Entrevista de Putin coloca a verdade histórica nas mãos da Rússia e encurrala Biden, diz analista
14:45, 9 de fevereiro 2024
À Sputnik Brasil, historiador diz que Vladimir Putin demonstrou com clareza e de forma incontestável ao jornalista Tucker Carlson que o entrave para a resolução do conflito ucraniano não reside na Rússia, e destaca que a entrevista "caiu como uma granada" nos EUA, em pleno ano eleitoral.
SputnikA entrevista concedida pelo presidente russo Vladimir Putin ao jornalista norte-americano
Tucker Carlson, na noite de quinta-feira (8),
teve o efeito de uma granada nos Estados Unidos e vai repercutir no país durante todo o ano de 2024, com impactos na corrida presidencial à Casa Branca. É o que aponta, em entrevista à
Sputnik Brasil, o professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Cláudio Pitillo.
Segundo o historiador, há dois pontos da entrevista que merecem atenção em especial. Pitillo afirma que o primeiro ponto "é a clareza com que o presidente Putin coloca algumas questões, que não podem ser contestadas", a verdade sobre os fatos envolvendo o conflito ucraniano e a disposição de Putin para negociar a paz.
"A clareza, a verdade [sobre os fatos] ali não pode ser contestada. Ou seja, o Ocidente não tem como contradizer o presidente Putin. Então mais uma vez a verdade histórica está na mão de Vladimir Putin."
O segundo ponto, acrescenta o especialista, "é que Putin coloca-se à disposição para fazer a paz imediatamente", expondo que o entrave para a resolução do conflito ucraniano não reside na Rússia.
"Ele faz um desafio. Eu assino a paz imediatamente, bastando que a Ucrânia sente para negociar, ou que o Ocidente, como preposto, sente para negociar. Agora, nós vimos que não há por parte da Ucrânia nem do Ocidente um interesse."
Pitillo destaca que a entrevista de Putin a Carlson é a mais contundente desde a concedida pelo presidente russo ao cineasta Oliver Stone, em março de 2022.
Ele afirma que a entrevista de ontem (8) foi extremamente reveladora porque tinha como objetivo o público estadunidense, que costuma ser "extremamente alienado, distante do que acontece no âmbito das relações internacionais e enganado pelos falcões do Pentágono com relação às aventuras militares" de Washington, com apoio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
"O presidente Putin reafirmou o que todos sabíamos. Sem a ajuda ocidental, sem o dinheiro da OTAN, aquela guerra já teria acabado ou talvez não tivesse nem iniciado."
Ele destaca que o público estadunidense, "quando tomou pé do que era a guerra do Vietnã, se mobilizou contra aquilo, quando tomou pé das mentiras que foram faladas sobre Saddam Hussein e o Iraque, também se mostrou vorazmente contra aquilo".
"E com relação à Ucrânia, há um cansaço da população estadunidense, que vê a sua economia combalir cada vez mais, ao mesmo tempo que vê milhões e milhões de dólares sendo drenados por uma guerra que não faz o menor sentido."
Ele destaca que a decisão do presidente dos Estados Unidos,
Joe Biden, de quebrar o protocolo e fazer um pronunciamento improvisado, no qual não citou a Rússia,
sinaliza que a entrevista incomodou a Casa Branca.
"Na luta de boxe a gente falaria que Biden acusou o golpe. Quando você vê ali dois lutadores trocando soco, em que um faz um movimento de recuo ou tenta se curvar, ele acusa o golpe. Então o Biden acusou o golpe. Por quê? Ele precisou vir à televisão para colocar a imagem dele na mídia estadunidense para tentar aplacar o quanto estava reverberando a imagem do presidente Putin. Então ele entra com um discurso, e a gente vê que aquele discurso é quase que vazio. É apenas para marcar a posição. Essa entrada do presidente Biden mostra que a entrevista do presidente Putin foi extremamente contundente e incomodou a Casa Branca", explica Pitillo.
"Porque quando você tem a verdade histórica ao seu lado, você não consegue ser abatido. Porque os fatos falam por si sós. Então não há explicação. O presidente Joe Biden não vai conseguir nunca explicar para a população estadunidense e para os seus eleitores por que ele continua colocando milhares e milhares e milhares de dólares na Ucrânia e a Ucrânia não consegue avançar um centímetro [no campo de batalha]", complementa.
Ele ressalta que o conflito ucraniano já estava fadado ao fracasso antes de iniciar, e que quando tem início, acaba "confirmando o que os pesquisadores mais astutos e honestos vislumbraram: que esse era um confronto impossível".
"Essa é uma guerra inviável, porque o Estado ucraniano, além de combalido, não tinha motivação social para lutar contra a Rússia", diz o especialista, destacando que ao ordenar Kiev a manter o confronto e abandonar as negociações de paz, o Ocidente, liderado pelos EUA, traiu não só Moscou, que tem efetivo engajamento nas negociações de paz, mas também "o povo ucraniano, que é levado a uma situação de catástrofe, de guerra, na qual não tem nenhum interesse".
"A Ucrânia não está ganhando nada com essa guerra, e [se tivesse mantido] uma relação de boa-fé com a Rússia, aquela região só teria lucrado. Porque o comércio entre esses dois países ia se tornar cada vez mais vigoroso, com o desenvolvimento da Rússia, e obviamente haveria transferência de riqueza para toda essa área de Donbass. Então há uma miopia muito grande do governo ucraniano e uma, digamos assim, uma insanidade da OTAN em sustentar uma guerra onde há um poço sem fundo. Não há a menor condição de vitória, nem de empate."
Ele ressalta que "as convulsões sociais que são produzidas na Ucrânia, de fora para dentro, empobreceram o país e o colocaram em uma situação política, social e econômica muito difícil". Por outro lado, beneficiaram as elites ucranianas, que lucram com o conflito e com as altas somas de dinheiro que vêm sendo despejadas.
"Você pode despejar a quantidade de dinheiro que for nesse país, que não vai resolver o problema dele, enquanto você não resolver o modo como ele é governado. O problema está entre as elites ucranianas, que são extremamente injustas, são extremamente reacionárias e que hoje escolheram o fascismo como arma, escolheram o fascismo para se contrapor à Rússia. Então esse dinheiro que é despejado na Ucrânia serve para alimentar essa arma de guerra que se mostrou ilusória. Ela só serve para alimentar manchetes de jornais no Ocidente e adular essa elite que hoje se locupleta desse dinheiro e sustenta [Vladimir] Zelensky."
Nord Stream é prova cabal da subserviência europeia
Pitillo destaca que o episódio envolvendo o ataque ao gasoduto Nord Stream, no qual investigações apontam ter sido
uma ação orquestrada por Washington, evidencia
"como os europeus se tornaram civilizações decadentes e extremamente subservientes aos Estados Unidos".
"É óbvio que para destruir o Nord Stream você precisa de muita tecnologia. Talvez só dois países no mundo conseguiriam destruir o Nord Stream, Reino Unido e Estados Unidos. A Rússia tem todas as provas de quem destruiu o Nord Stream."
24 de dezembro 2023, 18:16
Ele ressalta que "a maior prejudicada com a destruição do Nord Stream é a Alemanha, que é uma das mais interessadas em fazer guerra".
"A Alemanha, que tem o maior parque industrial da Europa, um dos maiores do mundo, não consegue crescer pela ausência do gás e do petróleo russos. Para se desenvolver ela precisa do gás barato de boa qualidade que a Federação da Rússia tinha para ofertar não só à Alemanha, mas a toda a Europa. Essa Europa está com inflação, pagando mais caro em tudo que é industrializado e derivado do petróleo e do gás. Ela vive uma emergência de movimentos fascistas, ela tem uma relação conflituosa com os imigrantes. E boa parte desses imigrantes vem de lugares que foram destruídos pela OTAN. A chance de a Europa se desenvolver e voltar a tomar um caminho progressista é romper essa subserviência aos Estados Unidos. E eles fazem justamente o contrário. Eles aprofundam essa dependência e embarcam nessa guerra que só interessa a Washington, e conseguem prejudicar as suas populações."
Pitillo considera o ataque ao Nord Stream o caso mais sintomático de todo o imbróglio envolvendo o conflito ucraniano, e afirma que "o silêncio da Europa, que se diz democrática, é um ato de terrorismo".
"O silêncio dela e a sua desfaçatez em tragar toda a sua população, colocar a sua população sob uma condição de inflação, uma condição de injustiça, uma condição de precariedade […]. Então a questão do Nord Stream mostra como eles são capazes de agir com fúria e com atos terroristas mesmo prejudicando as suas populações. Eles são capazes de travar essas guerras imperialistas", conclui o historiador.