Panorama internacional

Analistas: Sul Global tem papel essencial para processo de paz no conflito entre Israel e Palestina

Países do Sul Global têm papel fundamental em uma possível solução para o conflito entre Israel e Palestina, "mas tudo depende do quanto eles estariam dispostos a ir contra os Estados Unidos, que mantêm uma posição completamente aliada a de Israel", comentou o historiador Eden Pereira Lopes da Silva, um dos entrevistados do programa Mundioka.
Sputnik
O Sul Global e a paz no Oriente Médio foram os temas da edição desta terça-feira (24) do programa da Sputnik Brasil, que contou com a participação do professor de relações internacionais Christopher Mendonça, da Ibmec de Belo Horizonte, e Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

"Esse governos têm papel muito importante no sentido de tentar pressionar principalmente as grandes potências que têm responsabilidade historicamente nesse processo, como o Reino Unido e os Estados Unidos, não só adotarem uma posição de repreensão a Israel, respeitar os acordos que foram firmados em 1967, 1978 em Oslo, mas, principalmente, na busca de [uma] solução que passe pela fundação do Estado palestino", comentou Silva.

Entre os países muçulmanos que estão localizados na região, ele destacou o Egito e a Arábia Saudita, que já foram muito atuantes quando existia um movimento amplo dos países árabes de integração.
Segundo ele, o Egito tem relações razoáveis com o Estado de Israel e é aliado histórico, a partir dos anos 70, dos Estados Unidos: "O Egito, historicamente, era um país que tinha um papel muito importante na ajuda, na tentativa de mediação da resolução desse processo. A Síria, uma vez também reconstruída, também pode ter papel muito importante nesse aspecto."
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China desponta como principal mediadora de conflitos

Para Silva, que também é analista internacional, o único país capaz de negociar a resolução de conflitos internacionais na atualidade é a China, por ter construído uma série de arcabouços, de processos de pacificação a nível internacional nos últimos anos e, sobretudo, nos últimos meses:

"A China tem tido uma ação concreta na direção da desescalada de conflitos na região do sudoeste da Ásia e contribuiu para a normalização das relações entre o Irã e o Arábia Saudita, que mudou completamente a configuração naquela região."

Para Mendonça, embora a China não tenha a tradição de mediar conflitos internacionais, os últimos anos o país tem questionado a liderança dos EUA na comunidade internacional e tentado ocupar espaços na África, Ásia e América Latina:

"Essa postura, essa posição de ter interesse em mediar o conflito, significa que a China tem […] interesse também em fazer [o] papel de mediadora, de ser uma ponte entre dois oponentes na sua ocasião do Oriente Médio", comentou o professor do IBMEC.

O especialista em relações internacionais chamou a atenção para o fato de a China ter poder de veto nas resoluções do Conselho de Segurança – potencial bélico e econômico importantes, o que facilitaria essas mediações.
No caso do mais recente conflito israelo-palestino, a proximidade do presidente Chinês, Xi Jinping, com seu homólogo da Palestina, Mahmoud Abbas, e a existência de um "canal de diálogo" com Israel, embora "mais tenso", coloca a China em uma posição de potencial mediador do conflito para a região.

"Mahmoud visitou a China [e] foi recebido [por] Xi Jinping. Os dois trataram de uma série de temas, firmaram acordos, inclusive um acordo de parceria estratégica da China com a Palestina que, em alguma medida, trazem [a] Palestina para dentro desse grande escopo e arcabouço de projeto que a China tem construído para o século XXI, que são as Novas Rotas da Seda", argumentou Silva.

O professor ainda lembra que "esses acordos que a China mediou e organizou naquela região, sobretudo para poder expandir seus corredores das rotas da seda, acabaram isolando essa retórica belicista e militarista do governo de Israel, principalmente do governo de Netanyahu, e posicionou Israel numa situação muito difícil.
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Hamas, grupo terrorista?

Para Silva, a mediação de um processo de paz tão complexo exige dos interlocutores entenderem o projeto de expansão dos assentamentos naquela região, principalmente sob o governo de Israel de Benjamin Netanyahu. "Entender o Hamas como terrorismo não necessariamente é uma precondição para se enxergar a ideia de uma mediação ou de um cessar-fogo", comentou Silva, ao salientar que o conflito em questão surge a partir de um processo de colonização.
Mendonça ponderou que, embora o desejo do Hamas seja a criação do Estado palestino, uma demanda legítima, as formas como o grupo tem conduzido essa demanda são bastante violentas e utilizam de todas as características de grupos terroristas, como o Estado Islâmico e da Al-Qaeda.

"O Hamas não foi criado inicialmente como grupo terrorista, mas como grupo político, que inclusive disputou eleições na Faixa de Gaza e conseguiu se eleger para coordenar, para governar aquela porção palestina. No entanto, nos últimos anos, a adoção de medidas que são muito próximas do terrorismo fazem com que muitos pesquisadores, muitos analistas, considerem o Hamas como […] um grupo terrorista", disse o professor do IBMEC.

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Ataques a Gaza e a segurança energética da Europa

De acordo com Silva, o conflito entre Israel e a Palestina também têm relação relevante com o conflito entre Rússia e Ucrânia e, consequentemente, a cadeia de abastecimento de energia da Europa.

"Os Estados Unidos, com o conflito na Ucrânia, esperavam quebrar esse processo de relação da Rússia com a Europa, principalmente entre a Rússia e a Alemanha. Eles conseguiram isso porque houve o corte do gasoduto Corrente do Norte, o gasoduto Nord Stream 2", explicou ele.

Com a interrupção do fornecimento de gás russo, países da Europa foram forçados a buscar outras cadeias de abastecimento, inclusive no Oriente Médio, no Mediterrâneo Oriental, uma reserva de gás natural que hoje é disputada por Israel, Palestina e Líbano.
O processo de negociação indireta com o Líbano, de estabelecer as fronteiras marítimas para extrair gás natural, foi feito. "Resta a Palestina. Para negociar com a Palestina tem que ter um Estado palestino ou então ocupa tudo. Que é a ideia que hoje está sendo promovida pelo governo de Israel quando se coloca que tem que acabar com Gaza, tem que ruir ao chão."
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Estados Unidos cada vez mais isolado

Nesse processo, de acordo com o historiador, Israel se tornou um aliado preponderante dos EUA para poder diminuir a influência que tem o abastecimento do gás russo para os europeus.

"Israel é o grande aliado dos Estados Unidos naquela região. Os Estados Unidos hoje não têm mais um aliado incondicional confiável. O que eram antes a Arábia Saudita e as 'petromonarquias', mas já se foram. Ela já está no BRICS, cada vez mais alinhada com esse eixo que é constituído pela China e pela Rússia, na Ásia", enfatizou ele.

Já Mendonça ressaltou que nos Estados Unidos, tanto o Partido Republicano como o Democrata são muito próximos do lobby judeu", o que explica o posicionamento de apoio incondicional do governo norte-americano em relação a Israel.
O veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU à resolução brasileira pedindo cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza é um indicativo desse apoio: "uma sinalização de que o presidente Biden está do lado de Israel e, portanto, não aceita a proposta brasileira que não deixava explícito o direito de defesa que Israel, de acordo com a Carta das Nações Unidas, tem em relação ao Hamas."
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