Por decisão 'tardia', sucessor de Biden precisará de esforço brutal para vencer Trump, diz analista
A desistência de Biden da eleição presidencial marca um evento raro na política norte-americana. À Sputnik Brasil especialistas em política estadunidense explicam o que resta da campanha dos democratas com a retirada da tradicional candidatura à reeleição.
SputnikO presidente dos Estados Unidos e candidato a reeleição,
Joe Biden, anunciou neste domingo (21)
sua desistência na corrida pela Casa Branca.
Apesar de muito especulada, a decisão de Biden pegou todos de surpresa, com muitos de seus
assessores mais próximos sendo informados um minuto antes de sua carta ao público ser publicada em sua conta no X (antigo Twitter),
informou o jornal The New York Times.
A última vez que um candidato desistiu de concorrer foi há mais de 50 anos, quando Lyndon B. Johnson, que iniciou a guerra do Vietnã e foi vice de John F. Kennedy, desistiu após um péssimo início de campanha,
lembrou a CNN.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora de política internacional na Universidade Torquato di Tella na Argentina e colaboradora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Monica Hirst, afirma que a decisão é "acertada, porém tardia".
"Infelizmente, a campanha já está muito acelerada do ponto de vista da situação e do posicionamento do Trump."
Bárbara Motta, professora de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) explica que ainda que Biden afirmasse publicamente que não desistiria, a dúvida sempre existiu no cenário político norte-americano. "E essa dúvida, somada aos acontecimentos recentes, é o que explica a chegada desse momento de 'não retorno'."
Nas últimas semanas, e especialmente após um fraco desempenho no debate,
um conjunto de episódios "emblemáticos" evidenciaram uma imagem de "inaptidão" de Biden, como o ter esquecido o nome do secretário de Defesa, Lloyd Austin, e ter confundido Vladimir Zelensky com
Vladimir Putin, presidente da Rússia, durante o
encerramento da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Washington D.C.
A candidatura de Trump também ganhou bastante força nos últimos dias, apontam ambas analistas. "Principalmente a forma como o Trump reagiu a esse atentado, com uma imagem de bastante força, de se mostrar apto fisicamente", diz Motta.
Quem sucederá Biden?
Segundo Motta, um sucessor para Biden não deve demorar para aparecer. "Quanto mais o Partido Democrata retardar essa decisão, mais as chances do Trump aumentam", diz.
"Ou porque o partido é visto como fraco, como vacilante, sem conseguir resolver internamente as suas questões ou porque não vai ser possível pensar numa estratégia de campanha específica para aquele candidato ou para aquela candidata."
Nesse sentido, o nome da vice-presidente Kamala Harris já é o mais cotado dentre os possíveis substitutos para o atual presidente. A política recebeu apoio não só de Biden, mas de figuras de peso dentro do partido como Bill e Hillary Clinton.
Robert Kennedy Jr.,
candidato independente, apelou aos democratas que decidissem um novo candidato em um processo aberto durante a Convenção Nacional Democrata, que acontecerá em 19 de agosto. Para a professora da UFS, no entanto,
"em um horizonte de quatro meses para as eleições, um mês é muita coisa, é esperar muito".
Para Hirst, o nome de Harris também é o mais indicado até mesmo do ponto de vista de
utilizar as doações já recebidas, uma vez que ela já fazia parte da chapa eleitoral. No entanto,
"é uma pena que ela teve uma projeção tão limitada durante todo o mandato [atual de Biden]", diz a colaboradora do IESP.
"Isso foi um erro do governo Biden durante os últimos três anos e meio. Ela tem que recuperar um tempo perdido em muito pouco tempo e vai exigir um esforço brutal."
A própria nomeação de Harris como vice-presidente de Biden em 2020 foi feita com o fim de dar a seu nome uma projeção nacional, lembra Motta. "Mas ao longo dos últimos quatro anos, a vice-presidente quase não teve destaque, ou pelo menos não teve um destaque que a ajudasse ou ajudasse o partido nesse momento."
"Isso é um erro de estratégia que não é de agora, é um erro de estratégia que dura quatro anos."
Com sua desistência, "o momento Biden está completamente superado", decreta Hirst. "Agora é preto e branco. É uma campanha que vai ficar clara do ponto de vista do que está em jogo."
A professora da Universidade Torquato di Tella ressalta que, nesse "momento de liderança política extremamente problemático" dos Estados Unidos, a possível nomeação de Kamala Harris escancara a diferença entre os Democratas e os Republicanos nos temas fundamentais para os cidadãos estadunidenses, desde imigração e aborto, ao auxílio à Gaza e a Ucrânia.
"As posições de cada lado são bem conhecidas, são posições que não são bipartidárias, que não tem realmente uma ponte de construção de diálogo. São dois projetos de Estados Unidos muito diferentes."
O impasse democrata
Ainda que o nome de Harris seja dado como quase certo dentro do cenário político norte-americano, isso não quer dizer que os dados já tenham sido lançados, apontam ambas as analistas.
Dentro do próprio Partido Democrata muito trabalho terá de ser feito uma vez que "Harris entra com uma situação bastante desigual do ponto de vista do poder da sua postulação", diz Hirst, e que "do ponto de vista de orientação política, ela e o Biden são diferentes", afirma Motta.
"Então que a estratégia de campanha vai precisar de substantivas alterações", diz a professora da UFS. "A figura da vice-presidência vai ser um dos elementos fundamentais para a gente entender qual vai ser a cara dessa chapa."
A escolha certa do vice-presidente traz robustez para as campanhas presidenciais. O exemplo claro disso foi a escolha "afiada" de Donald Trump pelo senador J. D. Vance, nome que
"complementa noite e dia os significados e mensagens" de sua campanha, explica Hirst.
Para Motta, a estratégia dos democratas agora deve ser de apostar no ineditismo de lançar a primeira mulher negra candidata à presidência dos Estados Unidos, tentando aprofundar os laços com os setores mais progressistas.
A eleição presidencial passada foi a que mais mobilizou votos no país, no qual votar não é obrigatório. Tanto Joe Biden quando Donald Trump alcançaram números recordes de votos, evidenciando a polarização do eleitorado.
Na deste ano, contudo, as pesquisas apontam para um número maior de desinteressados, desiludidos por ambas as candidaturas, mas em especial
pelas ações do atual presidente com o auxílio à Ucrânia e a Gaza.
"Há muito trabalho a ser feito e é preciso ver até onde se consegue mobilizar a sociedade norte-americana em direção ao fortalecimento dessa postulação", resume Hirst.
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