Em reação às sanções econômicas, Rússia pode se tornar uma potência na produção de semicondutores?
Considerado crucial para a tecnologia moderna, o mercado de semicondutores ainda está concentrado em poucos países e tem recebido cada vez mais investimentos entre os membros do BRICS. A Rússia trabalha com uma ambiciosa meta de elevar de 2% para 70%, até 2030, o atendimento da demanda interna, que deve receber cerca de R$ 207,8 bilhões.
SputnikDo micro-ondas ao carro elétrico, dos celulares aos supercomputadores, os semicondutores são usados para fabricar
praticamente todos os aparelhos tecnológicos modernos. Prova da importância do material é que, durante a pandemia, em meio à crise da produção de chips, as montadores do mundo ficaram praticamente paradas.
Diante dessa importância, a Rússia anunciou investimentos volumosos para aumentar a capacidade da indústria nacional, que só para diodos e transistores de potência baseados em silício e carbeto de silício pretende aumentar a capacidade para até 140 mil wafers por ano (fina fatia de material semicondutor). A medida também acontece como reação às sanções econômicas ocidentais, que dificultaram o acesso do país ao mercado, no qual pelo menos 65% dos semicondutores são produzidos em Taiwan.
Felipe Neves, doutor em engenharia elétrica e professor no Centro Universitário Internacional Uninter, lembrou ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, do impacto do investimento nos semicondutores para a geopolítica, já que também são importantes até para a
produção de sistemas militares.
"A Rússia está sofrendo embargos econômicos justamente pela crise que vem acontecendo ali na região desde 2014. Começaram a surgir sanções, e o país precisava garantir a sua soberania tecnológica. Moscou vai conseguir resistir a essa pressão ocidental, e vira uma questão de segurança nacional, porque quando a gente fala de produção de semicondutores, a gente está falando também de defesa e área militar, não só a parte do nosso dia a dia", ressaltou.
Conforme o especialista, a Rússia atualmente consegue produzir semicondutores de até 65 nanômetros, e o objetivo é de chegar a 14 nanômetros até 2030.
"No final do ano passado, o ministro de Indústria e Comércio [Anton Alikhanov] falou que, a partir de 2024, ele começaria a fazer um investimento. Então, assim, eles começaram a produzir máquinas de litografia. O que seria isso? Quando a gente fala no processo de fabricação, usamos as máquinas de litografia, que são teoricamente impressoras a laser que imprimem os transistores, que imprimem esses semicondutores. E o acesso a essa máquina é muito restrito. Hoje, praticamente 100% do mundo compra a máquina da ASML, que é uma empresa dos Países Baixos. Então essa empresa acabou durante os embargos, não pode mais vender máquinas para a Rússia", explicou.
Além disso, o professor da Uninter disse que o país conta com
praticamente todos os insumos necessários para a produção de um chip, o que é um ponto a mais para alcançar a meta de atender a 70% do mercado interno.
"Um dos principais insumos necessários para fazer o processo de fabricação são os gases nobres. Então a Rússia possui boa parte desses gases nobres usados. Detém a principal empresa fornecedora de substrato de safira, só que ela vai precisar fazer alguns comércios fora desses países que estão participando do embargo. Então ela vai ter que começar a recorrer principalmente aos aliados dela no BRICS", destacou.
É o caso da China, que, após as sanções, passou a fornecer cerca de 90% dos semicondutores usados por Moscou, e que também vem sofrendo com os embargos liderados pelos Estados Unidos desde 2018.
"Mas a China está crescendo hoje fazendo muita engenharia reversa, tanto que os Estados Unidos acusam o país justamente de copiar chips, enquanto algumas empresas norte-americanas mandavam fabricar na China, que exigia essa transferência de tecnologia para que ela pudesse fabricar […]. O país cresceu muito. Os Estados Unidos até chegaram a duvidar um pouco da capacidade de Pequim, achando que estaria hoje com uma litografia de 15 nanômetros, mas descobriram que já está com 7 nanômetros", enfatizou.
Como funcionam os materiais semicondutores?
Por possuírem
baixa condutividade elétrica, os semicondutores são materiais isolantes neutros considerados o pilar da eletrônica moderna. O diretor-presidente do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), Augusto Cesar Gadelha Vieira, enfatizou ao podcast Mundioka que a fabricação desses componentes é extremamente complexa e, por isso, ainda restrita a poucos países que
possuem o domínio tecnológico.
"E o que ocorreu é que os Estados Unidos começaram a exportar a fabricação e fazer em Taiwan e na Coreia do Sul. […] esses países começaram a concentrar toda a parte de fabricação de semicondutores, dos chips, que são os circuitos eletrônicos feitos em cima do material que a gente chama de semicondutor. Então isso daí concentrou muito na Ásia. A Europa também teve um desenvolvimento muito bom nessa área", argumentou.
Outro país que tem começado a
investir mais intensamente no setor é a Índia, que também faz parte do BRICS. Segundo o especialista, um dos pontos mais fortes do país é a qualificação dos recursos humanos, que possui grande potencial.
"O BRICS se fortalece como um grupo de países que, digamos, interagem com intensidade. Para o Brasil, por exemplo, nós estamos na busca de um certo grau de autonomia também. E estar junto com outros países do porte da China, da Rússia, da Índia, isso seria extremamente positivo para que a gente consiga realmente fazer uma interação grande, uma cooperação científica e tecnológica nesse setor. Então nós fazemos isso dentro dos BRICS, por exemplo, em outros setores. Eu já fui à Índia verificar a questão de uma tentativa de, junto com a Índia, construir um supercomputador para esses países", disse Vieira.
Como está o Brasil na corrida dos semicondutores?
Para o diretor-presidente da Ceitec, não há uma percepção no Brasil com relação à importância dos semicondutores e de investir para reduzir a dependência externa.
"Eu não diria nem de partidos políticos ou de quem está como presidente, mas é algo como nação. O Brasil investiu no setor de semicondutores nos anos 1970, depois em 2000, o que ocorreu até 2013. Hoje, temos projetos novamente, com
produtos que vieram de um programa de treinamento para profissionais feito pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e, no setor privado, temos duas grandes empresas principais, uma em São Paulo e outra no Rio Grande do Sul. Elas fazem o back-end, que é o encapsulamento do semicondutor, mas nenhuma fabrica o chip", afirmou.
Durante o último governo, inclusive, houve a decisão de fechar a fábrica da Ceitec, que é estatal, diante dos custos. Porém, como a unidade tem produtos danosos ao meio ambiente, o processo seria lento e, na atual gestão, foi decidido retomar as atividades.
"Estamos tentando recuperar o espaço, mas em uma rota tecnológica que não é a mesma anterior, não é em cima dos semelhantes condutores chamados de silício. Hoje ela está investindo na parte de chips de potência, que é um chip que pode ser fabricado dentro do que nós temos lá com pequenas mudanças de maquinário e, com isso, podemos atender à indústria, que [atualmente] precisa muito dessa tecnologia que está expandindo no mundo inteiro", detalhou.
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