Panorama internacional

Considerada uma vice impopular, Kamala teria forças para derrotar Trump?

O presidente Joe Biden não resistiu às intensas pressões para desistir da candidatura à reeleição nos Estados Unidos e deixou o cenário eleitoral em xeque até a convenção do Partido Democrata em agosto. Especialistas analisam à Sputnik Brasil possíveis próximos passos da disputa no país.
Sputnik
Depois de tentar resistir por semanas na manutenção da candidatura à Casa Branca, Biden anunciou nas redes sociais no último fim de semana a desistência da continuidade da campanha nos EUA. Em meio aos questionamentos após consecutivos episódios de confusão mental e lapsos de memória, a pressão contra Biden cresceu ainda mais depois do pífio desempenho no debate contra Donald Trump. O atentado contra o republicano na Pensilvânia, que mostrou uma figura ainda mais "enérgica" e pronta para a disputa, foi mais uma ocasião que dificultou a continuidade do democrata na disputa, que seria a reedição das eleições em 2020.
O professor e pesquisador associado do Núcleo de Estudo dos Países BRICS (NuBRICS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lier Pires Ferreira avaliou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que a desistência não foi nenhuma surpresa.

"O Joe Biden, que já era um político folclórico por trocar nomes e datas, estava apresentando problemas mais significativos do que ocorria ao longo da sua carreira. O mais significativo foi a derrota que ele teve no primeiro debate para Donald Trump. Agora, ir mal em um debate não é uma prerrogativa nem é uma novidade do candidato, mas o que nós vimos ali foi o Biden ser tratorado pelo Trump. Ele mostrava nitidamente que não estava bem, não conseguia concatenar as frases e acabou sendo um motivo de grande preocupação", declarou.

Nas semanas seguintes, o democrata foi perdendo, pouco a pouco, apoios cruciais no partido, inclusive de grandes financiadores.
"Então, em função dessa preocupação, vários líderes democratas, inclusive ex-presidentes como o Bill Clinton e o Barack Obama, fizeram essa pressão para que ele finalmente renunciasse. Demorou, perdeu-se praticamente um mês com isso. E agora os desdobramentos mais significativos apontam para quem será o novo candidato democrata. E o grande desafio desse novo candidato, potencialmente a Kamala Harris, é se fazer conhecido do público norte-americano e viabilizar uma candidatura a apenas quatro meses das eleições", acrescenta.
Mundioka
Kamala Harris terá forças para derrotar Donald Trump?

Qual a idade da vice-presidente dos Estados Unidos?

Primeira mulher da história a ocupar a vice-presidência dos EUA e diante de um dos piores índices de popularidade para o cargo dos últimos 50 anos, conforme Pires, a mais cotada para substituir Biden na disputa é Kamala Harris, que também já conta com o apoio do presidente. Aos 59 anos, o etarismo, que era um dos principais pontos usados pela campanha de Trump contra Biden, apesar da pouca diferença entre eles — o republicano tem 78, e o democrata 81 —, passou a ser um "argumento perdido".

"O Trump sempre é muito midiático e capaz de se colocar no centro das discussões, mesmo nos momentos em que outro candidato ou outro fato ou acontecimento está mobilizando a atenção dos eleitores e da mídia como um todo. Então ele soltou essa bravata que agora vai ser mais fácil, que a eleição já está, entre aspas, faturada. Agora vai se projetar como aquele candidato que de fato é capaz de superar e vencer todo e qualquer desafio, sejam as eleições, seja um atentado, seja uma nova candidata que se apresenta com um perfil absolutamente diferente daquele que era o perfil do Joe Biden", analisa.

Mesmo com o apoio do presidente, ainda há dúvidas se Kamala será a escolhida, pontua o especialista, já que grandes caciques do partido, como Clinton e Obama, ainda não se posicionaram. Também há pesquisas sobre possíveis cenários eleitorais nos EUA que indicam que apenas a ex-primeira-dama Michelle Obama seria capaz de derrotar Trump. Enquanto Biden conquistou o apoio unânime de mais de 3,9 mil delegados do Partido Democrata, a mais recente pesquisa divulgada nesta segunda-feira (22) nos EUA aponta que Harris já teria o voto de mais de 1,2 mil pessoas, o que representa 61% do total necessário para concretizar a nomeação.

"É uma mulher, e nunca houve uma vitória feminina para a presidência dos Estados Unidos. Também é negra, de pai jamaicano e de mãe indiana. Embora os negros sejam apenas aproximadamente 12% da população americana, o histórico de um racismo estruturalmente enraizado naquela sociedade traz a questão da negritude como um peso muito grande e como uma vantagem comparativa em relação à branquitude tradicional que marca o país e as suas relações de poder […]. Além de tudo, a Kamala Harris tem uma formação acadêmica muito sólida, é cientista política, advogada, com uma carreira exitosa no direito. Foi senadora pela Califórnia, que é o estado mais rico do país, cumpriu um papel muito bacana enquanto senadora, sempre na defesa das minorias", enfatizou.

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Esqueceu o nome? Biden chama seu secretário de Defesa de 'o homem negro' (VÍDEO)

Quem substituirá Joe Biden?

Caso a escolha se concretize, Kamala Harris terá menos de quatro meses para uma intensa campanha contra o embalado Donald Trump, com as pesquisas mais atuais indicando empate técnico com uma pequena vantagem para o republicano.
"Por isso, o partido Democrata terá um trabalho muito intenso para poder virar essa imagem diante do eleitorado. E não apenas daqueles que escolherão os delegados dos diferentes estados, sejam eles de base ou tradição democrata ou base ou tradição republicana, ou mesmo esses estados pêndulos que em geral decidem as eleições", diz Lier.
De acordo com o especialista, essas são regiões dos EUA que "ora acompanham os democratas, ora os republicanos" e, por isso, são consideradas chaves para uma vitória eleitoral, cuja votação é indireta, diferentemente do Brasil, e também não é obrigatória.

"Sabemos que há três temas decisivos nesta eleição. Um deles é a questão da inflação, que agora está relativamente estável, mas ela está em padrões relativamente altos para a cultura política e econômica dos Estados Unidos. Não por outro motivo, a Kamala Harris fez um pronunciamento [no último domingo] onde ela não se colocava como candidata do partido, mas fez uma defesa da administração de Joe Biden. Então essa é uma questão importante. O outro tema é qual será a dificuldade de lidar por sua própria origem, mais uma vez, pai jamaicano e mãe indiana, diante da questão da imigração, questão sensível e que mobiliza muito os eleitores norte-americanos. E a terceira questão é exatamente a política externa", afirma.

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'Temos Kamala': Biden desistirá da corrida presidencial após debate ruim, diz Trump (VÍDEO)

Posições de Kamala no cenário internacional

O professor e doutorando em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Gustavo Loureiro lembrou ao Mundioka que a vice-presidente "não tem posições tão diferentes de Biden" no contexto internacional, como o apoio dos EUA à Ucrânia e Israel, cada vez mais questionados internamente.

"Talvez se as pressões internas do Partido Democrata continuarem a mostrar uma posição mais cética em relação a Israel, talvez a gente tenha um pouquinho mais de rigidez […] de algum tipo de fiscalização do governo dos Estados Unidos em cima de Israel. Mas, até o momento, nada indica que vai mudar alguma coisa tão relevante em relação a esses posicionamentos", acredita.

Com relação aos temas internos, o especialista prevê que Harris terá posturas mais agressivas a diversos temas, como o aborto.
"Então eu acredito que é uma mudança que vai ser bem-vinda para muitos setores, principalmente dos democratas que procuravam uma renovação das lideranças, que estavam um pouco também desanimados com a campanha do Biden. Mas eu acredito que é isso, é mais para uma mudança mais significativa no âmbito nacional do que no internacional", diz.
Por fim, o professor espera uma campanha mais afiada e apelativa para enfrentar Trump, principalmente em debates.
"A Kamala tem um discurso muito mais afiado […]. Eu acredito que isso pode, sim, ser uma coisa que vai fazer aquela diferença na hora de as pessoas votarem. A gente tem que lembrar que o Obama era recordista em questão de levar as pessoas até as cabines de votação. Era uma coisa que há muito tempo você não via nos Estados Unidos, até as eleições que ele chegou e colocou os jovens ali para irem votar."
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