Ciência e sociedade

Brasil perde potencial econômico com exploração da biodiversidade por estrangeiros, dizem analistas

Especialistas e pesquisas indicam que a biodiversidade brasileira é explorada majoritariamente por companhias estrangeiras.
Sputnik
Tal fenômeno é exemplificado por um estudo recente feito pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), que revelou que 92% das patentes relacionadas a plantas da Mata Atlântica foram desenvolvidas fora do Brasil.
A pesquisa, que analisou dados de 1960 a 2021, mostrou que apenas 8% das pesquisas e dos desenvolvimentos de novos produtos a partir de espécies nativas ocorrem no território nacional.

Qual é a importância da biodiversidade brasileira?

A professora Leticia Veras Costa Lotufo, titular do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), destaca à Sputnik Brasil a importância de investir em estudos sobre a biodiversidade brasileira e o desenvolvimento de bioprodutos.

"O Brasil precisa investir nos estudos com a diversidade, e isso inclui toda a cadeia de conhecimento necessária para o desenvolvimento de um bioproduto. Desde levantamentos taxonômicos, estudos de conservação e serviços ecossistêmicos, caracterização química e farmacológica das nossas espécies, até o investimento na indústria para o desenvolvimento de bioprodutos", explica.

Lotufo ressalta a necessidade de produtos de alto valor agregado para preservar os ecossistemas e observa que, embora o Brasil tenha leis restritivas de acesso à biodiversidade, é possível seguir os procedimentos legais para enviar amostras ao exterior.
Para ela, a ciência é fundamental para a soberania nacional. "Precisamos internalizar isso. Um país sem ciência forte é um país dependente dos outros", afirma.
Desde a ECO-92, de acordo com Leticia Veras Costa Lotufo, várias iniciativas foram lançadas para proteger a biodiversidade e o acesso ao conhecimento tradicional associado, incluindo a regulamentação da lei de acesso de 2015 no Brasil. "Hoje já é possível desenvolver pesquisa em uso da biodiversidade e recursos genéticos de maneira legalizada."
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Apesar desses avanços, a professora destacou o baixo investimento em ciência no Brasil. "De todo modo, nosso investimento em ciência é pífio quando avaliado em termos de percentual do PIB [produto interno bruto] e comparado com outros países."
A professora Otília Pessoa, titular do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC), defende grandes investimentos em pesquisa e colaboração para o aproveitamento da biodiversidade brasileira.

"O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do mundo, inclusive com um número significativo de espécies vegetais e animais já catalogadas. Entretanto, isso não é suficiente, pois deve-se ter em mente que grandes projetos devem ser feitos em colaboração, em redes, e com cabeças dispostas e voltadas para objetivos comuns."

Segundo ela, altos investimentos são necessários tanto pelo governo quanto pela indústria, especialmente em pesquisa básica. "São dessas pesquisas que saem os primeiros resultados, que motivam e despertam grandes projetos e, portanto, produtos."

A biodiversidade da Mata Atlântica

Os resultados do estudo foram publicados na revista World Patent Information e abrangem todos os biomas brasileiros, totalizando 7.395 patentes mundiais derivadas de mais de 25 mil espécies. Destes, o Brasil detém apenas 39 patentes originadas da Mata Atlântica, todas sob posse de institutos de pesquisa, universidades públicas ou depositantes individuais.
Enquanto isso, países como China, Japão e Estados Unidos dominam o registro de patentes envolvendo a biodiversidade brasileira.
Espécies como a grumixameira (Eugenia brasiliensis) e a gloxínia (Sinningia speciosa) são frequentemente usadas por empresas estrangeiras para desenvolver novos produtos nos setores agrícola, farmacêutico, cosmético, alimentos e bebidas e de tratamento de água, conforme o levantamento.
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O estudo identificou 1.258 depósitos de patentes de espécies endêmicas da Mata Atlântica, destacando o risco da biopirataria e a necessidade de maior controle e monitoramento do patrimônio genético nacional.
Muitas dessas espécies estão ameaçadas de extinção. Entre as espécies com patentes, 18% das endêmicas e 4% das não endêmicas estão classificadas como em risco de extinção, enquanto grande parte ainda não foi avaliada adequadamente.
O estudo também ressalta que algumas companhias estrangeiras que usam a biodiversidade brasileira possuem filiais no Brasil, atuando como facilitadoras no acesso ao patrimônio genético.

Quais as consequências da biopirataria?

Sobre a regulamentação do envio de espécies para o exterior, a professora Otília Pessoa explica que o procedimento deve ser feito de forma legal por meio do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Pessoa ressalta o impacto negativo no ecossistema e na captação de recursos para o país, quando o processo é feito de forma irregular, o que configura biopirataria. "Quando isso acontece, perde o governo e a população, além de colocar em risco todo um ecossistema que depende de um equilíbrio para se manter saudável e em desenvolvimento."

"O envio de amostras de forma ilegal, principalmente de interesse científico e que podem se tornar comercial, deixa de contribuir para a captação de recursos para o país. Além disso, inviabiliza o desenvolvimento de comunidades que poderiam usufruir dos benefícios da natureza."

Quanto ao envio de espécies para fora do país, o doutor em sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP) Érico Pagotto ressalta as formas legais de enviar material biológico ou paleontológico ao exterior, por meio de convênios acompanhados de contrapartidas.
No entanto, ele também alerta para o contrabando e a biopirataria, práticas que têm ocorrido historicamente há mais de 500 anos, segundo ele.
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"O país vive numa permanente condição de 'colonialismo tecnológico'. O atraso tecnológico ao longo de décadas vai tornando o degrau progressivamente mais alto", diz ele, destacando que isso é verificado também na dilapidação do patrimônio socioambiental brasileiro, exemplificada pela extinção de etnias de povos ancestrais e pela falta de políticas de proteção e restauração de biomas.
O infectologista José Pozza também menciona a legislação que regulamenta a importação e exportação de espécies no Brasil, ressaltando a morosidade no processo de licenciamento. "É necessário uma licença junto ao Ibama, porém o prazo para a análise pode ser de cerca de 60 dias", diz.
"Um dos princípios de um país é ser capaz de proteger sua biodiversidade", afirma, como forma também de evitar medidas unilaterais de países estrangeiros.
Segundo ele, muitos cientistas brasileiros se mudaram para o exterior devido à falta de incentivo, o que acaba realçando tal situação.
"A melhor forma de estudar e proteger a biodiversidade é o estímulo a políticas públicas e privadas que valorizem e priorizem os cuidados com a diversidade. Muitos cientistas que são radicados fora do Brasil saíram daqui por falta de incentivo."
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Fuga de cérebros no Brasil

Estimativa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, indica que o Brasil pode ter perdido cerca de 6,7 mil cientistas nos últimos anos.
O pesquisador Érico Pagotto afirma que falta tradição em pesquisa tecnológica de ponta no Brasil, o que leva muitos pesquisadores a buscar melhores condições de carreira no exterior, fenômeno conhecido como "fuga de cérebros".
Segundo ele, três principais aspectos explicam por que o Brasil aproveita tão pouco o potencial econômico de sua rica biodiversidade: econômico, tecnológico e de recursos humanos.
"Primeiro, o Brasil investe pouco em pesquisa, tanto pesquisa básica como aplicada. Muitos centros de pesquisa instalados em universidades estão sucateados por falta de investimento em manutenção, aquisição de maquinário e reagentes", explica.
"Quem trabalha com pesquisa no Brasil vive uma situação muito precária do ponto de vista trabalhista, sobrevivendo com bolsas escassas, de valores miseráveis e com vínculo precário", afirma. Ele ressalta que "pesquisa de qualidade demora, custa caro e precisa de infraestrutura", e que ser bolsista de pesquisa no Brasil é uma forma de "subemprego" ou "bico".
A professora Otília Pessoa também lamenta a escassez de investimentos no Brasil. "Somos um país que pouco aplica em pesquisa, se considerarmos que pesquisas demandam tempo e dinheiro, muito dinheiro", diz ela.

"A maioria de nossas pesquisas são desenvolvidas em programas de pós-graduação e com os parcos recursos do próprio pesquisador. Além disso, normalmente as pesquisas são desenvolvidas por alunos de pós-graduação com prazo para as defesas de seus trabalhos. Isso muitas vezes impede a continuidade de projetos."

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