Panorama internacional

Por que a Rússia é vista com certa desconfiança por parte de alguns brasileiros?

Em 2021, uma pesquisa realizada por acadêmicos nacionais e divulgada pela Revista Brasileira de Relações Internacionais demonstrou resultados intrigantes acerca da opinião pública brasileira sobre os países do BRICS. Na ocasião, 30% dos entrevistados consideravam a Rússia um rival ou uma ameaça para o Brasil. Mas a questão que fica é: por quê?
Sputnik
Um dos fatores que pode explicar essa percepção de parte dos brasileiros é o modo como a Rússia é tratada pelas mídias ocidentais como um todo, o que acaba reverberando também no cenário informacional doméstico. Primeiro de tudo, a Rússia é usualmente definida por essa mídia como uma autocracia, em contraste com as chamadas democracias liberais do Ocidente, exemplificada por países como os Estados Unidos da América. Esse tipo de cobertura midiática sobre a Rússia, por sua vez, trata-se de algo bastante sensível, sobretudo para audiências como as da África do Sul, do Brasil e da Índia: três membros do BRICS, considerados democracias vibrantes do Sul Global.
Para ser mais preciso, a partir de 2019, de acordo com a pesquisa, pelo menos 24% dos brasileiros viam na Rússia um amigo, 30% um parceiro, 9% um rival e 19% uma ameaça. É desses quase 30% dos entrevistados que enxergavam na Rússia ou um rival ou uma ameaça que vamos nos ater, por momento. Essa porcentagem de 30% assemelha-se, por sua vez, à porcentagem de brasileiros que enxergam a Argentina também como um rival ou uma ameaça ao Brasil. Todavia, a Argentina é um país vizinho no nosso continente, e a Rússia não, o que volta a suscitar a pergunta do "por que alguns brasileiros veem em Moscou certa ameaça?". Ademais, dentre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Rússia foi o que menos inspirou confiança, segundo a pesquisa, quando o assunto se trata de manter a paz mundial.
Por outro lado, de 2010 e 2018, entre 30% e 40% dos entrevistados disseram confiar nos Estados Unidos, apesar dessa percepção estar diminuindo com o tempo. A França vem em segundo lugar, com aproximadamente 15% dos entrevistados confiando em seu papel pacificador global. China e Reino Unido ocupam a terceira e a quarta posição, respectivamente. A Rússia, por fim, recebeu cerca de 2% a 4,5% do total de votos dos brasileiros entre os anos de 2010 a 2018 quando o assunto foi "a manutenção da paz mundial", a menor porcentagem entre os membros permanentes do Conselho de Segurança.
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Tal atitude demonstra realmente certo grau de desconfiança em relação à Rússia por parte da população brasileira, mais até do que em relação às atuais superpotências globais, Estados Unidos e China. Em verdade, porém, um dos fatores que também podem explicar essa percepção sobre a Rússia é o grau de penetração da propaganda estadunidense no Brasil, seja ela feita por intermédio de filmes, séries ou outras produções culturais de massa. Sabe-se que o Brasil é um dos maiores mercados consumidores do mainstream audiovisual americano, que por anos a fio estereotiparam os russos e a própria Rússia em si como sendo um país vilanesco, devido às rivalidades geopolíticas de longa data entre Washington e Moscou, herdadas sobretudo da Guerra Fria.
Seja como for, essa relativa rejeição de parte dos brasileiros em relação à Rússia não afeta sua avaliação geral a respeito do BRICS, que é visto positivamente por aqueles que detêm conhecimento do grupo, algo em torno de 4% da população total do Brasil, segundo a pesquisa. Apesar, no entanto, desse grande desconhecimento sobre o BRICS, do ponto de vista político o grupo carrega um grande significado para as relações entre Brasil e Rússia, dado que representa uma plataforma adicional de aproximação entre os dois países. Afinal, ambos sentem-se insatisfeitos com a dominância do Ocidente nas relações internacionais, cooperando politicamente para o estabelecimento de um mundo multipolar mais organizado e justo.
Voltando à questão de como a Rússia é percebida no cenário nacional, uma segunda pesquisa, realizada por professores brasileiros e russos e publicada no periódico Medialinguistica da Universidade Estatal de São Petersburgo em 2022, demonstrou que as principais revistas de política do Brasil seguem uma linha editorial claramente semelhante à "narrativa ocidental" sobre a Rússia. É importante notar que, durante a mencionada pesquisa, os acadêmicos chegaram à conclusão: as revistas e os jornais do Brasil não necessariamente operam sob o comando direto de governos estrangeiros, mas possuem, ainda assim, uma grande correlação editorial com o chamado mainstream informacional norte-americano.
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Como tais veículos de comunicação, sejam jornais ou mesmo canais de televisão, representam a principal fonte de informação para muitos brasileiros, logo eles têm grande influência sobre como a imagem da Rússia é construída na mente do público mais geral do Brasil. Além disso, as classes média e alta brasileiras detêm uma visão de mundo bastante mais próxima do padrão ocidental europeu e estadunidense, desprezando, portanto, outras culturas menos divulgadas no país, como é o caso da cultura árabe, russa, chinesa, japonesa, entre tantas outras. Em vista disso, esperar mudanças drásticas na percepção da Rússia por parte dessa população brasileira mais "ocidentalizada" é algo bastante difícil, a não ser que meios alternativos de informação comecem a ganhar cada vez mais espaço.
São conhecidos os esforços da Rússia para poder alterar esse quadro, sobretudo pelo trabalho realizado, por exemplo, pela própria Sputnik e por outras agências de notícias russas. No entanto, será preciso muita paciência até que a realidade midiática no Brasil venha a se "desocidentalizar" significativamente. Até lá, fica a torcida para que mais e mais brasileiros possam conhecer de perto – e livre de estereótipos – a verdadeira contribuição da Rússia não só para a paz mundial, como também para a amizade entre os povos. A tarefa, portanto, é ignorar a distância geográfica e informacional que existe entre ambos e demonstrar que, no fundo, Brasil e Rússia são em essência bastante próximas.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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