"No entanto, não dá para saber ainda em que medida e qual o papel da Rússia nessa divisão. Não será um papel pequeno, até pela posição fundamental e de grande dimensão que a Rússia tem do ponto de vista militar. Como vai ser a configuração desse lado, dessa nova ordem, em relação ao Ocidente é a grande dúvida. Isso vai depender muito da posição da China e como ela vai se configurar, se [a partir de] uma força militar e econômica ou apenas uma força muito econômica, como ela tem se estabelecido agora. Precisamos saber que postura a China vai tomar nesta nova ordem. Essa é uma grande questão a ser colocada", analisou ele.
"O que está acontecendo hoje é diferente: de um lado, o Ocidente, que continua em um certo impulso globalizante. E, de outro lado, uma ordem que não chamaria de russocêntrica, mas, sim, sino-russa. Porque o ator que conduz essa ordem econômica concorrente à Ocidental é a China. A Rússia tem uma indústria setorizada e muito importante no campo de armas e tecnologia, além de algumas questões ligadas à energia. Mas, a rigor, quem tem toda a estrutura econômica é a China", pondera Casarões.
"A China tem demonstrado muita insatisfação com o estado vigente do sistema financeiro internacional, dos processos de globalização. A China luta enormemente para poder desafiar o dólar como moeda de troca global. Os chineses têm feito um grande trabalho de cooptação e de cooperação econômica no mundo por meio da nova rota da seda, dos bancos de investimento asiático de infraestrutura, o Novo Banco de Desenvolvimento, do BRICS. Então, se houvesse uma estrutura concorrente ou paralela a essa ordem ocidental, ela seria mais centrada na China. Mas a Rússia, claramente, está mais integrada a essa segunda ordem que está surgindo", reflete o professor da FGV.
"E talvez haja a formação de cadeias produtivas regionais. E a grande disputa vai ser qual dessas ordens vai conseguir incorporar, em sua própria estrutura, as dimensões regionais econômicas — como a cadeia produtiva latino-americana, como a cadeia produtiva africana, e assim por diante", observa Casarões.
E quanto ao Brasil?
"Do ponto de vista comercial, creio que sim, o Brasil pode se favorecer [com a neutralidade]. O Brasil não quer se posicionar, a princípio, para não ter dificuldades econômicas. Mas o país pode ter dificuldades principalmente em relação à posição que toma, agora, sobre a Europa. O Brasil está na possibilidade de fechar um acordo grande com a Europa Ocidental, um acordo que está sendo intermediado desde 1999. Em que medida essa neutralidade vai dificultar ou não a posição brasileira no comércio com a Europa e até mesmo os EUA?", indaga ele.
"Temos relações boas com Israel, com os países árabes, com Índia, com Paquistão, com Coreias do Norte e do Sul. O Brasil sempre foi um construtor de pontes internacionais, então, sempre conseguimos manter um trânsito bom com o mundo desenvolvido e, ao mesmo tempo, com os países em desenvolvimento. Não há nada de novo nessa posição que parece ambígua, mas que é uma posição historicamente consolidada", avalia.
Diplomacia brasileira pode mediar o conflito?
"O Brasil tentou se oferecer como mediador de conflitos globais – o conflito israelo-palestino, o conflito do Ocidente com o Irã. Existe um elemento histórico que faz parte da nossa política de boa vizinhança e da nossa relação universalista com o mundo. O problema é que hoje o governo Bolsonaro é muito malvisto internacionalmente. No Ocidente, ele é visto com muita desconfiança. Na França, na Alemanha, nos EUA do presidente Biden. Todos esses governos veem o Brasil com muita ressalva. Qualquer iniciativa que o Brasil tenha em relação ao conflito deveria vir no contexto de um novo governo — seja o governo Lula, seja o governo Bolsonaro reeleito, ou quem quer que seja", opina Casarões.
"Não vejo o Brasil atualmente, com a figura e as relações internacionais do governo Bolsonaro hoje, em 2022, como um mediador adequado. Até porque o governo Bolsonaro não vem estabelecendo, ao longo do tempo, uma relação positiva com alguns países, sobretudo os países ocidentais, como Europa e Estados Unidos. Essa relação não é adequada e o Brasil não é visto, neste momento, como um bom mediador — apesar de, historicamente, ser visto dessa maneira. Hoje, no governo Bolsonaro, esse papel não é bem-visto pela figura do presidente Bolsonaro nas relações que foram construídas nesses pouco mais de três anos de governo", diz ele.
"Como há muito tempo para as eleições de 2022, vai ser difícil o Brasil se articular para desempenhar o papel de mediação de conflito neste contexto. Acho que isso sequer é o desejo do presidente Bolsonaro neste momento, que está ocupado com outras coisas, entre elas, fazer motociata", conclui.