Argentina vai às ruas para dizer 'nunca mais' 49 anos depois da última ditadura
© AP Photo / Rodrigo AbdManifestantes carregam uma faixa com fotos de pessoas desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983) em uma marcha em comemoração ao aniversário do golpe de 1976 no país, em Buenos Aires, Argentina, 24 de março de 2025

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Centenas de milhares de pessoas lotaram a emblemática Praça de Maio no Dia da Memória, da Verdade e da Justiça. Famílias, estudantes, sindicatos e organizações sociais se mobilizaram em todo o país. Enquanto isso, o presidente Milei divulgou um vídeo enfatizando a responsabilidade da ditadura pelas ações de organizações armadas.
Não havia um único espaço vazio na Praça de Maio. Centenas de milhares de pessoas lotaram todos os cantos disponíveis para celebrar a democracia no 49º aniversário do golpe de Estado que marcou o início da era mais sombria da história do país do sul, dando início à ditadura civil-militar mais sangrenta da América Latina. Jovens de todas as idades, famílias inteiras, estudantes, sindicatos e organizações políticas e sociais se uniram em uma das maiores manifestações exigindo memória, verdade e justiça.
Relatos destacaram a força do discurso de Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio — que está prestes a completar 95 anos — lembrando que, meio século depois do início do regime de fato, ainda existem mais de 300 filhos de desaparecidos que foram apropriados pelos militares ao nascer e cujas identidades nunca foram recuperadas. "Não esquecemos, não perdoamos e não nos reconciliamos", enfatizou a especialista em direitos humanos.
Embora a demanda pela memória constitua um denominador comum da história argentina sob a democracia, a marcha de 2025 foi marcada pela oposição ao governo de Javier Milei. Nesta manhã, o presidente divulgou um vídeo publicado na conta oficial da Casa Rosada (sede do governo) no qual buscava destacar "toda a verdade", equiparando a responsabilidade da ditadura à de suas vítimas.
A peça audiovisual — em linha com a "batalha cultural" travada pelo presidente — questiona o número de 30 mil pessoas desaparecidas pelo regime, um dos carros-chefes das organizações de direitos humanos.
"Longe de saber o que realmente aconteceu na década de 1970, os estudantes do século XXI foram doutrinados em uma narrativa cômica, maniqueísta e reducionista", diz o texto.
MEMORIA, VERDAD Y JUSTICIA
— Javier Milei (@JMilei) March 24, 2025
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A resposta foi tanto discursiva quanto simbólica: pela primeira vez em 19 anos, todos os manifestantes convergiram para uma única mobilização, diferentemente de comemorações anteriores, nas quais partidos de esquerda se separaram do movimento peronista e de organizações de direitos humanos.
"O governo não nos respeita, nos humilha, nos ofende", disse Estela de Carlotto durante seu discurso. "Bem, mas eles votaram nele", acrescentou. A líder das Avós da Praça de Maio enfatizou: "Temos que continuar o máximo que pudermos. Somos respeitosas, mas também esperamos respeito."
Os slogans iam além do contexto estritamente político. "É uma data de grande tristeza para os trabalhadores e o movimento trabalhista. Temos um enorme compromisso com esta data e nunca estaremos ausentes. Justiça, verdade e lembrança devem viver na memória de todos", disse Abel Furlán, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos, um dos sindicatos mais importantes do país, à Sputnik.
Fora das organizações sociais e políticas, a Praça de Maio também estava lotada de manifestantes espontâneos. "Vim com minhas filhas para que elas pudessem testemunhar o que aconteceu. É um dever e uma obrigação de todo cidadão conhecer a história de seu país e os eventos que ocorreram para não os repetir. Não devemos tomar a democracia como garantida: é algo pelo qual devemos lutar constantemente", disse Carlos, um homem de 64 anos que foi com sua família.
O pilar central da mobilização foi organizado pelos familiares imediatos dos desaparecidos pelo regime. "Minha irmã tinha 16 anos e meu pai tinha 38 quando eles foram sequestrados. Todos nós, argentinos, presentes na marcha de hoje, devemos continuar a exigir memória, verdade e justiça", disse Laura, uma das participantes, à Sputnik.