"Tanto a Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores] quanto a Fenabrave [Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores], que são as principais associações do setor automotivo, têm acompanhado desde o início o desenrolar do conflito com uma preocupação: as declarações têm sido em torno das dificuldades pelas quais o setor poderia passar, mas que teria que ser vislumbrado como isso aconteceria na cadeia de fornecimento dentro do Brasil. Desconheço qualquer declaração do setor que tenha dito que não há impacto, mas se alguma associação mencionou isso, é um equívoco, porque as cadeias produtivas são conectadas. O setor depende muito de alguns componentes que são, sim, produzidos em grande escala na Ucrânia e também na Rússia", analisou ele.
Há impacto a curto prazo?
"As férias coletivas que a Mercedes deu aos seus funcionários, tanto em Juiz de Fora quanto em São Bernardo do Campo, são consequência de uma crise no fornecimento de semicondutores que tem muito mais a ver com a pandemia. Tem acontecido também a outras fabricantes, e não só no Brasil. Mesmo a Ford, nos Estados Unidos, tem feito isso, dado férias coletivas e fechado em razão de uma pressão na demanda por produtos eletrônicos de uso doméstico, em razão das pessoas ficarem mais em casa. Isso fez com que um setor que já estava aquecido começasse a consumir mais e mais semicondutores em detrimento de um setor que estava desaquecido, que é o setor automotivo. Em razão do fechamento do comércio, do lockdown, da proibição de circulações, [a indústria de carros] viu suas vendas caírem drasticamente", explicou Pires.
"Ambas são cidades portuárias no mar Negro. Além disso, toda essa produção de neônio depende da produção de aço. Como o centro de produção de aço na Ucrânia está na região Leste, que está em maior conflito, a própria produção de aço e desse subproduto, que é o neônio, acabam afetados. Além do mais, outros produtos — metais raros como alumínio ou níquel — demandam muita energia para que sejam produzidos. Com o aumento do preço da energia, esses produtos também têm uma alta nos preços", elencou.
Qual é o grande problema?
"Hoje nós temos estoque de neônio — agentes desse mercado indicam que há estoque. Mas há uma pressão grande, e os preços são feitos de acordo com contratos de fornecimento. Alguns contratos que estão sendo mantidos regulam esses preços. Mas os novos contratos vão ser naturalmente reajustados, e a capacidade de fornecimento dentro desse cenário vai ser reduzida. Vai ser um fator complicador. Claro que, agora, todo esse setor fica desarranjado porque ele tem uma perspectiva muito curta", apontou Pires.
"Essa é uma cadeia global, com os principais fornecedores estando em Taiwan e na Coreia, mas também nos Estados Unidos e na China. O grande problema são os insumos energéticos, que acabam afetando toda a produção. Claro que toda essa situação pode afetar a situação do Brasil, mas não vamos conseguir escapar disso em razão da nossa proximidade com os países do BRICS. As empresas russas que atuam no setor de semicondutores não são fornecedoras diretas do setor automotivo brasileiro. O Brasil não participa diretamente dessa cadeia de semicondutores, não temos contato com isso. Então qualquer diplomacia com os russos no momento não aliviaria o gargalo pelo qual as empresas do setor automotivo vêm passando, não só aqui, mas em todas as fábricas do mundo", concluiu.