"Estamos falando de alguém que foi responsável por uma mudança estrutural da geopolítica global", disse Albuquerque em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
"Na década de 1990, ele tinha uma produção bem intensa de livros, principalmente, e de alguns artigos muito publicados no exterior, onde ele tinha uma imagem bastante positiva nesse período pós-Perestroika. Ali, também, eu procuro demonstrar de que modo o pensamento dele reagia ao período [do ex-presidente da Rússia Boris] Yeltsin, que havia sido seu principal algoz na Perestroika, seu principal rival no período. [Há] a questão da identificação dele com a social-democracia, que é uma bandeira que ele passa a defender, e cria, depois, um partido, dois", narra o pesquisador.
"E aí tem uma questão muito interessante, porque há, de uma certa forma, uma divergência [de Gorbachev] em relação ao assunto da política doméstica na Rússia, principalmente no fim da primeira década do século, no início dos anos 2010, mas um alinhamento em relação à política externa russa em tempos mais recentes", indica.
A frustração com o Ocidente e o alinhamento à política externa de Putin
"Isso era apontado por ele, sim, como um fator bastante negativo e um descumprimento de promessas que foram feitas nas negociações dele — tanto da não intervenção soviética na dissolução dos regimes da Europa Oriental, da Europa do Leste, quanto no processo de renegociação do tratado da União [Soviética], antes de a União Soviética ser desfeita", mostra Albuquerque.
"Isso ajuda a compreender essa continuidade, esse alinhamento em relação à política externa do Gorbachev para com o Putin, para a política externa que o Putin adota, principalmente depois de 2007: de recuperar o protagonismo da Rússia e, ao mesmo tempo, de se ver como, de algum modo, ameaçado com esse avanço da OTAN, que vai cercando cada vez mais as fronteiras russas e a [sua] esfera de influência natural [em países vizinhos] (ou, pelo menos, que a Rússia entende como natural dela ao longo da história). Isso para ele é muito claro. E é aquilo que eu comentei agora, em relação a essa frustração que ele de fato revela em vários textos, principalmente no fim da década de 1990 e no início [da] de 2000. Das oportunidades de cooperação, de aproximação e de integração, por exemplo, em relação à Europa, à integração europeia", diz Albuquerque.
Como morreu o sonho do 'lar comum europeu'
"Em certo ponto, ele era bastante idealista. Os discursos dele, embora ele não seja um teórico por natureza, são de um político que também tem uma dimensão ideológica e teórica. Mas ele é, em primeiro lugar, um agente político. Ele tinha uma certa visão idealista, que em alguns aspectos o guiou ao longo das reformas e mesmo do que ele entendia, ao fim, do que seria um sistema político, um sistema econômico ideal — e que, no fim, não se concretizaram."
"O Gorbachev, no fim da Perestroika, falava muito no lar comum europeu. A Europa já tinha seu mercado comum e depois foi construindo as bases da União Europeia [UE]. E o Gorbachev defendia que a Rússia deveria fazer parte desse processo. A União Soviética, ainda, e mais tarde a Rússia, não poderiam ser excluídas desse processo de integração porque ela é parte natural da Europa historicamente. Ao longo de toda a sua história, a civilização russa também é europeia. Isso, para ele, acaba sendo mais frustrante porque ele vê a Rússia praticamente alijada de qualquer processo de integração. Muito pelo contrário: há a manutenção de uma lógica de hostilidade, de afastamento. E [da Rússia] vista sempre como 'o outro', como o diferente. Então isso para ele também era outro aspecto bastante frustrante", avalia Albuquerque.
"Essa visão dele sobre acordos que ele, de algum modo, costurou (mas que não estavam formalizados), ou promessas de que uma redução das tensões levaria naturalmente a uma integração e a uma cooperação, depois vimos que não se construíram. A ajuda que o Ocidente depois vai oferecer à Rússia nos anos 1990, ela se dá através de mecanismos tradicionais como [os que] nós, por exemplo, na América Latina, sempre tivemos. É FMI, é receituário neoliberal: faz assim, o dinheiro vem; faz assim, o dinheiro não vem. Então existe toda uma forma como ele passa a, depois, enxergar que eu acho que vai gerar essa frustração", conclui o especialista.