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Vitória de Trump nos EUA pode estimular bolsonarismo no Brasil e gerar reação do BRICS, diz analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que vitória de Javier Milei na Argentina, somada a uma possível volta de Donald Trump à Casa Branca, levou Lula a se posicionar a favor de Biden, e que um eventual retorno do republicano ameaça uma nova rodada de atritos entre EUA e China, impondo necessidade de mais aproximação entre o BRICS.
Sputnik
O desempenho desastroso do presidente dos EUA, Joe Biden, no primeiro debate contra Donald Trump na corrida pela Casa Branca acendeu o alerta na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Assessores do Palácio do Planalto temem que a fragilidade de Biden exposta no debate possa fortalecer Trump na disputa, e que uma eventual vitória do candidato republicano sirva como combustível para o recrudescimento do bolsonarismo no Brasil. Somada a isso está uma possível saia justa em caso de uma vitória de Trump, uma vez que Lula, em fevereiro, declarou preferência por Joe Biden ao ser questionado sobre as eleições americanas.
A Sputnik Brasil consultou especialistas para saber como uma eventual vitória de Trump no pleito americano poderia impactar no governo Lula e se há possibilidade de o Brasil ser prejudicado por conta do posicionamento do presidente.
João Victor Motta, doutorando e mestre em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, afirma que a preferência de Lula pela vitória de Biden, ou qualquer outro democrata, "se insere em uma lógica mais ampla das aproximações políticas entre os campos políticos que ambos representam".
"Neste momento histórico específico, os democratas, como liberais, possuem um alinhamento maior com o governo brasileiro em temas sensíveis, como direitos humanos, direitos trabalhistas e o tema da defesa das democracias. A preferência declarada de Lula não impactará as relações entre Brasil e EUA em um eventual novo governo Trump, para além do que já se espera naturalmente da postura do ex-presidente republicano."
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Ele acrescenta que posicionamentos por parte de chefes de Estado não possuem um impacto específico, tendo apenas como objetivo "delinear os alinhamentos posteriores e prévios". Segundo Motta, o crescimento do radicalismo político e do fascismo no mundo levou lideranças a se posicionarem a favor de personalidades vistas como antagônicas a essas vertentes ideológicas extremistas — ele cita como exemplo o ocorrido nas últimas eleições presidenciais do Brasil.

"Não foram poucos líderes globais que se declararam abertamente ou mais discretamente favoráveis à vitória de Lula em 2022."

Tradicionalmente a política externa brasileira cultiva a neutralidade, evitando posicionamentos a favor ou contra candidatos em disputas eleitorais. Contudo essa tendência mudou nos últimos anos. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, se posicionou a favor de Trump nas eleições de 2020 e chegou a ecoar as acusações de fraude eleitoral após a vitória de Biden. Lula, por sua vez, além de se posicionar a favor de Biden, afirmou preferência por Sergio Massa quando este disputou a presidência da Argentina contra Javier Milei.
Questionado sobre essa mudança de paradigma na política externa brasileira, Motta aponta que o posicionamento de líderes é um fenômeno global, iniciado com a ascensão de vertentes políticas radicais não comprometidas com a democracia e os direitos humanos.
Ele acrescenta que "esse fenômeno recente de declarações de preferências eleitorais é mais notável nos países centrais do Norte Global e na América Latina, não sendo uma exclusividade brasileira".

"No entanto, há declarações de preferências que, mesmo que não feitas, são óbvias em quaisquer eleições desde o início do século XX, em virtude dos posicionamentos partidários e ideológicos das lideranças nacionais."

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Por sua vez, Hugo Albuquerque, jurista e editor da Autonomia Literária, afirma que a tomada de posição do Brasil a favor de Biden "expressa, no plano internacional, a polarização atual da sociedade brasileira em termos políticos".
"Uma polarização que foi construída há muito tempo, mas não encontrou um sujeito para enfrentar o lulismo, até a promoção de Bolsonaro como um político de primeiro nível, convergindo em torno de si as pautas da direita mais conservadora. A partir daí a luta política se tornou muito intensa e as duas cabeças dos dois polos buscam alianças no plano internacional. Por outro lado, o Itamaraty perdeu protagonismo como instituição burocrática que dirige o cotidiano da política externa brasileira, enquanto passa por um certo sucateamento."
Thiago Rodrigues, professor de relações internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que o Brasil de fato não tem tradição de se posicionar a respeito de pleitos de outros países, mas explica que a situação política contemporânea está bem diferente.

"Existe uma radicalização muito importante no mundo todo, e essa radicalização atinge o continente americano de uma forma muito direta, e me parece que na atual conjuntura, e até por conta da vitória de Milei, Lula se posicionou, desta vez, a respeito das eleições nos EUA. Até porque isso tem um impacto nas eleições, no ambiente político brasileiro."

Ele argumenta que Jair Bolsonaro segue como o "garoto-propaganda" do radicalismo no Brasil e que, embora abalada, essa vertente política está em busca de uma figura conservadora "mais apresentável do ponto de vista internacional e menos radicalizada do ponto de vista ideológico do que são o próprio Jair Bolsonaro e o seu círculo mais imediato".
"Então eu acho que essa situação peculiar de influência grande do que acontece fora, nos EUA e na Argentina, principalmente, com relação ao Brasil, que são os dois países mais importantes tradicionalmente do ponto de vista político, diplomático e econômico que o Brasil tem, motiva esse posicionamento do Lula."

Como uma eventual vitória de Trump pode afetar o Brasil?

Para Motta, caso Trump seja eleito, o distanciamento das políticas externas de Brasil e EUA será natural e esperado, mas não alteraria "a longa trajetória de aproximações e afastamentos entre os dois países".
"Espera-se de Trump um maior protecionismo econômico e comercial, mas que não deve alterar profundamente as relações entre os dois países, seja no âmbito comercial ou em eventuais aproximações temáticas."
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Entretanto ele sublinha que em um cenário de vitória de Trump, "um eventual acirramento das disputas comerciais dos EUA e da China pode impor uma necessidade de maior aproximação entre os países do BRICS".
"Outro ponto que deve ser acompanhado de perto no Brasil são as relações de Trump com o Fed [Federal Reserve, banco central dos EUA], que nunca foram amistosas, e as oscilações de taxa de juros nos EUA impactam diretamente na postura do Banco Central brasileiro."
Rodrigues avalia que "qualquer posicionamento explícito é um risco político, que pode trazer vantagens, caso a aposta vença, e muitas desvantagens, caso a aposta não vença". Porém enfatiza que uma vitória de Trump nas eleições americanas "já traria, com Lula falando ou não, uma posição de afastamento dos EUA com relação ao Brasil".
"Então é uma aposta que, no fundo, parece muito arriscada, mas não é. Porque a polarização é tão grande que se Trump vencer isso já vai animar a ultradireita brasileira e já vai colocar Trump em uma posição de apoio à ultradireita brasileira contra o governo Lula de todo jeito. Então é uma declaração que me parece falsamente radical, porque os dados já foram lançados e as posições políticas já são bem colocadas."
No entanto ele afirma que, do ponto de vista pragmático, não deve haver grandes problemas nas relações econômico-comerciais com os EUA, "porque Trump não tem uma agenda econômica protecionista com relação diretamente ao Brasil".

"O problema ideológico de Trump sempre foi, principalmente, [com] o México e a China, com relação ao discurso nacionalista dele com relação à perda de empregos, à fuga de capitais, à imigração ilegal. Então pode haver alguma tensão nesse campo da imigração, expulsão de brasileiros, alguma perseguição que seja mais indireta do ponto de vista ideológico, mas acredito que do ponto de vista dos grandes interesses comerciais e econômicos não haveria grandes problemas. Seria uma disputa no campo retórico e ideológico."

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