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'Recuo' militar dos EUA na África: independência estratégica ou novas vulnerabilidades no continente?

© Sargento Christopher Dyer da Força Aérea dos Estados Unidos via APMilitares norte-americanos em base aérea mostram novos veículos militares enviados pelos EUA à região. Níger, 30 de maio de 2024
Militares norte-americanos em base aérea mostram novos veículos militares enviados pelos EUA à região. Níger, 30 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 27.06.2025
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Em mais um movimento de mudança brusca da política externa, os Estados Unidos, sob a administração do presidente Donald Trump, já dão indícios concretos de reduzir a presença militar na África. O objetivo: fazer com que os próprios países cuidem da segurança. Especialistas analisam ao podcast Mundioka os impactos da medida no continente.
Há mais de 20 anos, o Leão Africano é o maior exercício militar liderado pelos Estados Unidos no continente africano. Entre operações terrestres, marítimas e aéreas, a iniciativa ocorre anualmente em países como Marrocos, Tunísia, Senegal e Gana, com a participação das Forças Armadas de mais de 40 países, incluindo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Para 2025, a promessa era entregar uma das maiores edições da história. Porém, a mudança na abordagem das lideranças militares norte-americanas sinaliza uma nova postura do país na África.
Em declarações à imprensa, o principal general do Comando dos EUA para a África afirmou que os países da região precisam atingir "níveis de operações independentes", enquanto o governo Trump discute até a redução do contingente militar em território africano, em uma nova tônica da administração de se voltar mais para os problemas domésticos. Mas a mudança de rota estadunidense no continente vai aumentar as vulnerabilidades dos países ou é uma oportunidade para a soberania plena?
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Mamadou Alpha Diallo, doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendeu ao podcast Mundioka que a nova estratégia de Trump na África não representa necessariamente um recuo militar, mas sim uma "redistribuição".
Conforme o especialista, só na região há 34 bases geridas por Washington, entre estruturas permanentes e temporárias, em um movimento iniciado a partir da década de 1960, quando a presença neocolonial europeia começou a enfraquecer. Como exemplo, Diallo cita o caso da Somália, cuja independência ocorreu justamente com o apoio norte-americano.
"A presença estrangeira, principalmente na área de segurança, é totalmente contrária à ideia de soberania, autonomia e autodeterminação dos povos, que estão presentes na Carta das Nações Unidas", afirma.
Para o especialista, ainda há o lobby estadunidense na formação, no treinamento e na preparação das forças de segurança em diversos países na África, medida que só traz benefícios para as empresas norte-americanas, que passam a acessar um amplo mercado com o intuito de fornecer produtos militares. A indústria de defesa no continente é incipiente. "E não há soberania se você confia a parte mais delicada aos outros", acrescenta.
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EUA: coerção ou cooperação?

Outro ponto que Mamadou Alpha enfatiza é que o "apoio" dos EUA no setor de Defesa sempre vem mais com o propósito de coerção do que de cooperação. "A presença norte-americana é sempre guiada pelo interesse, não para favorecer, desenvolver ou equipar as forças. Eles vão trabalhar no longo prazo sempre para permanecer, continuar possuindo um cliente fiel para o seu serviço."
Já a professora de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carolina Galdino acredita que a África é cada vez menos um centro prioritário para os Estados Unidos, apesar de concordar que o recuo não representa também uma retirada total.

"Sempre problematizamos a forma como os Estados Unidos lidam com os países africanos, mas é importante pensar o posicionamento deles diplomaticamente falando […]. Na atual conjuntura, não temos só Washington. Existem alternativas [de parcerias] que, até o final do século, XX não eram tão preeminentes", argumenta ao podcast Mundioka, ao nomear a China e a Rússia como atores "extremamente viáveis e cada vez mais importantes para o continente."

Para a especialista, as eventuais parcerias com a China oferecem ganhos mais atrativos aos países africanos, com investimentos em infraestrutura prioritária e acesso a novos mercados. Só em 2022, Pequim investiu mais de US$ 5 bilhões (R$ 27,4 bilhões) e, no ano passado, o comércio com o continente atingiu um novo recorde, chegando a US$ 295,6 bilhões (R$ 1,6 trilhão) — o maior volume entre as demais nações do mundo —, e há diversos projetos de cooperação industrial em andamento em setores-chave, como a agricultura.
"Existe a possibilidade de os países africanos contarem com uma via de mão dupla, em que a China se beneficia, tem acesso a recursos e consegue ocupar lacunas deixadas, por exemplo, pelos Estados Unidos. Do outro lado, esses países se beneficiam com infraestrutura e novas tecnologias", sintetiza a professora.
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Primeiro presidente dos EUA em exercício a não visitar a África

Outro elemento simbólico que demonstra o desinteresse do governo norte-americano pelo continente, segundo Carolina Galdino, é que Donald Trump nunca esteve na África durante os seus dois mandatos.
"Isso acaba fazendo com que pensemos não só na fragilidade [para as relações], mas na rusga política que isso traz à tona. Os vínculos históricos e culturais com o continente africano não são contestados, mas acabam comprometidos. E o fato de um presidente norte-americano [o primeiro da história] não visitar a África diz muito sobre a política de governo vigente."
Contudo, a professora da PUC-SP vê como risco desse novo contexto de possível retirada de militares dos EUA a abertura de um precedente para que grupos paramilitares e até terroristas ganhem força no continente. Dados do Índice Global de Terrorismo (IGT, na sigla em inglês) revelaram que, em 2024, só a região do Sahel africano — composta por Camarões, Chade, Gâmbia, Guiné, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal e Burkina Faso — concentrou mais de 51% de todas as mortes relacionadas ao terrorismo.
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