Panorama internacional

Entre Israel e Irã, Jordânia teme uso de seu espaço aéreo em guerra regional, diz analista

Ministro das Relações Exteriores da Jordânia realiza visita histórica ao Irã, em meio à expectativa de possível retaliação ao assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniya, em Teerã. Localizada geograficamente entre Irã e Israel, Jordânia teme ser forçada a abater mísseis das partes em seu espaço aéreo e se envolver em um conflito de grande escala.
Sputnik
Nesta quarta-feira (7), o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, declarou que a responsabilidade pela atual escalada nas tensões no Oriente Médio seria de Israel e lamentou que o mundo se encontra "à beira de uma guerra regional".
"Estamos à beira de uma guerra regional por causa de atitudes perigosas de Israel", disse o ministro jordaniano Safadi durante reunião extraordinária da Organização para Cooperação Islâmica (OCI). "Ninguém quer uma escalada que levará somente a mais destruição."
O ministro, que também acumula o cargo de vice-primeiro-ministro da Jordânia, acredita que "o caminho para a desescalada começa com o fim da agressão contra os palestinos em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém", reportou o jornal local The Jordan Times.
Foto divulgada pelo Gabinete da Presidência do Irã, na qual presidente Masoud Pezeshkian, à direita, encontra-se com o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, em seu escritório em Teerã, Irã, 4 de agosto de 2024
A diplomacia jordaniana também condenou os ataques realizados por Israel em território libanês e iraniano, classificando o assassinato do líder do Hamas Ismail Haniya em Teerã um "crime hediondo" e "ataque à soberania iraniana".
A diplomacia jordaniana esteve nas manchetes dos jornais nesta semana, após realizar visita histórica a Teerã com vistas à diminuição das tensões regionais. Neste domingo (4), Safadi se encontrou com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Ali Bagheri, após dois dias consecutivos de conversas telefônicas, reportou a agência de notícias iraniana Tasnim.
Ministro interino das Relações Exteriores do Irã, Ali Bagheri Kani, à direita, recebe o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, para uma reunião em Teerã, Irã, 4 de agosto de 2024
Durante a reunião extraordinária da OCI na cidade saudita de Jidá os ministros das Relações Exteriores de Jordânia e Irã voltaram a se reunir em formato bilateral, o que comprova a intensa atividade diplomática entre atores relevantes para a região desde o assassinato de Haniya, em 31 de julho.
Na última semana, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, conversou com os seus homólogos de Jordânia, Líbano e Egito, enquanto seu subsecretário para assuntos do Oriente Médio e Norte da África, Mikhail Bogdanov, conversou com interlocutores de Arábia Saudita, representantes da Liga Árabe e de forças palestinas.
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Durante a conversa entre Lavrov e o jordaniano Safadi, as partes enfatizaram a necessidade de um cessar fogo entre Israel e palestinos e pediram a diminuição das tensões na região "o mais rápido possível", informou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia. Os ministros ainda pediram a todas as partes envolvidas que "usassem de moderação para evitar consequências catastróficas para todo o Oriente Médio".
A emergência da Jordânia como país mediador do conflito regional surpreende analistas acostumados a associar a política externa jordaniana àquela dos EUA e seus aliados. De acordo com o doutor em história pela Universidade York no Canadá, Tufy Kairuz, a Jordânia apresenta traços de dependência ocidental desde a sua fundação como Estado independente.
Entrevista da Sputnik com Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, em 19 de abril de 2024
"A Jordânia é um país totalmente dependente dos americanos, assim como foi dependente dos ingleses no passado", disse Kairuz à Sputnik Brasil. "A Jordânia é resultado de um projeto inglês para criar um Estado para a família Hashemita, que foi expulsa da Arábia pelos sauditas, e se espalharam por vários países do Oriente Médio. O ramo [Hashemita] que ficou na Jordânia acabou se mantendo no poder, ainda que de forma dependente e vulnerável."
As relações entre Jordânia e Israel são bastante próximas e incluem acordos de cooperação militar. Além disso, a Jordânia é parte de iniciativas norte-americanas para "contenção do terrorismo global", como a Coalisão Global de Combate ao Estado Islâmico (organização terrorista proibida na Rússia).
Refugiados sírios no campo de Azraq, na Jordânia (foto de arquivo)
"A Jordânia tem interesse direto na questão israelo-palestina, porque uma parte significativa da sua população é formada de palestinos ou de pessoas de origem palestina, filhos das diversas ondas de refugiados que precisaram se instalar na Jordânia", notou Kairuz. "Então o rei [da Jordânia Abdullah II] anda em uma linha muito fina."
Apesar do território modesto, a Jordânia é um dos países mais populosos do Oriente Médio, com aproximadamente 11 milhões de habitantes. Destes, cerca de 3 milhões são refugiados palestinos de primeira geração, aos que se somam descendentes de grupos forçados a sair do território da Palestina desde a década de 20.

Fogo cruzado

Recentemente, a Jordânia se viu implicada diretamente nas hostilidades entre Israel e Irã, quando mísseis lançados contra o Estado judeu passaram pelo seu espaço aéreo. Na ocasião, a Jordânia precisou inclusive derrubar mísseis iranianos, lançados em retaliação ao assassinato de sete pessoas, incluindo dois generais iranianos, na Embaixada do Irã na Síria.
"A Jordânia já havia feito declarações de que não permitiria o uso de seu espaço aéreo para uma eventual retaliação iraniana. Por outro lado, os iranianos disseram que qualquer país árabe que tentar atrapalhá-los ou bloqueá-los também sofreria retaliações", lembrou Kairuz. "A Jordânia está no fogo cruzado, não só no caso de Israel, mas da Síria também."
Neste sentido, o reino Hashemita estaria pouco interessado em uma escalada regional do conflito israelo-iraniano, acredita o pesquisador em Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jonuel Gonçalves.
"Por estar em posição geográfica complicada, a Jordânia não quer se ver na mesma situação que esteve quando precisou abater equipamentos militares iranianos", disse Gonçalves à Sputnik Brasil. "O espaço aéreo jordaniano se encontra vulnerável, apesar de ter mostrado que tem meios de defesa decentes."
Para ele, a visita realizada pelo ministro das Relações Exteriores Safadi a Teerã teve o intuito não só de defender os interesses do país em meio ao conflito, mas também transmitir mensagens de EUA e Israel para a contraparte iraniana.
"Não é impossível que a diplomacia jordaniana já possa transmitir ao Irã determinadas posições de Israel e das diplomacias ocidentais", disse Gonçalves. "Na minha opinião, nem o Ocidente, nem o Irã, estão interessados em manter o Catar como único mediador regional, o que favorece a ascensão jordaniana."
Durante a visita, o ministro Safadi expressou a vontade jordaniana de deixar desavenças passadas de lado e estreitar os laços com o Irã. Dadas as devidas proporções, essa aproximação de um país sunita próximo aos EUA a Teerã seria similar à recente retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita.
"Vemos que o Irã está expandindo a sua influência não só na sua vizinhança imediata, mas também no norte da África, no mar Vermelho e em direção ao Afeganistão", notou Gonçalves. "A expansão geográfica é clara, mas se isso poderá se reverter em poder de fogo, só saberemos quando um combate começar."

EUA e Israel divididos

A diferença de posições entre EUA e Israel sobre a necessidade de escalar o conflito com o Irã abre brechas para que aliados regionais, como a Jordânia, atuem de forma mais independente. De acordo com Gonçalves, Washington e Tel Aviv divergem quanto a escolha do momento oportuno de iniciar um conflito contra o adversário comum Irã.
"Ao que tudo indica, Israel acredita que esse é um bom momento para iniciar um conflito de maior escala contra o Irã. Para eles, o Irã é seu adversário principal, e o conflito inevitavelmente virá em algum momento", disse Gonçalves. "Atualmente, Israel avalia que tem vantagens sobre Teerã."
A própria capacidade israelense de realizar operações dentro do território iraniano, como a do fatídico assassinato do líder do Hamas, consiste em uma demonstração de força por parte de Tel Aviv. Em contraste, os iranianos não se mostram capazes – ou desejosos – de realizar operações similares em território israelense.
Da esquerda para a direita: o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken; o presidente dos EUA, Joe Biden; e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Os três participam de uma reunião do gabinete de guerra israelense em Tel Aviv, em 18 de outubro de 2023
"Por outro lado, para a Casa Branca, uma escalada com o Irã agora não só prejudica as suas alianças no Oriente Médio, onde ninguém quer uma guerra dessas, mas também as eleições presidenciais norte-americanas", disse Gonçalves. "Neste tipo de conflito, todo mundo comete erros. A opinião pública tende a avaliar conflitos em relação a dois critérios, se o seu país está do lado mais forte ou mais fraco, se está do lado dos mais justos ou injustos. E tudo isso dificulta uma campanha eleitoral, sobretudo para quem está no poder."
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Por outro lado, a indisposição norte-americana em guerrear com o Irã no contexto atual não significa que Washington abandonará sua política de mudança de regime em relação ao país persa, alertou o pesquisador da UFF.
"Os EUA têm interesse na queda do governo iraniano, mas uma guerra contra o Irã neste momento seria a melhor forma de fortalecer Teerã, porque promove uma unidade com apelo patriótico", considerou Gonçalves. "Não é com essa guerra que os EUA derrubariam o governo iraniano."
Não está clara qual posição prevalecerá no médio prazo: a de Washington ou de Tel Aviv. No caso do cessar-fogo na Faixa de Gaza, os israelenses têm sido capazes de manter suas operações militares, apesar das divergências com a Casa Branca.
O futuro da região parece estar na mão do Irã, que calibrará a sua já esperada retaliação ao assassinato de Haniya e às repetidas violações à sua soberania realizadas por Israel, acredita o doutor em história pela Universidade York, Tufy Kairuz.
O ex-ministro da Saúde do Irã Masoud Pezeshkian vence as eleições presidenciais em 5 de julho de 2024
"A verdade é que o Irã está sofrendo fortes pressões para reagir e tomar algum tipo de atitude. E provavelmente não será uma retaliação como as do passado, já que agora a pressão é muito maior. Por isso, eles estão dispostos a ouvir o que os demais têm a dizer e ficam abertos a propostas", concluiu Kairuz.
A escalada nas tensões regionais ocorre em meio à ofensiva israelense na Faixa de Gaza que se seguiu a ataque do grupo palestino Hamas contra alvos em Israel em outubro de 2023. Apesar da aprovação de resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige cessar-fogo imediato, mais de 39.600 palestinos morreram na Faixa de Gaza desde o início das hostilidades, e outros 91.600 ficaram feridos, de acordo com as autoridades de saúde locais.
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