Panorama internacional

O turbulento rumo para paz: análise das propostas do Sul Global para solução do conflito na Ucrânia

Na semana passada, Vladimir Putin mostrou a líderes africanos os termos da negociação entre Moscou e Kiev que serviriam de base para o encerramento do conflito na Ucrânia.
Sputnik
Segundo o presidente russo, Kiev havia praticamente concordado com as condições gerais do documento, que envolviam a fixação da neutralidade permanente da Ucrânia em relação à OTAN, assim como garantias de segurança ao país.
Todavia, ainda no começo do ano passado a liderança ucraniana interrompeu abruptamente o processo negociador com a Rússia, incentivada pelas lideranças ocidentais e colocando um fim às perspectivas de um cessar-fogo.
Desde então, diversos países e grupos de países têm pensado em soluções que possam fazer com que russos e ucranianos voltem à mesa de negociação. Uma dessas propostas de solução foi justamente apresentada pelos líderes africanos (mais precisamente, os presidentes da África do Sul, Senegal e Zâmbia, além do primeiro-ministro do Egito), em sua visita à Rússia durante a semana passada.
Entre os principais pontos levantados pela África estão os objetivos de assegurar a continuidade do acordo de grãos, a preocupação com a segurança alimentícia global e a promoção da paz e da estabilidade no continente europeu.
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Os africanos também sugerem a suspensão do mandado de prisão a Putin emitido arbitrariamente pelo Tribunal Penal Internacional, assim como a suspensão das sanções unilaterais aplicadas pelo Ocidente contra a Rússia.
Além da África, o ministro da Defesa da Indonésia, Prabowo Subianto, propôs em discurso recente durante a sessão plenária do 20º Diálogo de Segurança em Shangri-La (Cingapura) que Rússia e Ucrânia estabelecessem uma zona desmilitarizada de 15 km a partir da atual linha de frente.
A ideia, com o movimento, seria criar uma condição de confiança para que ambas as partes possam voltar a negociar acerca de um cessar-fogo. De modo um tanto mais controverso, porém, Subianto sugeriu a realização de um referendo posterior a ser organizado pelas Nações Unidas para determinar as aspirações da população nas áreas que chamou de "disputadas".
Zelensky e a liderança ucraniana rejeitaram abertamente a proposta, enquanto a Rússia certamente não abrirá mão de seus novos territórios, dado que a vontade popular das repúblicas de Donetsk e Lugansk e das regiões de Zaporozhie e Kherson já fora manifestada durante os referendos realizados em setembro de 2022.
Por fim, dois dos parceiros da Rússia no âmbito do BRICS, Brasil e China, também apresentaram suas propostas para uma solução de paz na Ucrânia. Como membros importantes do Sul Global, brasileiros e chineses vêm tentando, desde o ano passado, instigar processos que façam com que as partes envolvidas no conflito voltem a negociar.
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Lula, por sua vez, mesmo antes de chegar à Presidência, já vinha discursando no sentido de reunir países considerados "neutros" (como Turquia, Índia, China, Indonésia e outros) para auxiliarem a pensar uma solução para a crise no Leste Europeu.
Em sua visita à China em abril, o presidente brasileiro também endossou as propostas chinesas para uma resolução pacífica na Ucrânia, que envolvia o respeito ao princípio da indivisibilidade da segurança internacional, a crítica ao fortalecimento e expansão de blocos militares na Europa e a suspenção do uso de sanções unilaterais não autorizadas pelo Conselho de Segurança.
Fato é que todas essas tentativas por parte do Sul Global de propor uma solução para o conflito só vêm acontecendo porque o Ocidente (liderado pelos Estados Unidos), assim como a liderança ucraniana, se recusa a dar ouvidos aos anseios da maior parte da comunidade internacional.
Pelo contrário, os países ocidentais, principais fornecedores de auxílio financeiro e militar a Kiev, se tornaram um fator essencial para o prolongamento das hostilidades. Zelensky, que diz ter abandonado quaisquer possibilidades de discutir uma possível neutralidade do país com relação à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), acabou assim por afastar as perspectivas de um futuro retorno das negociações entre russos e ucranianos.
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Os Estados Unidos, por sua vez, principais financiadores da guerra, têm usado a situação para atingir seus objetivos geopolíticos no Leste Europeu de enfraquecimento da posição da Rússia e de subordinação de seus aliados europeus a seus interesses hegemônicos.
Não é difícil imaginar que, em um hipotético cenário pós-conflito, os americanos venham a obter enormes direitos sobre o território ucraniano, assim como o controle de instalações militares e de infraestrutura crítica, de modo a transformar a Ucrânia em um verdadeiro protetorado estadunidense no Leste Europeu, a exemplo do que fizeram com países como Alemanha e Japão.
Inadvertidamente, nesse caso, Kiev acabou sendo utilizada como um objeto de manobra para a política externa dos Estados Unidos, um instrumento voltado para a provocação da Rússia. Nesse contexto, a moral dos formuladores de políticas em Washington dita que o conflito na Ucrânia precisa continuar e de que os anseios pela paz oriundos do Sul Global não devem ser levados em conta.
Agir assim é o mesmo que cortejar o desastre. Entretanto, isso não deve fazer com que países como Brasil, China, África do Sul, Egito, Indonésia e outros percam as esperanças. Hoje, mais do que nunca, é importante não descartar os esforços por uma conciliação pacífica entre Rússia e Ucrânia.
Poderá haver, claro, ocasiões em que essa conciliação pareça estar mais próxima ou mais distante. Ainda assim, todo o conflito sempre tem um fim e o melhor fim desejável só é atingido pela via diplomática. No mais, é concebível que tanto a Rússia quanto a Ucrânia, assim como os Estados Unidos e a União Europeia, possuam demandas específicas que dificilmente coincidam em relação a um processo de solução para a crise.
Todavia, o que os esforços do Sul Global têm demonstrado é que, apesar de turbulento, o caminho para a paz precisa ser buscado. Não se pode descartar a via diplomática, como o Ocidente tem feito. Afinal, a Rússia continua aberta para o diálogo. Quem sabe então o Sul Global não possa incentivar a outra parte a se abrir também.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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