Fuga de unicórnios? Sem arco-íris em tempos nebulosos de crise, startups repensam atuação no Brasil
Os unicórnios estão em rota de fuga — ou dispensando parte de seus quadros no Brasil. Em um cenário de crise econômica mundial, o país se tornou pouco atraente para as startups estrangeiras, que fecharam as portas ou optaram por demitir funcionários. A Sputnik Brasil conversou com um especialista na tentativa de entender o fenômeno.
SputnikSe em 2021 o Brasil
recepcionou diversas companhias de tecnologia oriundas da Colômbia, Peru e México,
neste ano o cenário mudou.
Um dos exemplos mais emblemáticos que ilustram a retração é a empresa Kavak, cuja plataforma intermedeia compra e venda de carros seminovos.
Considerada o maior unicórnio da América Latina por ter sido avaliada em R$ 42 bilhões em setembro do ano passado, a startup chegou com planos ambiciosos de investimento de R$ 2,5 bilhões no Brasil. Optou, inclusive, por patrocinar a Seleção Brasileira de Futebol.
Desde março deste ano, no entanto, 300 funcionários foram dispensados.
20 de dezembro 2021, 22:10
Outro unicórnio mexicano é a startup de criptomoedas Bitso, que demitiu 80 pessoas no mundo,
inclusive no Brasil.
Já o supermercado on-line Favo, do Peru, encerrou as operações no Brasil e demitiu 171 funcionários.
As mudanças estruturais que estão acontecendo no mercado de startups não atingem apenas o Brasil, mas o
mundo todo sob intensa pressão inflacionária, segundo Eduardo Yamashita, COO da
consultoria Gouvêa Ecosystem.
"Esse é um movimento que não tem acontecido só no Brasil. Na verdade, é um movimento global que vem acontecendo neste último ciclo, de 2021-2022, por conta do aumento do custo do dinheiro. Nos últimos anos, havia um cenário no qual o dinheiro tinha remuneração negativa nos principais países do mundo – no mercado dos EUA, da Europa e em alguns países asiáticos –, então o dinheiro tinha que ir para algum lugar. Durante a pandemia, principalmente, houve uma impressão de dinheiro como a gente nunca viu na nossa história a nível global. Quando você tem uma remuneração baixa do dinheiro nesses mercados mais estáveis, o fluxo natural era que esse dinheiro fosse direcionado para ativos de risco. Tanto que vimos as fortes valorizações das criptomoedas, muito dinheiro indo a fundo perdido para venture capital, para startup", afirmou ele.
A farra era tanta que propiciou o surgimento das SPACs (companhias de propósito específico de aquisição, na sigla em inglês).
Segundo Yamashita, elas consistem em empresários que montavam uma companhia para abrir capital. A firma captava dinheiro no mercado de capitais e nas Bolsas de Valores.
Entretanto, eram empresas que não tinham projeto — um verdadeiro cheque em branco. As pessoas investiam dinheiro na SPAC e somente depois da captação do dinheiro, o fundo falava onde eles deveriam investir.
"Essas distorções começaram no mercado. Mas esse cenário não é mais verdadeiro hoje, é o contrário disso. Há uma inflação muito alta e com os Bancos Centrais aumentando os seus juros, fazendo com que o dinheiro fique mais caro. Quando você tem uma escassez de dinheiro e locais mais seguros para colocá-lo (ou seja, os juros dos Bancos Centrais, mais seguros e que pagam uma remuneração melhor), há uma fuga do capital desse risco, que são as startups, para ativos mais seguros, da economia real", indica Yamashita.
Ele acrescenta que a forma de operação de startups consistia, fundamentalmente, em crescimento rápido assumindo a margem de prejuízo na captação de recursos de investidores. Esse dinheiro tinha data contada para terminar, e a startup queimava o caixa para aumentar o valor de mercado.
Agora, a diferença é que os fundos verificaram que não há tanto dinheiro assim neste momento da economia.
"As startups estão se reestruturando para conseguir fazer com que seu caixa dure mais e que um novo modelo de negócios passe a fazer sentido. Temos visto muitas demissões nesse ambiente porque a maior linha de custo dessas companhias é, exatamente, a quantidade de pessoas que elas empregam – principalmente na área de tecnologia – e os investimentos em marketing (houve uma redução bem grande das compras de mídia neste momento)", avalia o COO da Gouvêa Ecosystem.
Reversão de cenário é possível?
Na opinião de Yamashita, esse cenário pode se modificar, já que as startups apenas estão se adaptando a um novo contexto, diferentemente do anterior, em que havia muito dinheiro disponível para investir no crescimento da companhia.
Agora, o modelo é diferente: as empresas precisam seguir outro raciocínio, no qual a busca pela rentabilidade e pelo equilíbrio nos seus negócios vai ter uma importância muito maior, uma vez que há muito menos capital disponível para essas companhias.
Segundo ele, o Brasil é um mercado complexo porque não é maduro e estável.
"Há uma série de incertezas e é preciso saber navegar nessas águas porque, como diz a frase clássica, o Brasil não é para amadores. Por outro lado, há uma quantidade de oportunidades no mercado brasileiro que não existem em outros lugares e mercados. É a percepção dos nossos clientes estrangeiros, também, que entram no mercado brasileiro. Em outros mercados maiores, mais maduros e estruturados, há um nível de competição completamente diferente do mercado brasileiro e com mercados absolutamente tomados. Uma empresa que deseja entrar no mercado chinês ou norte-americano, por exemplo, vai enfrentar uma competição muito mais feroz. São players maiores, as barreiras de entrada também", pondera o executivo.
Essa nova toada de dinheiro mais caro e mais escasso põe foco na rentabilidade e na economia real, e deve ser realidade nos próximos anos.
Isso não significa que as startups vão acabar; apenas indicam que o fluxo de dinheiro vai diminuir. Ou seja, o capital vai continuar existindo, mas vai ser voltado para empresas mais sólidas que têm um potencial de retorno mais claro e com modelo de negócio mais concreto para os seus investidores, diz Yamashita.
Ele lembra, ainda, que o cenário de startups e de venture capital é cíclico.
"A gente deve acompanhar um fluxo de capital voltando para esse tipo de investimento quando houver uma inflação mais controlada no mundo, com Bancos Centrais baixando os juros e com o dinheiro voltando a ficar mais barato e mais farto. Mas isso só deve acontecer no médio prazo, na nossa visão, até pelas projeções no mundo todo", conclui.
9 de novembro 2021, 18:45