experiência nessa área", explica, ao enfatizar que os principais anúncios do ano com relação à cooperação China-Brasil devem ficar para novembro, durante a visita oficial do presidente Xi Jinping, quando também participará do G20.
Já o professor de relações internacionais e da pós-graduação em ciências sociais da Unesp Luis Antonio Paulino destaca à Sputnik Brasil que a cooperação técnica em ciência e tecnologia é uma das áreas que mais têm avançado na parceria entre os dois países.

"O Brasil tem programas e acordos de cooperação com a China na área espacial, de tecnologia da informação e comunicação, biotecnologia, nanotecnologia, astronomia, ciências agrárias, parques tecnológicos, Antártica, educação e cultura, esportes e defesa", argumenta, ao pontuar ainda o setor do agronegócio, com a ampliação de frigoríficos para a venda de carne no país, que pode dobrar o volume das exportações brasileiras para o país asiático.

Qual o motivo da tensão entre EUA e China?

Diante da perda de espaço e relevância dos Estados Unidos em todo o globo e o crescimento da influência chinesa, os dois países vivem quase uma nova edição da Guerra Fria, que se intensifica ao longo dos anos.
E as eleições norte-americanas, aponta Marcos Cordeiro Pires, podem interferir inclusive nas relações entre Brasil e China, que no ano passado fizeram a primeira transação completa em moeda local para empresas brasileiras. "Sabemos que é uma questão muito interessante, e, recentemente, o candidato a presidente Donald Trump disse que vai agir com todo o rigor contra países que adotarem políticas de desdolarização", enfatiza o professor de relações internacionais.

"O único consenso bipartidário que existe hoje nos Estados Unidos é contra a China. É a adoção de todas essas medidas. E dentro dessa fluidez do cenário internacional, a gente deveria esperar o que poderia ser a eleição de Donald Trump, porque seria, de fato, um divisor de águas, e isso poderia ter um impacto maior na relação entre o Brasil e a China do que atualmente se coloca […]. Algo que seria desejável para o Brasil, mas a pressão norte-americana é muito forte, por exemplo a assinatura do memorando de entendimento do Belt and Road [Iniciativa Cinturão e Rota]. Poderia ser anunciado pelo Xi Jinping, mas a gente sabe que esse é um tema que é bastante sensível", declarou.

Relações estremecidas entre China e Argentina podem beneficiar o Brasil

Pela primeira vez na história, em 2022 os investimentos chineses tiveram uma virada de chave na América do Sul, quando a Argentina desbancou o Brasil e se tornou a "queridinha" de Pequim no continente — na época, o montante destinado a Buenos Aires ficou em US$ 1,34 bilhão (R$ 6,92 bilhões), enquanto a Brasília foi de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,7 bilhões). Porém, com o início do governo Javier Milei no país vizinho, no fim do ano passado, cuja estratégia é se aproximar dos Estados Unidos e menos dos chineses, o jogo pode virar novamente.

"Então acho que o que poderia ocorrer com a política que considero desastrada do governo atual na Argentina é que alguns desses investimentos acabem sendo deslocados aqui do Brasil. E, de novo, a gente deveria prestar atenção no tamanho das oportunidades que o Brasil pode criar, por exemplo para investimento chinês em infraestrutura. Nós temos a questão do PAC, que é uma carteira de projetos muito grande, que não envolve apenas estradas, ferrovias, mas também a própria urbanização. A crise no Rio Grande do Sul, a crise climática impactou as cidades fundamentalmente, a forma como as cidades são construídas. E você tem no novo PAC um capítulo que vai colocar as cidades mais resilientes. E a China tem muita expertise nessa área e poderia utilizá-la [no país]", pontua.

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Por fim, um dos últimos pontos que voltaram a marcar a estreita relação diplomática entre China e Brasil foi a divulgação do documento com pontos em comum defendidos pelos países com relação ao conflito ucraniano durante a visita de Celso Amorim.

"É uma resposta à conferência de mais de 50 países [que acontece em junho] para a qual a Rússia não foi convidada. Então é muito difícil imaginar que dê para fazer uma reunião sobre paz na Ucrânia sem ter como contrapartida a presença da opinião russa nessas discussões. E vale lembrar que no começo do ano passado, logo após o Lula assumir, ele já defendia uma negociação de paz e recusou, por exemplo, vender ou repassar tanques ou munições de tanques alemães do tipo Leopard", enfatizou Cordeiro.

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