O destino do porta-aviões São Paulo ganha fôlego a cada semana com novos acontecimentos, e agora, perto de ser afundado, sua saga chega a um novo capítulo.
No início da tarde de ontem (30), a força recebeu uma proposta de compra da embarcação proveniente de uma empresa de desmanche de navios da Arábia Saudita, pertencente ao grupo árabe Sela, de acordo com o colunista Jorge de Souza do UOL.
Souza afirma que a abordagem dos árabes ocorreu através do advogado brasileiro Alex Christo Bahov, que atua no caso, e que foram oferecidos R$ 30 milhões pelo São Paulo, ou seja, três vezes mais do que os R$ 10 milhões dados pelo estaleiro turco Sok Denizcilik Tic no leilão promovido pela Marinha em outubro de 2021.
Contudo, segundo o colunista, a força não respondeu até o momento à proposta e pretende afundar o porta-aviões amanhã (1º).
"Isso é ruim [não ter dado a resposta], porque, a cada hora que passa, o estado do navio fica mais comprometido. É preciso agir rápido. Se a Marinha aceitar a proposta, em 72 horas uma equipe internacional de salvatagem, contratada pelo meu cliente, entrará a bordo do porta-aviões para avaliar as ações necessárias, reparar o navio, limpá-lo e, depois, levá-lo embora do Brasil. Será um favor para a Marinha, que não sabe o que fazer com o navio", disse Bahov citado pela mídia.
Com a proposta, o grupo árabe assumiria "todo e qualquer custo operacional com eventuais reparos estruturais no navio, retirada de resíduos tóxicos e transporte para um estaleiro de desmanche com certificação internacional".
A ação para afundar o porta-aviões, que leva consigo 9,6 toneladas de amianto em suas paredes, acontecerá com explosivos de maneira controlada, a cerca de 200 quilômetros da costa brasileira e em um local onde a profundidade beira os 5.000 metros, relata a mídia.
Mesmo assim, ficaria dentro da chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), o que, a princípio, parece incompatível com o afundamento proposital de um navio que contenha tamanha carga de substâncias tóxicas a bordo.
Exatamente por apresentar grande risco ambiental que o porta-aviões foi negado pela Turquia para entrar em seu território, tendo também sido barrado pelo governo britânico antes mesmo da decisão turca, quando a embarcação passava pelo estreito de Gibraltar.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, demonstrou preocupação com o tema na semana passada e o levou ao Ministério da Defesa para dialogar com o chefe da pasta, José Múcio Monteiro. Porém, cabe exclusivamente à Marinha saber o que vai fazer com a embarcação.
O IBAMA também se pronunciou e afirma que os risco ambiental preocupa seriamente as autoridades justamente se a embarcação for afundada. "[...] A Marinha informou, nesta segunda-feira [30], ter identificado, com base em estudos realizados pelo seu Centro de Hidrografia, um local que permitiria o afundamento do porta-aviões com redução de potenciais impactos ambientais. Estamos buscando informações mais detalhadas sobre este estudo [...] de modo a avaliar possíveis impactos ambientais decorrentes do afundamento", disse o órgão em comunicado enviado à mídia na noite de ontem (30).
A situação também tem sido monitorada por outras entidades internacionais ligadas ao meio ambiente, e que estão expressando seu protesto contra a ação da força brasileira.
"Se o porta-aviões for afundado, isso equivaleria a um crime ambiental patrocinado pelo Estado brasileiro", disse a organização Shipbreaking Platform, que monitora a questão do desmanche consciente de navios no mundo inteiro. Já a organização Basel Action Network afirmou que "a Marinha brasileira está se preparando para cometer um crime ambiental de grandes proporções no mar", escreve a mídia.
A situação do porta-aviões é uma dor de cabeça para o governo Lula, que acabou de assumir a gestão do país tendo como uma de suas principais bandeiras a defesa do meio ambiente. O governo já sinalizou que pretende entrar na Justiça contra o estaleiro turco, alegando, inclusive, danos à imagem do Brasil no exterior.
Relembre o caso
O porta-aviões São Paulo da classe Clemenceau foi construído na França entre 1957 e 1960 e chama a atenção pelas suas dimensões: são 266 metros de comprimento e um peso de 32,8 mil toneladas. Em 2000, a embarcação foi adquirida pelo Brasil a um custo de US$ 12 milhões (cerca de R$ 62 milhões), e serviu à Marinha até 2014.
Com o passar do tempo, considerando o alto custo de manutenção e a evolução tecnológica no setor que hoje privilegia porta-aviões menores para operações com drones, a Marinha decidiu desativar a embarcação em 2017.
O então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e convidados no convés durante a cerimônia de transferência do porta-aviões São Paulo em seus áureos tempos para o setor operativo da Marinha no Porto de Santos - SP em 28 de abril de 2001
© Folhapress / Jarbas Oliveira
Em 2021, em um leilão realizado pela força, o estaleiro turco Sok Denizcilik Tic o comprou e no dia 4 de agosto do ano passado a embarcação saiu do Brasil rumo à Turquia. Ao zarpar do território brasileiro, uma liminar da Justiça tentou impedir sua saída, alegando que o porta-aviões não foi leiloado com transparência, mas mesmo assim o navio seguiu seu rumo.
Durante a viagem, com a forte pressão internacional pelo seu alto grau de risco ambiental, sendo até monitarado pelo Greenpeace, o porta-aviões foi barrado pelo governo britânico e turco de continuar sua jornada.
Ao voltar para o Brasil, nenhum porto o quis receber pelos mesmos motivos e o estaleiro turco acabou o abandonando. Há três semanas atrás, após quatro meses vagando pelo mar, a Marinha tomou o controle da embarcação e planeja afundá-la para acabar com a saga do porta-aviões que, um dia, foi o maior do Brasil e hoje é uma grande sucata.