Panorama internacional

Recusa à proposta de paz russa vai agravar deterioração de Kiev no campo de batalha, aponta analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista enfatiza que a recusa de Kiev aos termos de Moscou para negociar o fim do conflito agrava a situação das forças ucranianas no front, piora a posição de Kiev na mesa de negociação e coloca pressão sobre a cúpula para a paz na Ucrânia.
Sputnik
Em conversa com a liderança do Ministério das Relações Exteriores da Rússia nesta sexta-feira (14), o presidente russo, Vladimir Putin, apresentou as condições de Moscou para iniciar negociações de paz com a Ucrânia.
A primeira é que as Forças Armadas ucranianas retirem suas tropas da República Popular de Donetsk (RPD), da República Popular de Lugansk (RPL) e das regiões de Zaporozhie e Kherson, todos esses territórios liberados pela Rússia. A segunda é que Kiev adote um status de neutralidade e de território livre de armas nucleares, e comunique à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) o abandono dos planos de adesão à aliança.

"Assim que Kiev declarar a prontidão para tal decisão e iniciar uma retirada real das tropas dessas regiões, e também notificar oficialmente o abandono dos planos de adesão à OTAN, o nosso lado imediatamente, literalmente no mesmo minuto, seguirá a ordem de cessar-fogo e iniciará negociações. Repito, faremos isso imediatamente", disse o presidente russo.

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Putin enfatizou a disponibilidade de Moscou para o diálogo, disse que a Rússia está consciente da sua responsabilidade em relação à estabilidade global e que se o Ocidente e Kiev rejeitarem a proposta, será deles a responsabilidade sobre o derramamento de sangue no conflito.
Posteriormente, Mikhail Podolyak, conselheiro do chefe de gabinete de Vladimir Zelensky, afirmou que Kiev rejeita os termos propostos e que a iniciativa de Putin alegadamente não possui "uma real proposta de paz". O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, também sinalizou a rejeição da aliança à proposta, assim como o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Pérsio Glória de Paula, especialista do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), aponta que a proposta de Putin mantém a coerência com os objetivos listados pelo líder russo desde o início do conflito ucraniano e ressalta que, com a rejeição, Kiev perde a chance de negociar antes de atingir a exaustão de suas capacidades militares.
Apesar disso, de acordo com ele, é improvável que a Ucrânia e seus aliados aceitem os termos de Moscou, "pelo menos no curto prazo". O especialista explica que as novas sanções impostas à Rússia recentemente pelos países ocidentais, além das promessas de novos pacotes de ajuda financeira e militar para Kiev, indicam a indisposição de Kiev e do Ocidente para o diálogo.

"A grande questão nesse curto prazo agora foram as escaladas não só retóricas do conflito — como a gente viu nos últimos meses, com alguns propondo uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, o presidente francês propondo o envio de tropas [à Ucrânia] —, mas também as escaladas concretas, como a permissão do uso de armamentos ocidentais em ataques dentro da Rússia, e a remoção das restrições de envio de armas a batalhões neonazistas ucranianos. Isso tudo são escaladas problemáticas do conflito que indicam que, no curto prazo, ainda é complicado estabelecer uma base para um diálogo de paz, para um cessar-fogo", explica o especialista.

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Ele sublinha que a manutenção do conflito vai agravar a situação de Kiev, sobretudo em um momento em que "há uma clara deterioração das posições ucranianas no campo de batalha".
"Isso é evidente pelos avanços russos, pelos ganhos territoriais contínuos que a Rússia obteve nos últimos meses. E também [cabe] ressaltar as perdas ucranianas de equipamento, de pessoal, uma situação em que a Ucrânia já depende praticamente por completo do Ocidente para repor os equipamentos, e tem realizado ondas de mobilização cada vez mais pesadas, com faixas etárias cada vez menores. Então isso tem gerado um desgaste significativo para a Ucrânia, que no futuro pode até piorar a posição ucraniana na mesa de negociação."
De Paula acrescenta que a situação da Ucrânia no campo de batalha "acaba reverberando também no apoio internacional à Ucrânia, já que há um crescente ceticismo quanto às capacidades ucranianas de reverter esse quadro por vias militares".
"Há uma preocupação de que a situação da Ucrânia venha a se deteriorar. E aí se questiona a utilidade e a finalidade de novos pacotes de auxílio financeiro e militar e gera-se uma certa pressão, sim, para se engatar um diálogo de paz agora, pelo menos um cessar-fogo, em um momento em que a posição ucraniana ainda não está totalmente deteriorada ou em que o país ainda não chegou à exaustão [das capacidades militares], já que em um futuro próximo a Rússia pode obter mais ganhos e, consequentemente, uma posição melhor na mesa de negociações."

Proposta russa coloca pressão na cúpula de Zelensky na Suíça

De Paula afirma que a proposta de Putin coloca certa pressão na cúpula na Ucrânia, que ocorrerá na Suíça, por conta de dois fatores.

"O primeiro é pela própria composição da cúpula, em que há, claro, a presença de países ocidentais e da Ucrânia, mas há uma ausência de lideranças do Sul Global e, claro, a ausência da própria Rússia, uma das partes do conflito. Então se questiona a finalidade e a eficácia de uma cúpula em que não se contemplam todos os lados envolvidos", afirma o especialista.

Segundo o especialista, a proposta de Putin sinaliza que Moscou tem disponibilidade para o diálogo, o que mostra que existem condições para alcançar a paz por vias diplomáticas, com a participação de outros atores e mediadores neutros.
De Paula diz que o Ocidente também dever ser considerado uma parte beligerante do conflito, "já que participa indiretamente, e algumas vezes até diretamente, com o fornecimento de inteligência e armamentos".
Ele afirma ainda que um novo formato abriria margem para a participação de outros atores relevantes no sistema internacional.

"Especialmente aqueles do Sul Global. E aí destacam-se as iniciativas do Brasil e da China para uma mediação desse conflito, coisas que não têm sido contempladas nesse formato da cúpula proposta na Suíça", conclui.

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