Panorama internacional

China é a grande fiadora da paz nas negociações entre Rússia e Ucrânia, segundo analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista diz que é remota a possibilidade de se alcançar a paz nas negociações entre Moscou e Kiev sem a presença da China e que Brasil e BRICS também podem ter um grande papel no processo.
Sputnik
Nas últimas semanas, Pequim elevou o engajamento nas negociações para cessar o conflito entre Rússia e Ucrânia. Recentemente, o diretor do Gabinete da Comissão Central de Relações Exteriores do Partido Comunista da China, Wang Yi, disse que a China está pronta para trabalhar na comunidade internacional pela construção de um diálogo entre as duas partes do conflito.
Na quarta-feira (22), o diplomata chinês foi recebido pelo presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou e disse que a China está disposta a trabalhar com a Rússia "para que os dois países desempenhem um papel construtivo na promoção da paz".
Em paralelo, o ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, disse na terça-feira (21) que a China está "profundamente preocupada" com a possibilidade de o conflito na Ucrânia escalar ou sair de controle.
À Sputnik Brasil, João Cláudio Pitillo, professor de história e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca que esse engajamento crescente contrasta com o tradicional pragmatismo da China, uma diplomacia que evita se expor. Em entrevista, ele explica o porquê dessa mudança de postura de Pequim, qual a importância da entrada da China nas negociações pela paz e como o Brasil e o BRICS podem colaborar no processo.
Pitillo afirma que o conflito na Europa prejudica os interesses econômicos da China. "O conflito afeta os interesses econômicos de todos, e mais ainda da China, que é um país em franca expansão, que estava se recuperando da pandemia. A China tem interesse de que as relações entre Ocidente e Oriente voltem ao patamar da paz", explica Pitillo.
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Ele acrescenta que o engajamento da China nas negociações de paz entre Moscou e Kiev é importante por dois fatores. Primeiro por conta da importância da China como ator geopolítico global.

"A China hoje é um dos países mais importantes do mundo, ao lado de Rússia, EUA, Reino Unido e França. É um dos países vencedores da Segunda Guerra Mundial, é um gigante da economia e uma das potências militares do planeta", diz o pesquisador.

Ele acrescenta que essa posição torna a presença chinesa algo fundamental para as negociações de paz. "Sem a presença da China neste grupo que quer discutir a paz, eu acredito que vai ficar mais difícil. A possibilidade de se alcançar a paz com a presença chinesa é muito maior."
O segundo fator é a estreita e histórica relação entre Pequim e Moscou, que faz da China o país que talvez tenha mais informações sobre "a origem do conflito na Ucrânia, o desenvolvimento e o possível caminho para o fim". "O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping, já vêm de longa data dialogando", diz Pitillo.
Ele afirma que esses fatores tornam a China uma fiadora das negociações para a paz entre Moscou e Kiev e contribuem para "garantir que a Rússia não sofra condenações prévias nem seja injustiçada".

"Há um problema aqui no Ocidente com relação ao conflito porque a Rússia é tratada como agressora da Ucrânia. E a gente sabe que não é bem assim. Desde a negativa aos acordos de Minsk [por parte do Ocidente], nós sabemos que a Rússia vem tentando estabelecer um canal de diálogo com a Ucrânia, com a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], e isso está sendo negado. E a China tem ciência disso. Então a presença chinesa é muito importante. Ela é uma grande fiadora desse processo [de paz]."

Brasil e BRICS podem colaborar para acelerar o processo de paz

O governo brasileiro também vem se engajando nas discussões sobre as negociações de paz ante o conflito ucraniano. Em uma viagem recente aos EUA, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou a defender a criação de um fórum para mediação entre as partes do conflito e foi favorável à participação da China nas negociações. Na última terça-feira (21), a proposta brasileira de criação de um fórum foi aceita por países europeus.
Questionado sobre os interesses que levam Lula a se engajar nas discussões e o porquê do aceno do presidente a Pequim, Pitillo destaca que "Lula sabe da importância da China e das ótimas relações de Pequim com Moscou". Ele ressalta que Lula tem uma viagem marcada para a China em 28 de março.

"O presidente Lula irá a Pequim. Então eu acredito que em uma conversa franca, Lula e Xi Jinping vão acertar algum instrumento que, se não levar à paz, deve levar a um armistício."

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Ele acrescenta que o engajamento de Lula na questão reflete a intenção de "resgatar a proeminência brasileira no cenário internacional".

"Quatro anos de [Jair] Bolsonaro e os dois anos de [Michel] Temer transformaram o Brasil em um pária internacional. Lula tem essa intenção de protagonismo porque o Brasil tem um longo sonho de adentrar o Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas]. Então é óbvio que Lula precisa que o Brasil retome o seu papel de protagonista. E nada mais importante neste momento para o Brasil do que debater a questão da Ucrânia."

Pitillo diz que o engajamento do Brasil na questão tem potencial para "catapultar o país de volta ao seu local de destaque" como ator relevante global. Ele destaca que o Brasil tem um histórico de participação na Segunda Guerra Mundial, sendo o único país latino-americano a ter atuado no conflito, e tem experiência em missões de paz. Essas experiências, somadas ao engajamento nas negociações de paz na Ucrânia, contribuem para que o país alcance seus objetivos.
"O Brasil precisa disso não só para melhorar o ambiente de negócios e trazer investimentos estrangeiros, mas também para voltar a discutir sua presença como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU."
Sobre o engajamento do BRICS nas discussões, Pitillo diz estar "admirado que o grupo ainda não tenha tomado a iniciativa de conversar com a Rússia sobre a possibilidade de um armistício".

"Um armistício que seja estabelecido respeitando que Donbass é [um território] russo, que a Crimeia é russa, que a proteção dos povos russos é necessária. Dentro do BRICS eu acho que não há nenhuma dúvida de que aquela população é de origem russa, de cultura russa, que estava sendo ameaçada pelo regime de Kiev, vitaminado pelos interesses da OTAN."

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O pesquisador diz que é importante que o grupo se engaje nas negociações porque todos os seus integrantes "precisam e anseiam pela paz".

"Com destaque para África do Sul e Índia, esses países têm uma necessidade muito grande de que a paz seja restabelecida para que o ambiente de negócios internacional volte a florescer. O Brasil se engaja nisso também, porque tem uma necessidade de fortalecer as discussões Sul–Sul", destaca Pitillo.

Ele afirma que o BRICS tem um futuro de ampliação que o tornará ainda mais importante, com a entrada de novos integrantes.

"É óbvio que, para todo esse ambiente de negócios que se planeja, o conflito precisa acabar. Mas não vai acabar por decreto. A paz precisa ser construída, e óbvio que os interesses de Moscou e Kiev precisam chegar a um denominador comum", finaliza o pesquisador.

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