'Ainda estou aqui' mostra que cinema é 'poderoso' soft power do Brasil, mas ainda negligenciado
'Ainda estou aqui' mostra que cinema é 'poderoso' soft power do Brasil, mas ainda negligenciado
Sputnik Brasil
A maior festa brasileira ganhou deslumbre e euforia extras neste domingo (3) de Carnaval, com a vitória do filme "Ainda estou aqui", do diretor Walter Salles... 03.03.2025, Sputnik Brasil
Foliões e blocos foram tomados por sósias da atriz Fernanda Torres, que faz a personagem principal da obra, e, pelos quatro cantos do país, o anúncio da primeira estatueta dourada para o Brasil foi recebido com o estardalhaço digno de um gol da seleção em uma final de Copa do Mundo.O longa, que também disputou os prêmios de Melhor Filme da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos e de Melhor Atriz, foi baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva que conta a história do drama de sua família após o pai, Rubens Paiva, ser sequestrado, morto e ter o corpo desaparecido, em 1971, pelo governo da ditadura civil-militar no Brasil (1964–1985).Os efeitos e feitos desse sucesso evidenciaram que qualidade, técnica e público não são empecilhos para o despontar do cinema brasileiro até o topo da indústria cinematográfica mundial, de acordo com especialistas na área ouvidos pela Sputnik Brasil.O poder do cinema brasileiro de influenciar outras nações por meio da atração e persuasão é subaproveitado pelo Estado, de acordo com o jornalista e escritor Jotabê Medeiros e o professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael dos Santos.Santos lembrou que o Brasil possui sólido "know-how em telenovelas" no mundo, bem como produções cinematográficas renomadas internacionalmente há décadas. O que falta, comentou, é política pública específica para investir nesse setor e transformá-lo em ferramenta de marketing:Também chamada na geopolítica de "soft power", essa estratégia de criar uma imagem positiva e inspirar admiração no exterior busca gerar vantagens para um país, como divulgação, afirmação cultural e histórica, atratividade turística, criação de símbolos e diálogos transnacionais, elencou Medeiros, que lamentou a falta de visão governamental para o potencial da arte de colher louros comerciais, econômicos e culturais.Entretanto, há muitos caminhos para tornar a sétima arte uma ferramenta positiva na política externa, argumentaram os entrevistados, com regras e fiscalização adequadas, investimento na formação de público, na socialização da experiência audiovisual por meio da educação:"Dinheiro e os editais, sozinhos, não garantem democratização e ampliação de mercados. É preciso atuar nas políticas de promoção, distribuição, divulgação e exibição", defendeu o jornalista, ao afirmar que a maior parte dos recursos do cinema, proveniente do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), atualmente é monopolizado por um grupo político.O professor da UERJ ponderou que, apesar do fomento indireto pela Lei Rouanet e do FSA, que alocam quase R$ 1 bilhão por ano ao mercado audiovisual, não basta investir apenas em produção:Santos citou ainda que a política pública para o setor pode incluir investimento em intercâmbio com profissionais do exterior.A indústria cinematográfica nacional, para se desenvolver, precisa "se afastar dos lobbies", avaliou Medeiros.Emprego e rendaAmbos os especialistas também destacaram que, para além do soft power, investir em cinema traz frutos econômicos diretos para o país. Medeiros deu como exemplo o filme "Ainda estou aqui", que já faturou mais de US$ 5 milhões (cerca de R$ 30 milhões) em bilheterias nos Estados Unidos e US$ 140 milhões (cerca de R$ 827 milhões) no planeta todo."Para ter uma ideia, a exportação de vinhos brasileiros foi de cerca de US$ 13 milhões [cerca de R$ 76 milhões] no ano passado", comentou ele.Santos acrescentou:BRICS e cinema brasileiroAmbos os entrevistados também destacaram que o BRICS, agrupamento de países emergentes criado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que hoje inclui também Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Indonésia, também pode ser ferramenta para alavancar o cinema brasileiro.
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'Ainda estou aqui' mostra que cinema é 'poderoso' soft power do Brasil, mas ainda negligenciado
A maior festa brasileira ganhou deslumbre e euforia extras neste domingo (3) de Carnaval, com a vitória do filme "Ainda estou aqui", do diretor Walter Salles, como melhor filme internacional na cerimônia do Oscar, maior premiação da cinematografia mundial.
Foliões e blocos foram tomados por sósias da atriz Fernanda Torres, que faz a personagem principal da obra, e, pelos quatro cantos do país, o anúncio da primeira estatuetadourada para o Brasil foi recebido com o estardalhaço digno de um gol da seleção em uma final de Copa do Mundo.
O longa, que também disputou os prêmios de Melhor Filme da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos e de Melhor Atriz, foi baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva que conta a história do drama de sua família após o pai, Rubens Paiva, ser sequestrado, morto e ter o corpo desaparecido, em 1971, pelo governo da ditadura civil-militar no Brasil (1964–1985).
A atriz Fernanda Torres parabeniza Walter Salles após a conquista do Oscar de "Ainda estou aqui" na categoria Melhor filme Internacional, no Dolby Theatre, em Los Angeles, EUA, em 2 de março de 2025
A atriz Fernanda Torres parabeniza Walter Salles após a conquista do Oscar de "Ainda estou aqui" na categoria Melhor filme Internacional, no Dolby Theatre, em Los Angeles, EUA, em 2 de março de 2025
Por causa da indicação do filme "Ainda estou aqui" ao Oscar, estatuetas do evento estão em alta, assim como fantasias da atriz Fernanda Torres em seus vários papeis na televisão. Pedro Frediano foi na rua 25 de Março, em São Paulo (SP), comprar sua fantasia
Por causa da indicação do filme "Ainda estou aqui" ao Oscar, estatuetas do evento estão em alta, assim como fantasias da atriz Fernanda Torres em seus vários papeis na televisão. Pedro Frediano foi na rua 25 de Março, em São Paulo (SP), comprar sua fantasia
A atriz Fernanda Torres parabeniza Walter Salles após a conquista do Oscar de "Ainda estou aqui" na categoria Melhor filme Internacional, no Dolby Theatre, em Los Angeles, EUA, em 2 de março de 2025
Por causa da indicação do filme "Ainda estou aqui" ao Oscar, estatuetas do evento estão em alta, assim como fantasias da atriz Fernanda Torres em seus vários papeis na televisão. Pedro Frediano foi na rua 25 de Março, em São Paulo (SP), comprar sua fantasia
Os efeitos e feitos desse sucesso evidenciaram que qualidade, técnica e público não são empecilhos para o despontar do cinema brasileiro até o topo da indústria cinematográfica mundial, de acordo com especialistas na área ouvidos pela Sputnik Brasil.
O poder do cinema brasileiro de influenciar outras nações por meio da atração e persuasão é subaproveitado pelo Estado, de acordo com o jornalista e escritor Jotabê Medeiros e o professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael dos Santos.
Santos lembrou que o Brasil possui sólido "know-how em telenovelas" no mundo, bem como produções cinematográficas renomadas internacionalmente há décadas. O que falta, comentou, é política pública específica para investir nesse setor e transformá-lo em ferramenta de marketing:
"A economia criativa de uma maneira geral, as artes de maneira geral, servem como um poderoso 'soft power' para o Brasil, porque o Brasil tem uma cultura riquíssima, a música, o Carnaval, as artes plásticas, o teatro, enfim. E o cinema, que sempre resistiu aos momentos difíceis, aos momentos de falta de investimento."
Também chamada na geopolítica de "soft power", essa estratégia de criar uma imagem positiva e inspirar admiração no exterior busca gerar vantagens para um país, como divulgação, afirmação cultural e histórica, atratividade turística, criação de símbolos e diálogos transnacionais, elencou Medeiros, que lamentou a falta de visão governamental para o potencial da arte de colher louros comerciais, econômicos e culturais.
"O mercado de cinema amargou sucessivos boicotes ao longo dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro — e mais dois de Michel Temer. Isso trouxe um atraso considerável para o setor audiovisual, que vinha crescendo. O governo Bolsonaro descumpriu acordos internacionais, travou editais, censurou cineastas, filmes e temáticas, sequestrou o Fundo Setorial do Audiovisual. Tudo por uma questão ideológica", lamentou ele.
"Dinheiro e os editais, sozinhos, não garantem democratização e ampliação de mercados. É preciso atuar nas políticas de promoção, distribuição, divulgação e exibição", defendeu o jornalista, ao afirmar que a maior parte dos recursos do cinema, proveniente do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), atualmente é monopolizado por um grupo político.
O professor da UERJ ponderou que, apesar do fomento indireto pela Lei Rouanet e do FSA, que alocam quase R$ 1 bilhão por ano ao mercado audiovisual, não basta investir apenas em produção:
"É preciso também ter uma política mais dinâmica, desenvolver a infraestrutura de produção, de pós-produção. [Para] Muitos filmes a pós-produção é mais cara do que a produção. […] também incentivar a formação de público, criar o hábito de o brasileiro assistir conteúdo nacional. Esse hábito passa por uma política de formação nas escolas, de as pessoas poderem assistir nas escolas", disse ele, ao acrescentar o subsídio para o ingresso de filme brasileiro como outra estratégia relevante.
Santos citou ainda que a política pública para o setor pode incluir investimento em intercâmbio com profissionais do exterior.
"Isso decorre da própria dinâmica de funcionamento das agências de regulação do país, cuja nomeação se dá a partir da Presidência da República. Esse é o nó fundamental, mas há outros. A própria ignorância do governo em relação ao problema, fruto de atraso administrativo, tem prejudicado avanços. O cinema precisa ultrapassar a fase de coronelismo e azeitar os mecanismos de funcionamento espontâneo", opinou.
A indústria cinematográfica nacional, para se desenvolver, precisa "se afastar dos lobbies", avaliou Medeiros.
"Procurar os setores produtivos em sua ampla representatividade — atores, produtores, cineastas, cinegrafistas, iluminadores, contrarregras; criar instâncias de deliberação que não se submetam à lógica política, à lógica de ocasião; afastar-se da compra de apoio nos sindicatos e na imprensa; e buscar os problemas reais e as soluções reais."
Emprego e renda
Ambos os especialistas também destacaram que, para além do soft power, investir em cinema traz frutos econômicos diretos para o país.
Medeiros deu como exemplo o filme "Ainda estou aqui", que já faturou mais de US$ 5 milhões (cerca de R$ 30 milhões) em bilheterias nos Estados Unidos e US$ 140 milhões (cerca de R$ 827 milhões) no planeta todo.
"Para ter uma ideia, a exportação de vinhos brasileiros foi de cerca de US$ 13 milhões [cerca de R$ 76 milhões] no ano passado", comentou ele.
Santos acrescentou:
"Sétima arte, assim como toda a cadeia produtiva do audiovisual, que aí inclui streaming, televisão aberta, televisão por assinatura, séries, filmes e também os games, os jogos eletrônicos, pode gerar também muito emprego e renda."
BRICS e cinema brasileiro
Ambos os entrevistados também destacaram que o BRICS, agrupamento de países emergentes criado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que hoje inclui também Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Indonésia, também pode ser ferramenta para alavancar o cinema brasileiro.
"Possibilidades para além do eurocentrismo e da hegemonia estadunidense. Mas sempre sem nos fecharmos", comentou Santos. "Além de ampliar as possibilidades de fora, as barreiras de mercado, há capital disponível na China para investimentos. E o BRICS é um mercado promissor e que tende a crescer até mais, com esse fechamento dos EUA no segundo mandato do Donald Trump. A CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] também pode ajudar a expandir o conteúdo nacional pela lusofonia", completou.
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