Panorama internacional

Análise: sistema financeiro global trava poder do governo brasileiro e o faz refém do setor privado

A recente divulgação dos dados do Tesouro Nacional revelou que a Dívida Pública Federal (DPF) do Brasil atingiu R$ 7,67 trilhões em junho deste ano, representando um aumento de 2,25% em relação ao mês anterior.
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Esse cenário de endividamento, no entanto, contrasta fortemente com o dos Estados Unidos, cujo débito atinge US$ 36,3 trilhões (aproximadamente R$ 181,5 trilhões), equivalente a quase 30 vezes maior do que o brasileiro.
Apesar dessa disparidade, as políticas econômicas dos dois países seguem caminhos distintos, levantando questões sobre as escolhas do governo brasileiro em relação à austeridade fiscal, segundo analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Vulnerabilidade brasileira

Luiz Felipe Osório, professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro "Imperialismo, Estado e Relações Internacionais", aponta que a posição dos EUA como emissor da moeda internacional, o dólar, confere ao país uma vantagem única.
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Desde os Acordos de Bretton Woods, em 1944, o dólar se estabeleceu como a principal moeda global, o que permitiu aos Estados Unidos expandir seu endividamento sem as mesmas restrições enfrentadas por outros países.
"O Brasil, por outro lado, não possui a mesma condição, ficando vulnerável às oscilações da economia internacional e aos custos de transacionar em outra moeda", afirmou Osório.
A austeridade, de acordo com o internacionalista, é uma escolha política, não técnica. Ele ressalta que o endividamento pode ser uma ferramenta para alavancar a economia, expandindo as possibilidades de crescimento nacional.

"O endividamento é uma forma de alavancagem e de utilização do crédito à disposição, alargando as possibilidades da economia nacional. O problema é que, a partir do processo de intensificação da internacionalização e da financeirização da economia brasileira — em consonância com o movimento internacional, conhecido como globalização, iniciado na década de 1990 —, com a abertura da economia ao mercado internacional, o país foi gradativamente se livrando ou transferindo os instrumentos de controle da economia para a iniciativa privada", apontou.

Austeridade sistemática

À Sputnik Brasil, Fábio Sobral, professor de economia e economia ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), tece críticas sobre o cenário preocupante no qual a dívida pública interna do Brasil é refém de um sistema. Sobral argumenta que o governo brasileiro tem sido progressivamente amarrado por mecanismos institucionais que o impedem de utilizar os recursos que gera, forçando-o a se endividar perante especuladores internacionais para financiar suas atividades correntes.

"O primeiro mecanismo é que a reserva líquida do Tesouro Nacional não pode ser usada, a não ser para quitar dívida, ou seja, não pode ser usada nas atividades correntes", explicou Sobral. Isso significa que, mesmo que o governo arrecade e preencha sua reserva líquida, esses recursos são destinados exclusivamente ao pagamento da dívida, deixando a administração pública sem meios para investir em áreas essenciais como educação, saúde, cultura e meio ambiente.

Sobral ainda destaca um segundo obstáculo que contribui para o crescente endividamento do país: "Tudo o que o Brasil exporta, menos o que ele importa, gera um saldo da balança comercial em moeda estrangeira, geralmente dólares. Esses dólares compõem as reservas cambiais do Brasil, e essas reservas cambiais também, por lei, não podem ser usadas em nenhum centavo na manutenção da atividade estatal estratégica e corrente."
Assim, mesmo as reservas cambiais do país, que poderiam aliviar a necessidade de endividamento, são intocáveis para fins que não sejam o pagamento de dívidas. Esse cenário, segundo o economista, cria uma espiral insustentável.
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"O financiamento da dívida pública passada, ou seja, o pagamento de juros e do principal, e também o financiamento das atividades correntes, tende a crescer porque ela é, de fato, insustentável, principalmente com essa taxa de juros", alertou Sobral. Ele explica que os juros aumentam mais rapidamente do que a capacidade de pagamento do governo, exacerbando o problema.
Luiz Felipe vai de encontro ao que diz o economista e vaticina que "a exigência da austeridade e do superávit primário são maneiras que o mercado internacional encontra de ter garantias de que o governo pagará os juros da dívida, drenando uma parcela considerável da produção nacional para setores minoritários, os quais têm garantidos lucros exorbitantes".

Impacto na vida do cidadão comum

O analista internacional pontua que essa política de austeridade tem implicações diretas na vida dos cidadãos.

"O que é inadmissível é que, em uma economia com restrições externas — como a condição periférica e a não emissão da moeda internacional —, se direcione mais da metade do orçamento público para quitar os juros da dívida, deixando as necessidades sociais à míngua, considerando toda a desigualdade que constitui a formação socioeconômica brasileira", critica Luiz Felipe Osório.

Ele argumenta que a decisão de destinar mais da metade do orçamento público para o pagamento de juros da dívida, em detrimento de investimentos sociais, é reflexo da influência do mercado internacional, que exige garantias de pagamento, mesmo que isso signifique sacrificar o desenvolvimento interno.
O economista reforça que, para o cidadão comum, as consequências são diretas e devastadoras.

"O cidadão comum paga impostos, paga tributos. Esses tributos são arrecadados pelas três esferas — federal, estaduais e municipais —, […] destinados ao pagamento de dívida com juros altíssimos", critica o professor. O resultado, segundo ele, é que a população, que deveria ser beneficiada por serviços públicos de qualidade, acaba sendo prejudicada, com suas necessidades sociais ficando sem atendimento adequado.

Os efeitos dessa política são evidentes, reforça Osório. O custo de vida aumenta, os preços das mercadorias se tornam mais voláteis, e o produto interno bruto (PIB) do Brasil permanece em níveis baixos de crescimento, quando não estagnado ou em declínio.
"Naturalmente, essa política afeta o cotidiano das pessoas não apenas no preço das mercadorias e no consequente aumento no custo de vida, mas mantendo o PIB em projeções muito minúsculas de crescimento, quando não de estagnação ou decréscimo, como se verifica nos últimos anos", detalha.

"Em suma, a opção política pela austeridade é uma forma de sabotagem do crescimento nacional, retirando do Estado qualquer poder de ingerência e deixando ao sabor e dissabor da iniciativa privada, à qual se preocupa exclusivamente com seu lucro", conclui.

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