Marinha chinesa garante poder regional, mas precisa de Rússia para projeção global, diz analista
Rússia e China realizaram exercícios navais abrangentes, em meio a pressões dos EUA para que os países euroasiáticos cessem a cooperação na área militar. Para analista ouvido pela Sputnik Brasil, participação chinesa nas manobras prova que Pequim está disposta a contestar a ordem internacional norte-americana e não teme sanções econômicas.
SputnikNesta quarta-feira (17), as Marinhas de Rússia e China concluem os exercícios navais Cooperação Marítima 2024, na região do Pacífico. Os
exercícios inauguraram mais uma fase na cooperação militar bilateral e atende às necessidades de segurança de ambos os países no Extremo Oriente, região de crescentes tensões geopolíticas, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Durante a cerimônia de abertura dos exercícios navais, realizada no porto de Zhanjiang na segunda-feira (15), as partes anunciaram a realização de exercícios em defesa antiaérea e antissubmarino, além de treinamento do uso de sistemas de defesa antimísseis e de reabastecimento em movimento.
"A patrulha conjunta China-Rússia promoveu o aprofundamento e a cooperação prática entre os dois países em várias direções e campos", disse o comandante da Frota Sul da China, Wang Guangzheng, conforme
reportou a Reuters. "E efetivamente melhorou a capacidade dos dois lados de responder conjuntamente às ameaças à segurança marítima."
Os países realizaram manobras e patrulhas tanto na região do Pacífico Norte, próximos à fronteira com a Rússia, quanto na região do mar do Sul da China, alvo de frequentes incursões da Marinha dos EUA.
Para o mestre em estudos estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo Ribeiro, os exercícios são instrumento dissuasório importante para evitar a escalada militar nesta região-chave para a disputa geopolítica contemporânea.
"Os exercícios ajudam a demonstrar as capacidades navais de ambos os países e indicam o compromisso de proteger seus interesses estratégicos na região, contribuindo para a preservação da estabilidade na Ásia-Pacífico ao desencorajar ações provocativas de outros atores", disse Ribeiro à Sputnik Brasil. "Além disso, esses exercícios promovem uma comunicação transparente dos objetivos de Rússia e China na região, reduzindo interpretações ambíguas que poderiam levar a uma escalada das tensões."
O especialista não ficará surpreso se as potências ocidentais condenarem a realização das manobras, mas nota que elas "são principalmente um elemento dissuasório no jogo de poder entre as potências, demonstrando a força da parceria estratégica entre Rússia e China e contrabalançando o bloco formado pela OTAN e seus aliados na região".
30 de janeiro 2015, 09:50
O desenvolvimento acelerado da Marinha chinesa é um dos elementos mais relevantes na remodelação das capacidades de poder das grandes potências. Considerada fundamental para garantir a segurança chinesa diante das disputas territoriais no mar do Sul da China, ao apoio dos EUA a Taiwan e à dependência chinesa do comércio marítimo, a Marinha recebeu especial atenção de Pequim nos últimos anos.
"O desenvolvimento da Marinha chinesa nos últimos anos é, sem dúvidas, algo de extrema relevância. A indústria de construção naval da China já é a maior do mundo e isso faz com que esse crescimento da Marinha da China venha acontecendo em um ritmo muito impressionante", apontou Ribeiro. "A China possui, atualmente, a maior Marinha do mundo em número total de navios, ultrapassando justamente a Marinha dos EUA."
No entanto, qualitativamente os EUA ainda mantêm a liderança: Washington opera 11 porta-aviões de propulsão nuclear, contra somente três de propulsão convencional da China, lembrou o especialista. Para ele, "essa diferença tecnológica permite que os Estados Unidos projetem poder de uma maneira muito mais abrangente do que a China no cenário atual".
"Além disso, os
EUA têm uma grande rede logística estabelecida desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com diversas bases militares em pontos estratégicos que facilitam muito a ação da Marinha dos Estados Unidos ao redor do mundo. A China, por sua vez, possui uma única base de apoio logístico fora do seu território, localizada no Djibuti", explicou Ribeiro.
Portanto, a força naval chinesa é atualmente capaz de dissuadir a presença da Marinha dos EUA em regiões marítimas próximas da China, "mas, tratando-se de uma projeção de poder ao redor do mundo, — ou um eventual enfrentamento direto entre as duas forças — as capacidades estadunidenses ainda parecem superar as chinesas por uma boa margem".
Nesta lacuna é que a cooperação com a Marinha da Rússia é tão importante para a China. As Forças Armadas chinesas têm pouca experiência de combate e desconhece na prática os impactos de novas tecnologias no campo de batalha, como mísseis hipersônicos e drones navais, disse Ribeiro.
"No campo estratégico, o principal elemento de complementaridade entre as duas Marinhas seria o contrabalanceamento de forças com a OTAN, importante para o cálculo geopolítico de ambas as nações", declarou o mestre em estudos estratégicos. "Já no campo tático, o compartilhamento de doutrinas e conceitos operacionais ajuda diretamente na modernização destes elementos e facilita uma eventual ação militar conjunta entre China e Rússia."
A
Rússia ainda garante à China acesso a equipamentos militares de ponta, selando acordos de transferência de tecnologia que incluem o treinamento de militares chineses, revelou Ribeiro. A China já adquiriu mísseis antiaéreos russos S-400 "que se mostraram essenciais para o desenvolvimento das capacidades de defesa aérea naval da China".
'Parceria sem limites' militares?
Em 2022, Rússia e China declararam o estabelecimento de uma parceria "sem limite" na arena internacional, elevando o grau do relacionamento bilateral. Desde então, o comércio entre os países já aumentou mais de 26%, atingindo cerca de US$ 240,1 bilhões (R$ 1,3 trilhão) em 2023, de acordo com dados da alfândega chinesa.
A realização dos exercícios navais aponta que a
China não aquiesce às ameaças norte-americanas e está preparada para expandir sua parceria com a Rússia para abranger a esfera militar.
"A disponibilidade da China para realizar exercícios militares com a Rússia, apesar das ameaças de sanções secundárias dos EUA, sugere que Pequim está disposta a assumir certos riscos em prol de seus objetivos estratégicos e geopolíticos", disse o doutor em Relações Internacionais pela Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN, na sigla em russo), Johnatan Santos, à Sputnik Brasil. "Isso indica que a China pode estar confiante na resiliência de sua economia e em sua capacidade de mitigar os impactos de possíveis sanções."
Para ele, a postura chinesa também reflete a intenção de "diversificar suas alianças e diminuir sua dependência econômica e tecnológica do Ocidente, ao mesmo tempo em que fortalece suas próprias capacidades defensivas e influência geopolítica".
"Ao demonstrar que não teme as sanções norte-americanas, Pequim envia uma mensagem de que está comprometida com sua parceria estratégica com a Rússia e disposta a desafiar a ordem internacional liderada pelos EUA", declarou Santos.
A parceria com Moscou garante diversas vantagens a Pequim, como o acesso a tecnologia militar avançada, o apoio estratégico russo na arena internacional e expansão da presença chinesa em regiões críticas, como a Ásia Central e o Pacífico.
"O interesse de Rússia e China em aprofundar a sua parceria na esfera militar se baseia em diversos fatores estratégicos e geopolíticos: ambos os países enfrentam pressão e contenção por parte dos EUA e seus aliados, e uma aliança mais estreita lhes proporciona maior capacidade de resistir a essas pressões", considerou o acadêmico. "Através da cooperação militar, Rússia e China podem compartilhar recursos, tecnologia e conhecimento militar, além de fortalecer suas capacidades defensivas e projetar poder em regiões estratégicas, como o mar do Sul da China e o Ártico."
Nesta terça-feira (16), os EUA comentaram a realização dos exercícios navais conjuntos de Rússia e China. Em resposta à pergunta de jornalista sobre como Washington encara as manobras, o porta-voz do Pentágono, major-general Patrick Ryder, disse: "Sugiro que eles falem por si próprios sobre as razões que os levaram a efetuar os exercícios. Estamos, obviamente, a segui-los de perto e continuaremos a fazê-lo."
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